domingo, 29 de maio de 2016

O que a audiência a Alexandre Frota tem a ver com o estupro coletivo no Rio

Mário Magalhães

A princípio, nada, responderia um idiota da objetividade.
Não é bem assim.
Uma adolescente de 16 anos contou que acordou nua domingo no Rio com dezenas de homens ao seu redor. “Mais de 30 [a] engravidou [sic]'', contabilizou um deles na internet, onde foi veiculado vídeo em que o grupo de agressores se regozija com o estupro da garota.
Na quarta-feira, o ator Alexandre Frota foi recebido em audiência pelo ministro da Educação, Mendonça Filho. Um dos líderes do movimento pró-impeachment acompanhava o protagonista de filmes pornô. Frota escreveu: “Estive com o ministro da Educação hoje e pude colocar algumas ideias para ajudar um país que eu amo''. Das ditas ideias constam sugestões fascistoides, inspiradoras da lei que, na terra de Zumbi dos Palmares, permite demitir professor que criticar a escravidão.
Há erros de foco nas críticas ao encontro no Ministério. Elas se salpicam de moralismo ou falso moralismo, devido à atividade profissional do ator. A despeito de o cidadão Frota ser porta-estandarte de valores e atitudes abomináveis, o escândalo mais grave não é dele, e sim de um dos principais mandachuvas do governo Michel Temer.
Mendonça Filho aceitou recepcionar um sujeito que se gabou na televisão por ter feito sexo sem consentimento com uma mãe de santo. Desprezando o eufemismo, estuprando-a. Narrou a “façanha'' diante de gargalhadas do apresentador Rafinha Bastos, aplausos da plateia e urros de admiração nas redes. Ao ser violentada, a mulher desmaiou. Mais tarde, Frota alegou que o relato não passara de ficção, um número de show. Mas, na TV, esclarecera a natureza do “espetáculo'': “Eu contando várias histórias que aconteceram na minha vida''.
Ao reagir a uma servidora pública que o censurou, o ator deu queixa à polícia epublicou na internet, em tom de ameaça: “Você não precisa se desgastar, ativista de merda. Só eu vou falar. Não tenho medo de ativista, de Ministério Público. Não me intimido com você, nem com sua amiguinha nojenta. Se precisar serei, sim, fundamentalista, homofóbico, a porra que for, mas essa onda você não vai surfar. (…) Estou aqui esperando o camburão. Não veio me buscar até agora. Ativista aproveitadora. Enquanto sua página em 43 dias conseguiu 6 mil curtidas, a minha, em 48 horas, teve 11.600 de apoio. Veja bem, o dobro. Eu nunca vou te esquecer. Essa página foi criada para que você sempre se lembre de mim”.
Foi tal ser medieval, protagonista desse episódio conhecidíssimo, de vasta repercussão, que o ministro atendeu de braços abertos. São chapas, companheiros da campanha pelo impeachment da presidente constitucional Dilma Rousseff. Prestigiando Frota, Mendonça Filho endossa a cultura de permissividade. Permissividade com a barbárie, com a cultura do estupro. A cultura em que a mulher é sempre considerada culpada. Como já se observa em manifestações cretinas responsabilizando a jovem pelo crime de que foi vítima.
Prócer do DEM, Mendonça Filho é o tal “Mendoncinha'' citado por Renan Calheiros em conversa gravada por Sérgio Machado. O ex-presidente da Transpetro sentenciou: “Um cara mais corrupto que aquele não existe, Pauderney Avelino''. Renan emendou: “Pauderney Avelino, Mendoncinha''.
O tapete vermelho oferecido a Alexandre Frota é um recado ao Brasil: faça o que fizer, diga o que disser, este governo estará ao seu lado. O ministro dá exemplo. Valoriza quem se vangloria e ri por ter feito o que fez ou falado que fez. Os algozes da adolescente também riram e se vangloriaram. No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos.
Em meio ao barulho provocado por tamanhas insensatez e covardia, a Secretaria dos Direitos Humanos mantém o silêncio sobre a audiência a Alexandre Frota. Ao aceitar o cargo de secretária, Flávia Piovesan chancelou o rebaixamento do status do Ministério, que virou secretaria. Pelo visto, não foi o único rebaixamento. Noutros tempos, Piovesan teria repudiado a presença do ator no Ministério da Educação.
Também noutros tempos, nem tanto tempo assim, a confraternização entre o ministro da Educação _da Educação!_ e Alexandre Frota teria merecido primeiras páginas e ao menos menção nos noticiários televisivos noturnos.

Noutros tempos.

http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2016/05/27/o-que-a-audiencia-a-alexandre-frota-tem-a-ver-com-o-estupro-coletivo-no-rio/ 

Cultura do estupro no Brasil: Homem, de que lado você está?

Leonardo Sakamoto

Tão chocante quanto o estupro denunciado por uma jovem de 16 anos, que teria envolvido mais de 30 homens, no Rio de Janeiro, e tão chocante quanto os vídeos que mostram seus ferimentos e foram postados na internet, foi a reação de uma parcela da sociedade, que se divertiu nas redes sociais com eles e com a história. E a inação de uma outra parte, que culpou a própria vítima pelo ocorrido ou simplesmente caiu no autoengano de que essa história não nos diz respeito.
No mesmo dia em que o caso gerou indignação nas redes sociais, o novo ministro da Educação recebia o ator Alexandre Frota para discutir a educação (!!!) no Brasil. O mesmo Frota que, durante uma entrevista a um programa de TV, narrou um caso de violência sexual do qual foi protagonista contra uma mãe-de-santo, para deleite da plateia, que ria como se fosse uma piada. Acusado por organizações sociais de estupro e de apologia ao estupro, deu de ombros.
Enquanto isso, o deputado federal Jair Bolsonaro sobe nas intenções de voto, principalmente entre as classes mais ricas. Tempos atrás, durante um debate com a também deputada federal Maria do Rosário, soltou uma das maiores ignomínias de sua carreira: “Jamais iria estuprar você, porque você não merece''. Ao dizer que ela não merecia ser estuprada, deixando claro que há mulheres que merecem, sabia que seu discurso receberia o apoio de uma quantidade considerável de pessoas.
Os 30 homens no Rio, Alexandre Frota, Jair Bolsonaro foram criticados e acusados por um grande número de pessoas, mas também defendidos e glorificados por outros tantos. Vivemos em uma sociedade que garante que o estupro continue a ser um instrumento violento de poder, de dominação, de humilhação. Uma sociedade na qual uma das maiores agressões ao corpo e à mente de outro ser humano é banalizada, menosprezada e tratada como piada. Uma sociedade em que mulheres ainda são consideradas objetos descartáveis à disposição dos homens.
Tanto que o governo desse país escolhe um ministério formado apenas por homens e não é obrigado a voltar atrás.
Quando mulheres são sistematicamente estupradas, não apenas seus corpos e almas são violentados. A dignidade de todas as mulheres é coletivamente agredida e negada. Porque falhamos profundamente como sociedade em garantir um dos direitos mais fundamentais. E se isso acontece junto a discursos que louvam ou relativizam esses estupros, podemos começar a nos questionar que tipo de povo somos nós.
Violência sexual não é monopólio de determinada classe social e nível de escolaridade. Quem espanca e violenta pode ter apertado o sinal de parada do ônibus ou roçado o banco de couro de um BMW. O que une os diferentes no Brasil, afinal de contas, não é o futebol, a religião ou a comida. É a violência de gênero. A cultura de estupro é um “privilégio'' masculino, que vem sendo derrubado pelo feminismo ao longo do tempo, mas com dificuldade, porque encontra a resistência de homens pelo caminho.
Meninos e rapazes deveríamos nos conscientizar uns aos outros, desde cedo, para que não sejamos os monstrinhos formados em ambientes que fomentam o machismo, como família, igrejas, escolas e mídia.

Todos nós, homens, de esquerda, de direita, de centro, somos sim inimigos até que sejamos devidamente educados para o contrário. E, tendo em vista a formação que tivemos e a sociedade em que vivemos, que autoriza e chancela comportamentos inaceitáveis, é um longo caminho até que isso aconteça.

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/05/26/cultura-do-estupro-no-brasil-homem-de-que-lado-voce-esta/ 

quarta-feira, 25 de maio de 2016