sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Miley e o sexo

LUÍS ANTÔNIO GIRON
17/10/2013 07h30 - Atualizado em 17/10/2013 12h20

Não há como fechar os olhos, tampar os ouvidos e calar a boca à falta de decoro da cantora e ex-atriz mirim e cantora Miley Cyrus. Há dois anos, Miley não passava de um modelo eficaz de bom comportamento para milhões de crianças e adolescentes. Em uma série do canal Disney, encarnava a personagem Miley, uma escolar mais ou menos comum de Los Angeles que se transformava em estrela pop Hannah Montana à noite. Embora o caráter um tanto hipócrita da personagem já deixasse entrever no que ela se transformaria ao crescer, ninguém imaginava que a artista hoje com 20 anos chegasse ao ponto de quebra de tabus que chegou. Muitos pais de família do mundo todo, inclusive o civilizado, estão proibindo os filhos de assistirem aos shows ou comprarem os produtos de Miley Cyrus porque ela induziria as crianças a várias modalidades de perversão sexual, entre elas exibicionismo, voyeurismo, sadomasoquismo e sexo grupal. Para não falar na exaltação ao consumismo, ao uso desenfreado de drogas e ao egocentrismo da cultura das celebridades. 

Os pais têm razão em temer por seus eternos bebês, embora apenas de certo modo. O novo estágio de atrevimento dos atuais pré-adolescentes é previsível – e só se espantam aqueles que não acompanharam as crianças nas últimas duas décadas. Para esses, só desejo boas-vindas ao aparentemente monstruoso universo dos jovens que estão tomando de assalto a corrente principal da cultura pop globalizada produzida nos Estados Unidos e macaqueada mundo afora. 

O pior é que essa geração não está sozinha. O fenômeno já tem mais de dez anos e conta com fundadores hoje canonizados, como Justin Timberlake e Britney Spears, astros que pensam e agem de uma forma que seus seguidores mirins adotaram. Chego a sentir nostalgia do anel da castidade que os Jonas Brothers lançaram em 2006. Além de Miley, há antigos modelos de comportamento como Vanessa Hudgens, Zac Efron, Demi Lovato e Selena Gomez, além de boa parte do elenco da série Glee. Alguns deles seriam enquadrados no código de posturas de qualquer município. Mas Los Angeles é diferente. É a terra da promissão e da consumação de todos os atos transgressivos. Ali, quem não consome e consuma de acordo com a receita em moda fica fora dos holofotes e dos flashes dos paparazzi.  

Vanessa tira autorretratos nua pelo celular para “deixar escapar” nas redes sociais. Demi expõe ao público o seu envolvimento com drogas e automutilação. Os garotos de Gleepromoveram, na quinta-feira, dia 10, na televisão americana, uma espécie de ritual macabro e lacrimejante para relembrar Cory Monteith, o jovem ator que recentemente morreu de overdose. Antes, quem tinha ou morria de abuso de drogas era considerado um mito da rebeldia – foram os casos de Jim Morrison e Janis Joplin. Hoje quem morre de overdose é um anjo da guarda que, nu momento de fraqueza, sacrificou-se a seus ideais humanos mais profundos; deixará saudades em cada um dos nossos corações. A audiência de Glee, que está na quinta temporada, explodiu nos Estados Unidos. Fui obrigado a assistir ao triste episódio em casa, com direito às lágrimas de minhas filhas. Senti calafrios. 

A geração de Miley é previsível, como todas as gerações jovens não devem ser. E como eles agem, sentem e raciocinam de maneira idêntica, é interessante analisar o exemplo de Miley que explica o todo. “Quando eu era criança tinha de ser adulta”, afirmou. “Agora que sou adulta posso me comportar como uma criança.” Que estranho paradoxo: a criança que é adulta na infância e é infantil na idade adulta não passa, no fundo, de uma pessoa superexposta e supercontrolada que se rebela à primeira oportunidade. 
Miley lançou neste mês o seu quarto álbum, Bangerz (Sony Music). O trabalho e os shows que ela tem feito com para promover as 13 faixas do disco a projetaram aos primeiros lugares das paradas da revista Billboard – e a converteram na mais nova superestrela pop, sucedendo e superando em ousadia e som Lady Gaga, Katy Perry e Madonna, entre outras. 

Colaboraram para o sucesso da enfant terrible Miley três fatores principais: o visual erótico cafona (ela posa de cueca e atua em viceoclipes totalmente nua), a participação em um apresentação do hit “Blurred lines” ao lado do cantor Robin Thicke no VMA Awards no mês passado (em que atuou como uma dançarina de boate, exibiu sua língua e simulou masturbação) e, finalmente, a temática explícita de seus grooves hiperdançantes no estilo hip hop. O título do disco tem vários significados, alguns sexuais. Na gíria do hip hop, “banguer” significa uma música muito boa (poderia ser traduzido em gíria brasileria para “pancadão”), uma mulher sensual, mas também praticante obsessivo de estupros em grupo. Seu sucesso, “We can’t stop”, pode ser compreendido como uma declaração de independência das prisões juvenis. Só que inócua. Nas cenas do videoclipe em que ela aparece simulando orgias, ela divide a cama com jovens dos dois sexos e camundongos de pelúcia gigante que representam Mickey Mouse, o símbolo dos estúdios Disney que a criaram. Miley mais grita que morde. Mais finge que faz. 
A velha cultura pop-rock surgiu nos anos 1950 da rebeldia de adolescentes e jovens adultos e conquistou o mundo na década seguinte, com a pregação das drogas, da fraternidade e do amor livre. A nova cultura pré-adolescente que emergiu no início do século XXI representa uma nova revolução na cultura pop, levada adiante pela “geração Y”, nascida já na era da informação. Mas uma revolução ao contrário. Cada gesto, roupa ou canção de Miley e coetâneos contém uma exaltação à conquista de produtos fashion e ao hedonismo sem limites. Os valores em voga não são lá muito edificantes. O próximo não é apenas um objeto de exploração sexual. Ele vira um produto a ser vendido, descartado e imediatamente atirado à sanha devoradora do público ansioso por escândalos. Sempre foi assim, mas agora é pior. Pré-adolescentes são versões ainda mais descerebradas de adolescentes, não é mesmo? 
Encerro minha diatribe por aqui, pois já estou perigosamente lembrando o sociólogo polonês Zygmunt Bauman e sua critica àquilo que ele chama de “modernidade líquida do mundo contemporâneo”. Mas essa tal modernidade líquida hoje recebe o acréscimo de metanfetaminas e outras drogas pesadas misturadas a vodca, energéticos e coquetéis abortivos.

Mesmo assim, os pais e responsáveis não têm muito a temer. Tudo isso já aconteceu antes com juventudes passadas, embora em menor grau de atrevimento e dosagem. Os jovens dos anos 1960 se domesticaram. Não será diferente com a “geração Y”. Seus precursores, como Britney e Timberlake, já baixaram o facho. Miley e a turma de Glee irão fazer sucesso de novo tão logo se acomodarem. O escândalo de hoje é o exemplo de amanhã. E assim a humanidade vai evoluindo, para pior.
 
Luís Antônio Giron escreve às quintas-feiras

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