quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A invenção da felicidade

IVAN MARTINS
10/02/2016 - 09h30 - Atualizado 10/02/2016 12h44

Ao ver as ruas de São Paulo tomadas por blocos de Carnaval, como eu vi nos últimos quatro dias, fui assaltado por um sentimento deesperança que vai muito além da festa.
Ao contrário do que me dizem desde que eu sou criança – que as coisas no Brasil não mudam – eu vi essa mudança acontecendo diante dos meus olhos, no meu tempo, numa escala impensável e imprevisível.
A cidade que costumava ser o túmulo do samba, de onde as pessoas fugiam para celebrar o Carnaval, tornou-se no tempo exíguo de três anos numa grande metrópole carnavalesca.
Essa não foi uma transformação banal e não diz respeito apenas ao Carnaval. Ela sugere uma coisa da maior simplicidade e importância: que a sociedade é capaz de modificar o mundo ao seu redor para moldá-lo ao seu desejo.
Se nós, juntos, pudemos inventar um tipo de felicidade, por que não inventar o resto?
Havia em São Paulo um claro desejo reprimido por Carnaval, uma demanda oculta e vasta por celebração. Os paulistanos viajavam ao Rio ou a Salvador, iam a Recife atrás da alegria que não havia na cidade deles.
A cidade tinha bloquinhos esparsos, sempre teve, mas eles eram pequenos, não consistiam alternativa de festa para multidões. Nos últimos anos, algo mudou.
Repentinamente, a iniciativa de criar blocos de Carnaval se multiplicou. Já não eram 10 por ano, mas 200 ou 300. Os blocos começaram a surgir em toda parte, em diferentes bairros, refletindo a organização e a animação das pessoas. Cresceram espetacularmente.
A prefeitura, que poderia resistir ou atrapalhar, apoiou. Divulgou, criou espaços, forneceu estrutura, regulou a festa para impedir que ela virasse selvageria urbana.
O segredo da mudança está nesse tripé: o desejo disseminado das pessoas, a iniciativa de organização de algumas delas e o amparo do poder público. Se uma parte tivesse faltado, não aconteceria.
Mas cabe uma pergunta: por que aconteceu agora, e não antes? A resposta também é simples: porque algo mudou na atmosfera política da cidade.
Nos últimos anos, manifestou-se em São Paulo uma tendência muito forte das pessoas se apossarem do espaço da cidade. Sobretudo os jovens. Isso se percebe em coisas como o MPL, o Movimento Passe Livre, que vai às ruas enfrentar a polícia por transporte gratuito. Mas se nota também nos grupos de bicicleta e nas famílias que ocupam a avenida Paulista no domingo.
A mobilização em São Paulo alimenta a si mesma. Quanto mais as pessoas fazem, mais elas querem fazer. Ao ocupar as ruas em manifestações, os jovens se apropriam do espaço urbano, e isso muda a relação deles com a cidade.
Essa energia transformadora é a mesma que alimenta o Carnaval. Ele vira uma espécie de celebração das conquistas coletivas. Ao mesmo tempo, os blocos, desfilando sob os prédios do centro, reforçam a sensação de que cidade pertence aos foliões.
Tudo está interligado e avança como um bloquinho bem organizado.
O adolescente que ocupa as escolas estaduais é o mesmo que sai no pré-Carnaval cantando em coro a velha e utópica Internacional, na mesma praça da República em que as meninas do bloco afro Ilê Obá de Mim batem tambores e executam as danças complexas dos orixás.
É tudo parte do mesmo movimento e da mesma festa – e tudo acontece no terreno simbólico, que tem enorme importância.
Uma sociedade que se percebe capaz de realizar as transformações que julga necessárias está viva. Uma sociedade-vítima, fatalista e apática, que se imagina impotente, é apenas pasto queixoso para os predadores sociais.
Vale o mesmo para os protagonismos sociais.
As mudanças são trabalho de gente comum – cidadãos que se organizam e realizam - ou são doadas por salvadores da pátria? A transformação da nossa cidade e do nosso país resulta da iniciativa coletiva ou da ação de heróis de ocasião, que nos transformam em expectadores passivos do nosso destino?
Esses símbolos são importantes.
Por isso, talvez ingenuamente, me parece que a nova alegria do Carnaval de São Paulo encerra uma lição de otimismo.
A mesma energia coletiva que inventou essa folia onde não havia nada pode ser usada para inventar outras formas de felicidade, menos efêmeras - uma educação melhor, uma saúde melhor, um transporte melhor, uma polícia melhor, um país melhor.
Ao contrário do que sempre nos disseram – e continuam a nos dizer, todos os dias – o Brasil pode mudar. Não por obra de salvadores de pátria, mas como resultado de uma ação coletiva fundada no nosso desejo, na nossa organização e na existência de um Estado que encaminhe as mudanças, e não as impeça.
Hoje, na manhã ensolarada de quarta-feira de cinzas de 2016, na cidade de São Paulo, antigo túmulo do samba, todos os sonhos me parecem possíveis.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2016/02/invencao-da-felicidade.html 

Alvo de piada por erro de inglês, brasileiro é contratado por café na Irlanda

Rafael Barifouse
Da BBC Brasil, em São Paulo 24/02/201620h24 Atualizada 25/02/201613h03



Era para ser uma brincadeira, mas um post feito no Facebook pelo proprietário de um café em Dublin, na Irlanda, acabou transformando-se em uma enorme dor de cabeça. No último dia 15, Paul Stenson publicou na página do seu estabelecimento, o White Moose Café, um comentário sobre uma entrevista de emprego que havia feito com um brasileiro.
"Pobre rapaz, sempre que queria dizer 'cozinha' (kitchen, em inglês), ele dizia 'frango' (chicken). 'Eu quero muito ser assistente de frango'. 'Eu gosto de frango'. 'Seu frango é grande?' Nunca foi tão difícil me manter sério em toda minha vida", disse Stenson no texto (abaixo), que recebeu 1,3 mil curtidas e foi compartilhado 67 vezes. 
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Podem não ser números expressivos em comparação com conteúdos que viralizam na internet, mas foi o suficiente para desencadear uma retaliação que aos poucos tomou uma grande proporção, ainda que, no fim das contas, ele tenha contratado o candidato.
O White Moose recebeu em questão de poucos dias milhares de avaliações negativas no Facebook. Acusado de xenofobia, seu dono também foi alvo de mensagens agressivas.
"Gostamos de fazer graça com as pessoas. Não é para ser uma página séria. Mas alguns brasileiros levaram para o lado errado e criaram uma campanha para nos atacar", diz Stenson à BBC Brasil.
"Quando comecei a receber mensagens com ameaças, percebi que a coisa havia ultrapassado um limite. Não é mais divertido se isso acontece."

Provocação 
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Café recebeu dezenas de milhares de avaliações negativas em diferentes sites

Os primeiros sinais da retaliação vieram cinco dias após o primeiro post ir ao ar. Em uma hora, o café recebeu 24 avaliações com uma estrela, a nota mínima na rede social, deixadas por brasileiros.
 
"Nenhum desses infelizes já esteve no café. Se vocês acham que essas avaliações negativas terão algum impacto na nossa nota, vocês terão de fazer melhor. Nós temos 14 mil avaliações cinco estrelas. Boa sorte em tentar superar isso", disse Stenson ao comentar o assunto.
 
"É uma pena que vocês apenas deem a nota de uma estrela e não escrevam nada. Não podemos rir do seu inglês se vocês não escrevem nada."
As provocações continuaram nos dois dias seguintes. Primeiro, o empresário publicou um e-mail enviado por uma brasileira em que ela se queixava do post e dizia ter alertado uma rádio sobre o assunto.
 
Stenson respondeu ironicamente: "Por favor, não faça isso. Não queremos ser assunto de uma rádio em cadeia nacional nem queremos a publicidade ou dinheiro que isso nós geraria".
As avaliações negativas continuaram a se multiplicar, e ele voltou a escrever na página do White Moose. "As notas de uma estrela continuam a chegar rapidamente e em grande volume. Mas a maioria delas não têm texto. Se algum brasileiro for capaz de escrever uma avaliação usando um inglês perfeito, ganhará um jantar com frango."
 
Depois, prometeu premiar com uma "depilação ao estilo brasileiro" a quem desse uma nota cinco estrelas ao café, a fim de contrabalancear as avaliações negativas de brasileiros. Também trocou a imagem que ilustra a página do estabelecimento na rede social por uma foto do lutador brasileiro José Aldo sendo nocauteado pelo irlandês Conor McGregor.
"Somos uma página de sátira e estávamos nos divertindo com provocações amigáveis", afirma Stenson.

Zueira 
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Stenson continuou a provocar brasileiros após saber da campanha

Não foi desta forma que os administradores do site de humor Capinaremos encararam a questão. Depois de serem alertados sobre o assunto, o portal convocou seus mais de 250 mil seguidores no Facebook a avaliarem negativamente o café.
 
"Não foi por causa da piada inicial. Somos um site de humor, e sabemos que provocações assim são normais na internet", diz Sandro Sanfelice, um dos administradores do Capinaremos.
 
"O problema foi com o comportamento dele após isso. Ele fez comentários elevando o grau de zoeira e nós só contra-atacamos. Pensei muito antes de convocar nossos seguidores, porque a ideia dele é conseguir publicidade de graça, mas decidimos entrar na brincadeira."
 
Não demorou para que o estabelecimento contabilizasse mais de mil notas de uma estrela.
 
"Se vocês denunciam minha página, ela fica temporariamente fora do ar. Como vocês vão avaliar negativamente uma página que não pode ser acessada? Usem suas cabeças. Vocês me desapontaram. Por favor, melhorem sua performance ou não conseguirão nada mais que envergonhar seu país", disse Stenson.
 
Mesmo quando as avaliações negativas já eram mais de 5,7 mil, ele não se intimidou: "Em um país grande como o seu? Isso é patético. Se não tiverem 10 mil na próxima hora, perderei todo o respeito por vocês."
 
Stenson ainda anunciou um especial do dia, sanduíche de frango, com um desconto para brasileiros, ofereceu café de graça para argentinos e mudou foto do avatar da página para uma montagem com a imagem do jogador Pelé em que se lê: "Eu amo o branco Moose café".
 
Logo, o estabelecimento já acumulava 14 mil avaliações negativas no Facebook. Foi quando Stenson decidiu bloquear a página para acessos a partir do Brasil, levando os brasileiros a darem notas baixas para o café em outro sites de avaliação de locais e serviços, como o Trip Advisor e o Google.
 
No Trip Advisor, as centenas de avaliações negativas já foram retiradas. Em nota à BBC Brasil, o site informa que "por não serem avaliações feitas com base em uma experiência própria do autor, mas por reação a um relato ou notícia, elas violaram nossas regras e foram removidas".
 
"Sempre que os comentários estiverem de acordo com nossas regras, sejam positivos ou negativos, serão mantidos no ar", diz o Trip Advisor.

'Desagradável' 
Reprodução
Empresário sentiu-se ameaçado por mensagens que recebeu

O episódio perdeu a graça para Stenson quando ele passou a receber mensagens agressivas no Facebook.
 
"Diziam 'espero que você morra', 'vamos pegar você', 'sabemos onde você vive'. Uma pessoa me enviou uma cópia da minha carteira de motorista (na qual consta o endereço de sua casa), que teria sido publicada pelo Capinaremos, e falou 'olha só o que temos'. Outra me mandou uma foto de uma casa em chamas", diz o empresário.
 
"Não é divertido é receber comentários abusivos ou ameaças. Era só brincadeira, por diversão. Nunca disse nada desagradável."
Nathália Caltabiano, de 27 anos, discorda do empresário. Ela mora atualmente em Dublin e sentiu-se ofendida não só quando ele caçoou do nível de domínio do inglês dos brasileiros como quando respondeu a um comentário deixado por um seguidor da página do White Moose.
 
Esse usuário dizia para Stevenson não brigar com os brasileiros, porque eles "são bons de conseguir passaportes falsos e fraudar benefícios sociais", ao que ele respondeu: "E não esqueça do sexo. Eles são bons para sexo também".
 
"Quem se ofenderia ao ouvir que é bom de cama? As melhores noites que tive foram com brasileiras. Eles deveriam ver isso como um elogio", diz Stenson. "Não sou xenófobo. Tenho quatro funcionários e amigos brasileiros. Se eles dizem que sou xenófobo, eu digo que eles são 'humorfóbicos'."
 
"Falar isso é como alguém dizer que não é homofóbico porque tem amigos gays", diz Caltabiano.
 
"Ele falou que nós somos bons para sexo, não bons de sexo. A preposição muda tudo. Ele acha que nosso inglês não é bom, mas sabemos diferenciar uma coisa da outra. Já temos essa fama, e ele só reforçou o estereótipo. Não se pode fazer piadas assim, ainda mais em nome de uma empresa."
 
Ela concorda, no entanto, que houve exageros: "Eles nos desafiou e respondemos. Mas não devia ter ido além disso. Algumas pessoas passaram do limite, mas foi uma resposta a comentários bem pesados que vieram dos seguidores da página dele. Um deles chegou a dizer que brasileiros não tem cérebro por causa do zika vírus e postou uma foto de uma criança com microcefalia, por exemplo".

Polêmica

Sanfelice, do Capinaremos, diz que a imagem da carteira de motorista de Stenson não foi publicada por sua equipe, mas em um comentário em dos posts feitos na página do site de humor no Facebook.
 
"Tiraram essa imagem do perfil pessoal dele, onde ela havia sido compartilhada de forma pública. Vamos tirá-la do ar para causar problema ao Paul", afirma Sanfelice.
 
"Nunca incentivamos nem autorizamos ataques pessoais. Foi a forma que encontramos de retaliar a zoeira feita por ele. Mas, por mim, o assunto já morreu. Foi só uma treta que encontramos e abraçamos nos últimos dias. Que ele seja feliz com as provocações dele."
 
Não se trata da primeira vez que o White Moose é alvo de uma campanha assim. Stenson provocou a ira de veganos, que excluem alimentos feitos a partir de animais de sua dieta, ao publicar um comentário no Facebook em agosto de 2015 em que dizia:
 
"Atenção, veganos: por favor, não venham a nosso café sem antes avisar e não nos olhem espantados por não haver 50 mil itens no menu compatíveis com os requisitos idiossincráticos de sua dieta. Nosso chef ficará feliz em preparar uma série de pratos para vocês, mas um aviso antes de sua visita será apreciado."
 
Assim como desta vez, choveram reclamações e avaliações negativas na página. Stenson reagiu: "Todos os veganos agora serão barrados em nosso café. Qualquer vegano que tentar entrar será alvejado à queima-roupa. Normalmente, não matamos nossos clientes, mas como vocês dizem que 'carne é assassinato', então, é justo que matemos animais e também humanos".
 
Mesmo diante dessas duas polêmicas, ele insiste que não mudará seu comportamento: "Nossa página é para ser divertida. Não vou parar de fazer brincadeiras. A vida é muito curta para ser chato".

http://tecnologia.uol.com.br/noticias/bbc/2016/02/24/seu-frango-e-grande-brasileiros-travam-guerra-virtual-contra-cafe-em-dublin-apos-piada-com-erro-de-ingles.htm 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

#2: Gringo

De Airton ortiz


#1: Jovem o suficiente

De Felipe Gaucho

"Peguei-me pensando na morte. Nao no fim da vida propriamente dita, mas no final dela. No periodo que precede a passagem desta pra uma melhor. Na possibilidade aterrorizante de se olhar pra tras, ver que nao se fez muito do que se queria fazer, e ai olhar pra frente e ver que nao vai dar pra recuperar a chance perdida. A palavra 'chance' flutuou na minha mente e foi se expandindo, como um daqueles bonequinhos esponjosos que incham na agua ate ficar do tamanho de uma mao espalmada. A vida é uma chance"


#20: O leitor do trem das 6h27

De Jean-paul Didierlaurent