SÃO PAULO - A menos de 10 km do centro de Altamira, no Pará, está o marco zero da Transamazônica, desenhada para rasgar o norte do país. No início de outubro, operários acabavam de reformar o local, para o festejo dos 43 anos da inauguração.

Em 9 de outubro de 1970, o general Médici apareceu ali, após percorrer 200 metros "debaixo das árvores que escondiam quase completamente a luz do dia", relatou esta Folha.

O dirigente "aplaudiu a derrubada de uma árvore de 50 metros de altura". E descerrou a placa inaugural: "Nestas margens do Xingu, o presidente dá início à construção da Transamazônica, numa arrancada histórica para a conquista e a colonização deste gigantesco mundo verde".

Arrancada mesmo, só a da castanheira. Um pedaço do que seria o seu tronco hoje integra a insólita praça temática do marco inicial, alusiva a um tempo e a um estilo que ficaram para trás. A vegetação rala já não encobre o sol. Altamira é um resíduo pobre e empoeirado de um devaneio de "conquista e colonização".

O viajante segue na estrada e topa com os canteiros da hidrelétrica de Belo Monte. Movimenta-se um volume ciclópico de terra, em caminhões mamutes que remetem a ficções de exploração lunar. Cava-se um canal artificial de 20 km, revestido de pedra quebrada. A casa de força esculpida na rocha nua lembra monolitos de civilizações antigas.

Tudo é feito, paradoxalmente, para que a área inundada e o impacto local sejam os menores possíveis. A democracia despertou o governo do transe demiúrgico de instalar no rio Xingu lagos e barragens em série. Mas também derrotou os ambientalistas radicais, para quem qualquer hidrelétrica amazônica é anátema.

Em vez de ocupar à força e esburacar a esmo a Amazônia, o Brasil moderno trará de lá energia para suas grandes cidades. Belo Monte, em vários sentidos, é o oposto da Transamazônica. Prova que o país melhorou muito em 43 anos.