sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O BC está seguro, o mercado não


Precipitação ou sagacidade. A reação dos mercados ao corte de 0,5 ponto percentual na taxa Selic foi majoritariamente ruim. Alguns poucos, porém, viram na decisão do Comitê de Política Monetária uma atitude inteligente, quase visionária.
O Banco Central olhou para os próximos 12 a 18 meses e viu a economia doméstica bem mais fraca e a mundial crescendo cerca de metade do que se imaginava há poucos meses. A performance do segundo trimestre deste ano, que será divulgada hoje pelo IBGE, deve dar uma dimensão da queda no ritmo da atividade interna. O Relatório de Inflação deste mês fará a revisão da expansão do PIB para o ano. Era de 4% no relatório anterior e não deve ser superior a 3,5% agora.
A perda de viço da atividade econômica no país, sobretudo da produção industrial, decorre das medidas monetárias e fiscais. Ainda não reflete a situação externa que vai piorar, avalia o governo. Há, assim, uma sobreposição de fatores que empurram a produção para baixo e reduzem as pressões sobre os preços.
O desaquecimento será mais forte no mundo e no Brasil
As análises da maioria dos agentes de mercado e a pesquisa Focus ainda não retratam essa realidade. A economia brasileira não deve crescer mais que 3% em 2012, se chegar a tanto. De abril a agosto, no entanto, o Focus só registrou a redução de meio ponto percentual (0,5) no PIB brasileiro entre este e o próximo ano. Estão atrasados, comenta-se no governo.
Se o impacto da recessão mundial for equivalente a apenas 25% do que foi na crise global de 2008/09, isso significará, para o Brasil, perda de mais 0,5 ponto percentual de produto e uma queda da inflação entre 0,5 e 1 ponto percentual. Diferente daquele período, quando os países centrais tinham munição fiscal e monetária para reagir e a recessão foi profunda, mas rápida, desta vez eles não têm mais balas na agulha e as economias vão entrar num processo mais duradouro de taxas muito baixas de crescimento.
Enquanto isso, no front interno os indicadores mostram que a utilização da capacidade instalada na indústria, em agosto, foi de 83,6%, inferior aos 83,8% de dezembro de 2009. A confiança dos empresários cai há oito meses consecutivos. A indústria está praticamente paralisada, no Brasil e em todo o mundo, desde meados de 2010.
O setor de serviços, no país, continua crescendo e com forte aumento de preços. Assim como o mercado de trabalho está apertado e a inflação ainda é muito alta. Só que, justificam os técnicos, serviços respondem muito pouco ao aumento dos juros. É um setor quase inelástico. Nessa área o problema é estrutural e mais complicado. A expectativa é de que a desaceleração interna e os ventos ruins que vêm de fora acomodem esses preços.
O dinamismo no mercado de trabalho decorre dos inúmeros investimentos espalhados pelo país, argumentam fontes oficiais. Os analistas continuam a usar médias simples de dados passados, embora se constate um deslocamento do nível natural do desemprego no Brasil, disse um especialista.
Em uníssono, os mais graduados assessores do governo sustentam que não houve abandono da meta de inflação de 4,5% para 2012. Em maio, o IPCA estará na casa dos 5% e, no fim do ano, em 4,5%, preveem. "Dizem que Tombini foi pressionado pela presidente a reduzir os juros. Acho que foi o contrário: ele pressionou o governo a fazer um ajuste fiscal de bom tamanho. Agora, estamos entrelaçados", observou fonte qualificada do Palácio do Planalto, referindo-se ao presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Esse assessor disse que a presidente Dilma Rousseff não exigiu queda dos juros, não imaginava uma redução de 0,5 ponto percentual, mas ficou contente com a medida. "Só que, agora, temos uma relação simbiótica. Se a árvore morrer, a orquídea morre junto."
O caminho que está escolhido - reforço da política fiscal, com o cumprimento da meta integral de superávit primário de 3% do PIB, e afrouxamento dos juros - agora "não tem volta", comentou o ex-ministro Delfim Netto. "O centro está na batalha fiscal. O governo tem que mostrar que vai impor uma disciplina fiscal mais forte e administrar a expansão imoderada do crédito", acrescentou Luiz Gonzaga Belluzzo. Delfim e Belluzzo têm conversado com alguma frequência com a presidente (as duas últimas vezes em junho e agosto). Ambos também se surpreenderam com o Copom. Esperavam um corte de 0,25 ponto percentual na Selic.
Um influente assessor da área econômica comentou que nem todos do mercado criticaram a queda da Selic. Citou, como exemplo, a declaração do economista-chefe do banco de investimentos Renaissance Capital, Charles Robertson: "Foi um movimento inteligente", disse a uma agência de notícias. Relatórios de alguns grandes bancos internacionais associaram o Brasil à Turquia, que também vem cortando os juros apesar da inflação, apesar de destacarem as diferenças.
Pode ter sido uma atitude preventiva do Copom diante do quadro internacional. Um jogo arrojado, arriscado e surpreendente, como interpretou parte do mercado. Mais natural seria ter esperado a reunião de outubro e decidir por unanimidade. É difícil imaginar, porém, que cinco dirigentes do BC tenham abdicado totalmente da missão do banco para ceder à pressão da presidente. O Copom confiou no compromisso do governo com uma sólida política fiscal, bem distinta da concebida no Orçamento de 2012.
Claudia Safatle é diretora de redação adjunta e escreve às sextas-feiras

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