quarta-feira, 27 de junho de 2018

Bem-vindo à crise dos 30

POR RUTH MANUS



Nunca fui muito de embarcar nessa coisa de crise. Sempre achei que era capaz de passar pela vida de forma razoavelmente tranquila, administrando minhas angústias sem maiores dramas que acabassem por desembocar em algum tipo desnecessário colapso. Mas -surpresa- o raio da crise dos 30 chegou sem pedir licença.

Não me sinto deprimida, infeliz, muito menos arrependida com a minha trajetória. Muito pelo contrário. Mas essa coisa de fazer 30 anos dentro de 18 dias vem martelando minha cabeça de forma insistente há meses. Tá tudo bem comigo, tá tudo super bem, mas começou a bater uma ansiedade estranha, uma voz inconveniente que berra “você já não é mais jovem, você já não é mais tão jovem Ruth”.

Quando me falavam em crise dos 30, achava que isso só batia para quem sentia um vazio muito profundo em alguma esfera da vida: trabalho, relacionamento, família, dinheiro. Mas percebi que não. Que esses fatores podem, obviamente, agravar as angústias, mas que mesmo aqueles que estão bem com o próprio estado civil e com a própria carreira, também sentem a água bater na bunda.

O corpo começa a se comportar de forma estranha: aparecem dores nas costas, quilos que chegam sem avisar, pregas no canto dos olhos, fios brancos aleatórios, azia e má digestão. As noites de sono mudam (mesmo que você não tenha filhos). Aquela coisa de cair na cama, adormecer automaticamente e só acordar no dia seguinte começa a se tornar rara. Dificuldade para adormecer quando deita, dificuldade para adormecer depois de um xixi de madrugada, dificuldade para dormir até meio dia no fim de semana. Coisas estranhas.

De repente, as pessoas que fazem sucesso (os cantores, os jogadores de futebol, os blogueiros, os jovens executivos) são mais novos que você. Como assim?! Como alguém mais novo que eu já pode estar no topo?! Eles são crianças, eles nasceram nos anos 90! Pois é, meu querido, você já não é assim tão novo. O tempo passou.

E começa, acima de tudo, uma sensação de que seus picos de liberdade já passaram. A época de errar já passou, a época de fazer grandes bobagens já passou, a época de curtir a solteirice, de fazer mochilão, de tomar porre na terça-feira. Na verdade, não há nada que nos impeça de continuar nessa vida, mas aquela voz sussurra no nosso ouvido “escuta, você já tem 30 anos…”.

Para alguns, bate a sensação de “minha vida já deveria estar de outro jeito”. Para outros bate o “mas meu espírito ainda tem 18 anos”. E para todo mundo bate a sensação de que o tempo passa mais rápido do que deveria. E começamos a sentir que ficaram muitas pendências desde os 20 e que talvez não tenhamos mais tempo para concretizá-las.

Aparecem nas listas de pendências: minha barriga não ficou dura, eu não fui pra Machu Picchu, eu não mandei meu chefe pro inferno, eu não tive um fusca, eu não saí com aquela menina por quem eu era apaixonado na escola, não fiz trabalho voluntário no Congo, não tive uma louca experiência homossexual, não pintei meu cabelo de azul, não acampei na praia, não comi bolo de maconha. Dá pra fazer tudo isso ainda? Dá. Mas vamos fazer? Sabemos que provavelmente não. Daí o medo.

Sim, eu sei que está tudo bem. Sei que não estou velha, que há muita vida e muita coisa boa pela frente. Mas não me peçam para me despedir da minha juventude sem sofrer um pouco. Sim- não dá pra negar, a juventude está indo embora.  Como bem disse a Sandy, tenho sonhos adolescentes, mas a costas doem. E essa incompatibilidade de corpo e calendário com alma e cabeça não são lá muito fáceis de digerir. Vai ver que é daí que vem a azia.

https://emais.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/bem-vindo-a-crise-dos-30/

Todos os abraços que a distância não me deixou dar

POR RUTH MANUS





Meus braços sobram. Tantas pessoas que eles deveriam ter envolvido e não envolveram. Tantos abraços que eu queria ter dado e não dei. Meus braços sobram, pouco gastos, menos utilizados do que deveriam. Sim, há abraços por aqui. Abraços igualmente relevantes- longe de mim negá-los. Mas não tem jeito, a lista dos abraços não dados se estende dia após dia.

Os abraços de aniversário, bobos e corriqueiros, que não dei. Aqueles abraços que acompanham os votos de “que seja um ano muito bom, de muita saúde, muita alegria e muito afeto”. Tornei-me apenas os votos que ecoam em aúdios de whatsapp ou em letras que aparecem numa tela de luz artificial. Tornei-me rara, pouco física, passível de ser ligada à tomada para carregar.

Não dei os abraços mais necessários. Não dei os abraços em quem despencava de lá do alto. O amigo que perdeu o pai. A amiga que perdeu o emprego. Os amigos que pediram o divórcio. Lá vinha eu, batucando num teclado, tentando buscar as palavras que supostamente amenizariam aquelas dores e que em tese reduziriam a amplitude da minha ausência.

Não dei os abraços nas crianças que viriam correndo em minha direção. Fui a imagem de Skype e de Facetime que acompanhou o crescimento desses pequenos nas telas das quais eles fugiam enquanto procuravam seus brinquedos. Minhas mãos, quase inúteis, seguravam um celular no ar para captar minha imagem em vez de segurar suas perninhas gordas, suas mãos sujas de bolachas, seus brinquedos babados.

Não dei os abraços naqueles que temos o medo eterno de perder. O abraço nos mais velhos, com cheiro de talco e de colônia. Não segurei suas mãos enrugadas, nem envolvi seus ombros já um pouco caídos com meus braços firmes. Não senti suas malhas de lã, nem a calma do abraço lento de quem já não quer sair correndo, todo o tempo com pressa.

Não dei os abraços que meu peito pediu aos berros nos momentos de angústia. Chorei no banheiro com as perninhas encolhidas. Abracei travesseiros por não poder abraçar meus pais. Abracei amigos novos por não poder recorrer aos velhos. Engoli seco, lavei o rosto e pensei “eu posso seguir sem esses abraços, eu sei que posso”.

De fato não dei tantos abraços urgentes que meu corpo gritava por querer dar. E isso se deve ao fato de que eu optei por abraçar o mundo. A velha história de ter medo, mas ir mesmo assim. De doer, mas permanecer mesmo assim. De ter um custo muito alto, mas avançar mesmo assim.

Não, não acho que um dia pare de doer, nem que nossos braços se habituem com os abraços não dados, tampouco que quem deveria recebê-los deixe de sentir sua falta. Não tem remédio, os abraços ficam pendentes. Por vezes embarcamos e, ao aterrissar, damos-os todos de uma só vez, sedentos, efusivos, atrasados.

Mas, no fundo, a gente acaba aprendendo a abraçar em pensamento. Não, não é uma solução à altura, mas a presença vai se fazendo de outra forma. Cada escolha uma renúncia, isso é a vida, não era isso que o Chorão dizia? E abraçar o mundo segue sendo uma escolha que, no fim das contas, pode doer mas segue fazendo sentido aqui dentro. Meus braços hão de aguentar.

https://emais.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/todos-os-abracos-que-a-distancia-nao-me-deixou-dar/