ISABEL CLEMENTE
27/10/2013 10h26
Isso não aconteceu comigo. Minhas filhas são pequenas demais para fazer parte de rede social. Mas sei que esse fenômeno de ser bloqueado pelos filhos tem atingido as melhores famílias. Conheço várias vítimas. Uma delas, Larissa, compartilhou seu espanto no próprio Facebook. "Que golpe!", reclamou minha amiga, conseguindo de volta reações que foram da gargalhada histérica (KKKKKKK) ao riso contido (rsrs). Apareceram também ótimas teses e inspiradas consolações. Compartilho algumas.
"É assim mesmo".
"Menina crescendo".
"Depois de uma certa idade ela te aceita de volta".
"Eu já fui aceita de volta".
"Pede pro Obama vigiar".
"Corta a mesada".
Houve também os pais solidários com a preocupação silenciosa por trás da denúncia da mãe injustiçada.
"Deixa que eu tomo conta! Sempre olho o Face dos filhos dos amigos".
Essa atitude dos filhos, muito comum ali entre a adolescência e a juventude, tem várias explicações, mas a tese de que os jovens querem se precaver contra "micos" imperou no debate.
"Fiz um acordo com o meu filho. Estou entre os amigos mas proibida de fazer qualquer comentário, postar fotos ou qualquer coisa que possa ser considerada mico. Coisas da vida", disse uma das debatedoras no post da Larissa.
Outra deixou uma dica interessante: "evite postar coisas sobre ela usando o termo "filhotinha" porque é mico".
Pais são pagadores de mico em potencial sob a impiedosa ótica adolescente. Fato. Para além das gracinhas, a exposição de nossos filhos nas redes sociais é um tema preocupante. Ser amiga ou seguidora deles é uma forma de vigiar para saber se estão fazendo bom uso da rede. Larissa me deu um depoimento bem honesto sobre o sentimento que essa situação gerou.
"Quando vi que minha filha recém-entrada na adolescência não era mais minha amiga no Facebook, fiquei desconcertada. Como assim não me quer? O que ela não quer que eu saiba? Comentei a história na minha timeline e ouvi os conselhos mais variados. Uns diziam pra eu deixar pra lá, que era normal, outros que eu não podia aceitar a situação, houve quem levantasse a hipótese dela estar namorando. Fiquei lendo e pensando, pensando e lendo, e resolvi mandar novo pedido de amizade. Meu primeiro impulso tinha sido impor meu retorno na marra, mas depois de deixar a poeira baixar resolvi pegar leve na abordagem. Quando ela chegou em casa, reclamei sem muito estardalhaço para ver o que ela ia dizer: “poxa, filha, por que você me excluiu?”. Então ela disse que foi sem querer, que estava mexendo numas configurações (provavelmente para evitar que eu visse alguma coisa...), mas deve ter se sensibilizado com minha cara de mãe ferida e prometeu me adicionar de novo. Eu ia puxar papo sério e dizer que ela ainda é muito nova, que eu não podia deixá-la solta, que a internet é cheia de perigos etc. e tal, mas senti que ela já sabia de tudo o que eu ia dizer (tudo já dito outras tantas vezes) e talvez até concordasse. Então ficamos assim: ela pediu desculpas e eu aceitei. Ela disse que foi sem querer e eu quis acreditar. Agora que somos amigas novamente, confesso que ando evitando curtir e comentar o que ela posta, para ela se esquecer que tô por ali. Foi conselho de amigos do Face, um ótimo divã desses novos tempos".
Para quem nasceu nesse ambiente onde tudo acontece online, festas são combinadas e informações trocadas, pode parecer deslocado nosso excesso de zelo. Só que não.
Diálogos numa rede social são coletivos e o julgamento, imediato. Há mal entendidos. Situações de menor importância são amplificadas. Você pode ter um ótimo português e dominar a pontuação como ninguém e não estará livre de ser mal interpretado em episódios que podem ser devastadores para uma pessoa em formação. Mesmo gente com personalidade estabelecida perde a linha e a chance de ficar calada em 140 caracteres. Impropérios e outras reações descontroladas povoam para sempre o Twitter de celebridades, autoridades e anônimos. Nem todo mundo se dá conta de apagar a tempo a besteira que postou. Você tampouco controla o que as pessoas dizem sobre você em frases que ficam por aí para todo o sempre. Fotos são marcadas e até o que não era sua intenção revelar, às vezes, vaza.
No caso de crianças, sou radical. Rede social não é lugar para elas, mas todos sabemos que essa regra não pegou. Alguém já viu o filho de outro alguém na rede e não teve coragem de denunciar, como prega a política interna do Facebook. Além do mais, a criança cresce rapidinho e tudo complica. E aí, como faz então se proibir é a menos plausível das estratégias?
Larissa tem razão sobre explicar, falar dos riscos e é mais sensata ainda ao reconhecer que ficar repetindo a ladainha toda hora pode ser tiro n`água.
"Costumo defender muito o ponto de vista dos adolescentes, mas o brasileiro é muito deslumbrado com internet. Fala demais na rede. Mas não tem essa de bloquear pai e mãe", diz o escritor João Pedro Roriz, 31 anos, autor de Como educar sua mãe (Editora Wak). "Só que os pais têm que entender que o filho está na rede com seu grupo de amigos. Ficar curtindo tudo e elogiando o tempo todo é algo que não funciona na vida real, nem na vida online. O filho fica danado da vida", afirma Roriz. Senha e loguin não podem ser propriedade privada e exclusiva dos adolescentes e das crianças, defende Roriz.
No caminho rumo ao amadurecimento, nosso filhos não precisarão mais de todos os escudos que colocamos em torno deles. São etapas a serem conquistadas. Entendo que essa privacidade da senha numa rede social faça parte desse processo. A minha tese é a seguinte: rede social é vida pública. E há um momento da vida pública dos nossos filhos que nos dizem respeito quase 100%. E não se rompe socialmente com pai e mãe, a não ser que haja um motivo forte para isso. Não é uma atitude inofensiva como combinar um cinema com os amigos e pedir para os pais pegarem duas quadras longe da vista da galera, embora para os filhos possa parecer o mesmo.
Além do mais, o que está ali não é sigiloso. Seja qual for o motivo que leva os filhos a excluírem os pais, não custa lembrá-los que rede social não é lugar para segredos. Estes devem ser bem guardados e revelados numa velha e boa conversa olho-no-olho com poucos escolhidos. Fica a dica.
Não participar de redes sociais é uma decisão cada vez mais difícil de tomar. Diria até inviável. Dizer que basta mandar o filho sair e pronto é apelar para uma daquelas falsas soluções que encurtam o debate e não ajudam em nada, sobretudo os pais adeptos da rede social. As comunidades online são um pequeno filamento dessa teia maior chamada internet, uma invenção que o futuro nos deixou.
Quando você pensa em abandonar alguma rede à qual aderiu, se dá conta de que montou com a ajuda desse instrumento uma poderosa agenda de contatos. Está recebendo mensagens importantes via inbox porque o email, se não caiu em desuso ainda, foi condenado ao ostracismo por muita gente, ainda mais se estiver na casa dos 20 anos. Seu filho se sente da mesma forma, e não nos cabe julgar que mensagens são ou não importantes para ele. Viramos um pouco reféns dessa história, embora eu conheça várias pessoas que continuam fora da rede muito bem, obrigado. Mas também sei de incríveis experiências viabilizadas pelo contato online. Eu tenho uma dessas incríveis histórias. Recuperei parte importante da família que estava perdida e não se encontrava havia mais de 25 anos. Primos bem próximos se tornaram amigos para sempre. Guardarei lá no fundo da alma uma certa gratidão pelo que a tecnologia (e nossa iniciativa, claro) nos proporcionou.
Então se somos adeptos, vale o exemplo. O que dizemos, postamos e revelamos na rede vai ser um dos parâmetros para o discernimento dos nossos filhos, por mais empenhados que eles pareçam em não nos copiar. Como tudo na vida. Estamos todos navegando sem bússola nesse novo mar. Não há etiquetas claras. Regras são elásticas e caem em descrédito com a mesma rapidez com que os filhos crescem. Lemos aqui e ali opiniões que tentam aprofundar a questão da segurança e da exposição, mas sempre fica uma lacuna. É cada família por si, não é? Negocie regras para serem seguidas por todos na família. Faça um grande acordo. Não postaremos fotos? Não marcaremos outras pessoas em fotos? Não revelaremos onde passamos nossas férias? Não desmereceremos uns aos outros? Não mandaremos indiretas pela rede? Proponha um debate: para que usamos uma rede social? Os motivos podem até ser diferentes, mas o padrão de comportamento pode ser o mesmo. Vai da consciência, da necessidade, da experiência e do receio de cada um.
Era Dia das Crianças e houve festa no prédio com brincadeiras e churrasco. Estava previsto também lanche para as crianças. Me aproximei da minha filha mais velha querendo saber onde seria o lanche, para onde elas iriam e o que comeriam (mãe sempre quer saber demais). Com um sorriso acolhedor e um olhar que implorava compreensão, a garotinha de 7 anos me respondeu o seguinte:
Era Dia das Crianças e houve festa no prédio com brincadeiras e churrasco. Estava previsto também lanche para as crianças. Me aproximei da minha filha mais velha querendo saber onde seria o lanche, para onde elas iriam e o que comeriam (mãe sempre quer saber demais). Com um sorriso acolhedor e um olhar que implorava compreensão, a garotinha de 7 anos me respondeu o seguinte:
"Vai ser no salão de festas mas...não precisa ir lá não. Pode deixar que eu levo a minha irmã".
Eu disse que nunca tinha sido bloqueada? Oi?
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