Depois de "perder" 6% das exportações para Peru, Colômbia, Bolívia e Equador, em 2013, uma parcela expressiva das tarifas de comércio com esses países começou 2014 zerada ou reduzida. Com desenvolvimento tímido desde a assinatura em 2005, o cronograma dos Acordos de Alcance Parcial (ACE), que o Brasil assinou dentro do Mercosul com os países andinos, vai evoluir de forma consistente neste e no próximo ano. As novas tarifas podem ajudar o país a preservar o mercado em um momento em que a China avança sobre a América Latina e proliferam, no mundo, as negociações e assinaturas de acordos bilaterais e entre regiões.
Os acordos fazem parte da intenção do governo brasileiro de chegar ao livre comércio em quase todo continente latino-americano nos próximos cinco anos. Para muitos países da região, o Brasil "ofereceu" antes a redução das tarifas de importação.
Os dois primeiros ACEs, assinados pelo Mercosul, em 1996, com Chile e Bolívia, se tornaram plenos em 2014. Com os chilenos, o teto de produtos com tarifas reduzida ou zerada foi atingido ainda em 2004. Com os bolivianos, os 46 produtos que ainda aguardavam para entrar na lista conjunta entraram neste ano. Em 2015, mais de 80% do comércio com peruanos, colombianos e equatorianos estará contemplado pelos acordos. Em cinco anos, quase todo o comércio do país com América do Sul estará livre de alíquotas de importação.
O Peru é o país onde mais produtos foram incluídos na redução de alíquotas com o Brasil. Dos cerca de 6.000 produtos contidos no acordo assinado no fim de 2005, 4.930 tiveram tarifas reduzidas ou zeradas neste ano, número que representa 86% do que o Brasil exporta aos peruanos. Ano passado, apenas 10% da pauta entrava no acordo, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic).
Colômbia e Equador compõem hoje o ACE 59, que também contava com a Venezuela. Como o país presidido por Nicolás Maduro foi incorporado ao Mercosul, existe agora um cronograma diferente de redução das alíquotas do comércio exterior com o Brasil. O acordo foi fechado com a Comunidade Andina, em janeiro de 2005, e neste ano incorporou um terço dos 6.000 produtos na lista brasileira com os colombianos e metade das 6,5 mil linhas tarifárias com os equatorianos.
O salto maior no comércio com os dois países, entretanto, ocorrerá ano que vem, quando 80% da pauta com os colombianos estará com alíquotas reduzidas ou zeradas. Neste ano, o acordo atingiu 52% da corrente de comércio. Com o Equador, o quadro é similar: A atual desoneração, de 37% da pauta, subirá para 82% em 2015.
"Em 2019, todo o continente vai ter praticamente livre comércio com o Brasil, com raras exceções na América Latina, como o México", afirma o diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Mdic, Marcio Naves. O diretor explica que os acordos previam primeiro uma maior abertura brasileira, que hoje possui maior porcentagem de produtos colombianos, equatorianos e peruanos com tarifas reduzidas para a entrada no país do que o contrário. "É de interesse do governo expandir trabalhos desse tipo com a região." A redução neste e no próximo ano acontece em um cenário de queda das exportações brasileiras aos vizinhos.
O mercado sul-americano é importante para as manufaturas brasileiras. Entretanto, com as exceções contidas nos acordos - o setor de açúcar, forte no Brasil, não está em nenhum ACE, por exemplo -, o ganho maior, na visão de analistas, está na possibilidade de inclusão de novos produtos e negócios na região pelos empresários. Produtos que até então não eram atrativos podem ganhar uma chance de competição no exterior, se tiverem tarifas menores.
Fernando Ribeiro, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), acredita que a desvalorização cambial do ano passado, somada a alíquotas menores, pode ajudar o Brasil também na disputa dos mercados sul-americanos ante os concorrentes. "O país vem registrando, nos últimos anos, uma erosão da preferência nesses mercados pelos acordos de livre comércio assinados com asiáticos, chineses e norte-americanos", afirma.
A venda aos mercados latinos é uma das principais fontes de renda no comércio exterior para a indústria nacional. Ribeiro afirma que neste ano o Brasil deve registrar aumento dos embarques de máquinas e equipamentos mecânicos e elétricos aos sul-americanos fora do Mercosul. A indústria automotiva, principal setor industrial exportador para a região, no entanto, não deve sofrer grande influência dessa mudança em relação a 2013.
"São mercados importantes e que precisam ser cada vez mais estimulados e divulgados. A indústria automotiva, no entanto, possui políticas mais específicas para comércio exterior em função da complementaridade da cadeia produtiva. A produção brasileira é mais voltada ao Mercosul e ao México, onde possuímos acordo para o setor", diz.
Apesar de considerar importante a redução das alíquotas com os vizinhos, Lia Valls, professora e pesquisadora do Ibre-FGV, adota tom menos otimista. A perda de competitividade da indústria brasileira nos últimos anos é uma barreira mais forte ao aumento das exportações a esses mercados do que tarifas elevadas. "No geral, a redução tarifária melhora o acesso ao mercado, mas o efeito fica muito ligado aos tipos de produtos que estão nessa redução", afirma.
A desvalorização cambial ocorrida ao longo do ano passado, apesar de ajudar nas exportações, também não causou o efeito esperado segundo a pesquisadora. "As manufaturas não responderam muito. O aumento ocorreu mais devido às vendas de automóveis, puxada pelo acordo com a Argentina", diz Lia.
A falta de conhecimento do empresariado brasileiro sobre o ACE também deve ser levada em conta, de acordo com a advogada especialista em comércio internacional Cynthia Kramer, do escritório L.O. Baptista-SVMFA. Ela espera maior procura por clientes em busca de informações ao longo deste ano, assim como de empresas querendo se proteger da alíquota menor para a entrada dos produtos dos vizinhos. "Uma das reclamações dos clientes do escritório é que não há uma política externa de comércio exterior muito clara do governo brasileiro. Mas, apesar de lento, o cronograma dos acordos está andando aos poucos."
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