sexta-feira, 28 de outubro de 2016

domingo, 16 de outubro de 2016

Por que meus amigos mudaram tanto?

De Ruth Manus

Houve um tempo em que tudo parecia muito estável e muito seguro. Tudo e todos. Eles eram todo dia os mesmos e nós achávamos graça nas mesmas piadas, assistíamos os mesmos programas na TV, gostávamos das mesmas bandas. Nossos tímidos planos de viagens eram conjuntos, nossos planos para o fim de semana harmonizavam perfeitamente. Esse tempo passou.

Hoje em dia é um pouco estranho. O tipos de humor mudaram. Cada um assiste uma série diferente- somente game of thrones ainda é capaz de unir parte de nós. Alguns ouvem Liniker enquanto outros elevam o volume ao máximo berrando sobre o cake by the ocean. Uns fumam, outros não comem carne, outros só sabem se divertir com muito destilado, outros insistem em propor restaurantes que cobram R$150 por cabeça. A gente acaba ficando confuso.

Poderia dizer que hoje tenho um rol muito mais rico e diverso de amigos. Opiniões diferentes, programas de vários estilos, trilha sonora variada. Mas eu não vou mentir: sinto falta de como tudo era antes. Sinto falta de quando a gente marcava um hamburger e pronto, chegava, ria, dividia a conta e estava tudo bem. Hoje tem que ter antecedência, tem debate sobre o lugar escolhido, tem uma leve sensação de que nossos velhos conhecidos, por vezes, se tornam novos desconhecidos- com hábitos, propostas e roteiros inéditos.

Talvez o sinal mais evidente seja o fato das nossas amizades terem passado a viver de lembranças. Nos encontramos e começamos a falar sobre aquele dia engraçadíssimo de 2001, sobre aquele namorado esquisito que a Ju tinha aos 15 anos, sobre o porre na viagem de formatura. Nos apegamos às nossas melhores memórias e parece que são só elas que ainda nos unem. Sentados numa mesa de restaurante, ruminamos o nosso delicioso passado e então eu me pergunto: o que estamos construindo para nos lembrarmos daqui outros 15 anos? Ou as memórias de escola e faculdade deverão perdurar até lá?

Dói bastante perceber os desencontros. Uma liga muito para a marca da roupa, outra só para a legenda partidária. Um milita contra a homofobia, outro ainda faz piada com homem que usa camisa cor de rosa. Uma namora um advogado e outra um artista plástico. É fácil entender porque encontramos refúgio tão seguro nas memórias. As diferenças do presente nos assustam e é mais fácil nos divertirmos com as semelhanças do passado.

Mas a parte mais difícil é assumir que a gente também mudou- e não foi pouco. É fácil culpar os outros, dizer que um era mais divertido antigamente, outro era mais maleável, o terceiro não namorava esse babaca de hoje, a quarta não era workaholic, o quinto não ficava citando filósofos no bar. Mas e a gente? A gente também não mudou? Também não frustra em certa medida as expectativas e as lembranças alheias? É claro que sim, o tempo não perdoa ninguém.

A única coisa que segue segura é o afeto. Só nos encontramos- quando as agendas permitem- por causa do afeto que perdura. É ele quem resiste às nossas divergências políticas, aos nossos cônjuges que não têm nada a ver um com o outro, aos nossos empregos que não dialogam, aos nossos interesses tão díspares. É o afeto que toma porrada, que vê aquela gente tão mudada, mas que permanece de pé e resiste, agarrando-as. É por ele que a gente insiste. É por ele que a gente não larga o osso.

E o afeto mora no melhor lugar possível: no outro. Aquela pessoa que mudou o corte de cabelo, o tipo de roupa e o discurso ainda é aquela na qual nosso afeto se instalou há tantos anos e se nega a ir embora. E talvez a gente precise entender que não é necessário usar o passado como escudo. Se o afeto ainda mora ali, nós ainda somos os mesmos. Todo o resto- bolsa, tom de voz, bebida e trabalho- é carcaça. A essência não mudou.

De fato é mais fácil culpar o outro, culpar a vida, maldizer o presente e vangloriar o passado do que trabalhar as diferenças com afeto. É chato chegar no bar e escolher carinhosamente, um assunto que agrade o outro. É mais fácil chegar e falar sobre o que nos interessa e reclamar que as conversas não fluem. Mas não tem jeito: todo amor dá trabalho. E, sabe? São eles. São os amigos da vida toda, ainda são eles. Eles valem a pena. Eles continuam sendo a base, mesmo que tenham mudado de cor. Não desistam de mim, queridos. Eu vou sempre insistir em nós.

http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/por-que-meus-amigos-mudaram-tanto/ 

Amizades acabam por causa de política?

De Ruth Manus

Eu sou uma daquelas pessoas cujas mãos começam a coçar, cuja língua tenta fugir de dentro da boca, cujo peito não lida nada bem com o silêncio em época de eleições. Aliás, não apenas em época de eleições, mas sempre que algum tema relevante- acerca do qual eu tenha opinião formada- vem à tona.

Sou daquelas chatas que vai estudar, vai ler 20 reportagens de veículos de comunicação diferentes e depois conversa com 8 amigos, 5 parentes e 3 desconhecidos de opiniões diversas sobre esses assuntos polêmicos, tentando embasar o que pensa.

Pertenço a uma espécie que sofre: a que julga que silenciar é compactuar com o que está acontecendo, independente de sua posição política. Por isso nós nos manifestamos, discutimos, nos chateamos, chateamos os outros e nos desiludimos com o mundo. Não tenho dúvidas de que a minha vida seria mais fácil se eu me interessasse apenas sobre cores de batom e campeonato brasileiro.

Mas, enfim, cada um sente o que sente, cada um luta pelas suas razões.

Mas em meio a tantas razões e tanto sentimento, começam os embates. Opiniões divergentes, respostas ácidas, questionamentos, provocações. Pessoas queridas nos frustram, pessoas às quais somos indiferentes mostram-se necessárias. Arame farpado, rosas cheias de espinhos. E surge a polêmica pergunta: vai deixar que a amizade de vocês acabe por política?

Não. As amizades não acabam por política. Amizade de verdade, com gente boa, não acaba por pensarmos igual, muito menos por pensarmos diferente. Isso nunca. Não se rompe amizade por causa do número da legenda partidária, nem por visões distintas da economia, nem por prioridades políticas diferentes. O que pode acontecer é descobrirmos que certas pessoas simplesmente não são quem nós pensávamos que eram.

No momento em que nós descobrimos que pessoas que nos cercam utilizam argumentos racistas, a amizade realmente precisa acabar. Quando fica claro que alguns amigos se orgulham do próprio machismo, é preciso deixá-los para trás. Quando aquele velho conhecido do prédio revela seu discurso homofóbico de ódio, vá embora. Quando a amiga da sua mãe disser que pobre não devia ter direito a voto, corte relações.

Piadas com violência sexual. Ode à ditadura. Incitação à violência. Tratar animais melhor do que trata os empregados. Novas versões do fascismo. Xenofobia. Nós não podemos relativizar essas coisas. A gente precisa se posicionar, por mais dolorido que seja.

As amizades não acabam por causa de política, acabam porque a gente descobre que tem gente que era querida, mas que se revela nojenta. E quando elas se mostram assim, o afeto pega suas malas vai embora. Porque o afeto não se engana. Ele sabe que permanecer ao lado delas, conhecendo-as assim, seria uma nítida forma de compactuar com o ódio, a pequeneza e a miserabilidade dentro da qual residem as piores formas de segregação e violência.

As amizades não acabam por causa de política. Acabam porque a discussão política muitas vezes revela a verdadeira cara de muita gente. E essas caras não são, nem nunca serão caras amigas.

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