quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Brasil vira o jogo


A decisão do Copom de reduzir (em 0,50 ponto) para 12% a taxa básica de juros surpreendeu. É um marco na política monetária.
Seus vetores:
1) Há uma janela de oportunidade para o Brasil.
O mundo rico pratica hoje taxas de juro negativas ou próximas de zero. Está endividado como nunca e tem pela frente anos de crescimento muito baixo.
Mesmo com uma inflação anual roçando em 6,5%, o Brasil ainda paga os maiores juros do mundo (5,5% ao ano, no mínimo, descontando a inflação). Portanto, não faltará capital estrangeiro ao Brasil. Produtivo, atrás de lucros e crescimento; ou especulativo, atrás de juros.
2) Antes do corte, o governo elevou de R$ 50 bilhões para R$ 60 bilhões a economia adicional prometida neste ano para pagar juros da dívida interna.
Dilma mudou da água para o vinho. Antes de virar presidente, considerou "rudimentar" plano da equipe de Lula de zerar o déficit público do Brasil em alguns anos. Agora, suas últimas declarações vão neste caminho;
3) Há uma constatação geral no mercado, diante de um mundo atolado em dívidas, de que serão premiados por investidores (e capital) países que forem responsáveis do ponto de vista fiscal (mantendo equilíbrio entre receita e gastos).
O Brasil, com uma das menores taxas de poupança do mundo, parece agora tentar se posicionar para receber esse dinheiro de fora para mudar de patamar.
Além do inferido acima, a ata da reunião do Copom diz também que os riscos de inflação são cada vez menores diante do desaquecimento no mundo rico. É uma aposta, mas factível. Os países desenvolvidos devem comprar menos, diminuindo pressões sobre preços.
Abaixo, a íntegra da ata. Uma redação menos rococó viria a calhar:
"O Copom decidiu reduzir a taxa Selic para 12,00% a.a., sem viés, por cinco votos a favor e dois votos pela manutenção da taxa Selic em 12,50% a.a. Reavaliando o cenário internacional, o Copom considera que houve substancial deterioração, consubstanciada, por exemplo, em reduções generalizadas e de grande magnitude nas projeções de crescimento para os principais blocos econômicos. O Comitê entende que aumentaram as chances de que restrições às quais hoje estão expostas diversas economias maduras se prolonguem por um período de tempo maior do que o antecipado. Nota ainda que, nessas economias, parece limitado o espaço para utilização de política monetária e prevalece um cenário de restrição fiscal. Dessa forma, o Comitê avalia que o cenário internacional manifesta viés desinflacionário no horizonte relevante.
"Para o Copom, a transmissão dos desenvolvimentos externos para a economia brasileira pode se materializar por intermédio de diversos canais, entre outros, redução da corrente de comércio, moderação do fluxo de investimentos, condições de crédito mais restritivas e piora no sentimento de consumidores e empresários. O Comitê entende que a complexidade que cerca o ambiente internacional contribuirá para intensificar e acelerar o processo em curso de moderação da atividade doméstica, que já se manifesta, por exemplo, no recuo das projeções para o crescimento da economia brasileira. Dessa forma, no horizonte relevante, o balanço de riscos para a inflação se torna mais favorável. A propósito, também aponta nessa direção a revisão do cenário para a política fiscal.
"Nesse contexto, o Copom entende que, ao tempestivamente mitigar os efeitos vindos de um ambiente global mais restritivo, um ajuste moderado no nível da taxa básica é consistente com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012.
"O Comitê irá monitorar atentamente a evolução do ambiente macroeconômico e os desdobramentos do cenário internacional para então definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária."
Fernando Canzian
Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha.com.

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