"O preto é um tom de marrom. Assim como o branco, se você prestar atenção", observou certa vez o escritor americano John Updike a respeito dos tons de pele bronzeada na praia de Copacabana. Infelizmente, porém, nem mesmo no miscigenado Brasil o preto é um tom de vermelho - e vermelho é o que os investidores viram nesta semana, depois que Eike Batista, ousado empresário do Rio de Janeiro, pediu concordata após um default de US$ 6 bilhões.
Depois do maior colapso corporativo da América Latina, alguns podem olhar a história exótica de Eike Batista e concluir: e daí? Mas sua história é, em muitos aspectos, um paralelo da ascensão e queda do Brasil. Além disso, como o Brasil é um arquétipo de mercado emergente, ela também conta uma fábula global.
Ainda no ano passado Eike Batista era o sétimo homem mais rico do mundo, ostentando uma fortuna que tinha crescido para mais de US$ 30 bilhões durante os "anos incríveis" do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Lula, como é amplamente conhecido o carismático ex-presidente, governou entre 2002 e 2010, quando parecia que nada dava errado nem com o Brasil, nem com o empresário. Na verdade, os dois homens eram lados diferentes da mesma moeda.
Lula foi, por quase qualquer critério, o político mais bem-sucedido de seu tempo. Mesmo a natureza parecia sorrir em seu governo, com a descoberta em 2007 de enormes jazidas de petróleo em alto mar. Ajudado por um boom dos preços das commodities, o ex-líder sindical tirou milhões de brasileiros da pobreza, projetou internacionalmente a diplomacia sul-americana ao representar o B dos Brics, e tornou-se símbolo do sucesso dos países emergentes, um levante que prometia reconfigurar o mundo.
Eike Batista, como muitos dos novos bilionários do mundo emergente, foi o festejado agente empreendedor dessa reconfiguração. (Enquanto Lula certamente ajudava os pobres, o capital prosperava ainda mais: durante suas duas presidências, o mercado acionário brasileiro quadruplicou) De fato, o objetivo declarado de Batista era se tornar o homem mais rico do mundo, graças ao boom de commodities que também poliu a auréola política de Lula.
Hoje, Batista está em desgraça, depois da descoberta de que um poço prospectivo de petróleo, a principal fonte de financiamento para o seu império alavancado, estava seco. Da mesma forma, o Brasil parece ter perdido o seu caminho, assim como muitos mercados emergentes também estão perdendo seu apelo diante da revolução do gás de xisto - que promete transformar os EUA e a zona do euro.
Certamente, os anos dinâmicos do Brasil em meados da década passada terminaram. Em 2012, a economia expandiu-se com a metade da taxa do Japão. As reservas fiscais que permitiram ao Brasil tratar a crise financeira global de 2009 como se fosse apenas uma "marolinha", na frase de Lula, estão esgotadas. O papel de locomotiva continental foi retomado, para grande desgosto de Brasília, pelas economias mais reformistas da Aliança do Pacífico - Chile, Colômbia, México e Peru.
O potencial de investimento também está sendo deixado para trás, como visto na Petrobras, a companhia estatal de petróleo que levantou US$ 70 bilhões em 2010 na maior oferta pública de ações do mundo, mas que desde então registra queda de 37% no valor de suas ações. O Brasil hoje é um local que assusta os investidores em geral, como aconteceu depois do movimento do mercado em maio, quando milhões de dólares saíram do país acreditando que o Federal Reserve dos EUA estava prestes a aumentar juros.
Não são apenas os capitalistas que estão fartos. Em junho, 1 milhão de pessoas saíram às ruas para protestar contra a corrupção no governo e os milhões que estão sendo gastos em novos estádios de futebol para a Copa do Mundo do ano que vem (os "circos" da fórmula política vencedora de Lula do "pão e circo") em vez de melhorar os serviços públicos. Grande parte da "nova classe média" continua, na realidade, apenas a um salário mensal de distância da pobreza. Após 11 anos no poder, e a probabilidade de mais quatro após a eleição do próximo ano, o Partido dos Trabalhadores de Lula também ficou estagnado e complacente. As reformas estão sendo deixadas de lado.
Esta é uma trajetória deprimente. No entanto, é de todo ruim? A decepção pode, pelo menos, libertar o Brasil da prisão de seus muitos clichês (samba, praias, dinheiro, diversão!), dos quais Lula e Batista muitas vezes se aproveitaram e que o mundo comprou tão ansiosamente.
Primeira evidência de uma visão mais realista do Brasil: Eike Batista é atípico em uma classe empresarial que, por força de uma longa experiência, é conservadora e sem alavancagem. Então, as consequências de sua falência deverão ser limitadas.
Evidência dois: a economia de US$ 2 trilhões, comparável à do Reino Unido, continua a ser um mercado importante para as multinacionais, especialmente de telecomunicações e empresas de bens de consumo, e desenvolveu bolsões de verdadeira excelência, especialmente em commodities e agroindústria.
Evidência três: mesmo que a diplomacia do Brasil não tenha cumprido suas expectativas, o país manteve a estabilidade em uma vizinhança difícil que inclui a socialista Venezuela, a espinhosa Bolívia e a caprichosa Argentina. Se os EUA são criticados por não prestar atenção à região, é porque, talvez, ele não precise fazer isso. Como uma força hegemônica regional, o Brasil faz um bom trabalho, e sem o exercício da brutalidade praticado por China, Rússia ou Índia em relação a seus vizinhos.
Eike Batista - espalhafatoso e superalavancado - passou do boom ao colapso em menos de um ano. Em contraste, países gigantes como o Brasil precisam de uma visão de mais longo prazo. O Brasil moderno nasceu no fim da década de 1980, após sua transição para a democracia. Também foi quando a classe do mercado de ativos emergentes foi criada. Desde então, as crises vêm e vão, mas os retornos dos mercados emergentes - e seu progresso - se arrastam, nem sempre em linha reta, mas acompanhando uma queda não coincidente das taxas de juros norte-americanas.
A grande questão agora para o Brasil - e de fato para todos os mercados emergentes - é saber se o progresso vai continuar quando os juros americanos começarem a subir. Não vai, se você acreditar que os últimos 30 anos foram apenas uma questão de liquidez financeira. Vai continuar, se você acreditar que esses mercados incorporaram bons hábitos suficientes nesse período. Apesar do exemplo do sr. Batista , eu aposto na segunda alternativa - embora possa ser um mau bocado.
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