Sua geladeira fala de você. Vou abrir seu congelador e conhecer você.
Você enche cumbuca de gelo? Ou é do tipo preguiçoso que deixa a cumbuca quieta lá. Vazia. No congelador só com uma pedra de gelo? Porque cumbuca de gelo vazia não tem dono. Nunca foi ninguém. Gelos fogem misteriosamente.
E as garrafas? Você é do tipo sonso que deixa na geladeira com meio dedo de água, mas não esvazia de vez para não ter que encher? Ou é do tipo mais corajoso que esvazia mesmo. Não enche. E deixa em cima da pia como quem não quer nada? Quase desafiando tipo: Esvaziei mesmo, e daí?
Isso não é apenas uma lista de ingratas tarefas domésticas que sobram para uma mãe. Nem exatamente uma reclamação. Poderia ser. Mas nem é. Apenas reflito enquanto olho para minhas garrafas e cumbucas. E avalio se encho tudo ou se também me faço de morta.
Não encaixo aqui crianças e adolescentes. Eles largam tudo mesmo. Não é grave. Apenas a certeza de que tem quem faça. E sabe de uma coisa? Espero que os meus não leiam isso. Claro, não gosto da folga. Mas é bem legal a segurança de que alguém vai fazer, vai cuidar não só das cumbucas e garrafas que eles sorrateiramente esvaziam, mas deles. Sabem que podem contar. Isso é tudo. Como é importante. E de verdade, é a gente mesmo que ensina os filhos a encher as garrafas da vida, não é?
Porque vida é garrafa d ´água. Tem gente que cuida, enche, conserva. Tem gente que faz, mas espera a última gota acabar. Sem saída. Então toma providências e enche. Ou ficar na seca, com sede.
Tem gente que deixa a garrafa vazia. Esperando que ela se autopreencha milagrosamente. Ou que apareça alguém para encher. Não toma posse da própria garrafa. Da mesma forma que não preenche a própria vida. Tem umas pessoas de vida desidratada. Uma vida seca, meio craquelada. Morta.
Vida é fonte inesgotável, farta, à disposição. Uns se servem, se deliciam, se refrescam para seguir a caminhada. Outros preferem nada fazer. E arriscar passar sede.
De longe, a impressão é que os que enchem recebem mais. Sim. Mas eles recebem porque vão lá buscar. A fonte é a mesma e ao alcance de todos.
Reparo que a capacidade de providenciar a vida vem em combo com a capacidade de reclamar, bufar e jogar a responsabilidade no outro. São linhas que caminham em sentidos contrários. Quanto maior uma menor a outra. Confiram comigo e me digam se estou enganada.
Chego, percebo a situação. Resolvo. Não dá certo. Faço besteira, me enrolo. Percebo que me dei mal. Revejo a situação. Recomeço. Me xingando muito, mas recomeço. E assim vou até conseguir efetivamente um resultado. Enchi minha garrafa. Molhei tudo em volta e a mim também. Importa que consegui. Triste é morrer de sede do lado da fonte.
O reclamão chega. Percebe a situação. Antes de mais nada, reclama e bufa. Arranja logo alguém para culpar. E culpa com prazer. Fala com a autoridade que só os que não fazem nada sabem falar. Como têm razão os que nada fazem, não é? Sempre de dedo apontado para as falhas dos outros. Um discurso sem conteúdo, só raiva. E uma certa aflição de passar logo a batata quente. Acham que arrumando logo um bom réu e sendo bom promotor, não serão notados na sua incompetência. Ou apatia, desleixo, má vontade. Nem sei bem como denominar.
Os que fazem são madeira de lei. Mais fortes para as agruras da vida. Entalhados por chuvas, tempestades, mau tempo. Estão lá mesmo assim, firmes na proposta de ir em frente.
Os que nada fazem são feitos de graxa. Responsabilidade, deveres, culpa? Nunca são deles. Já passam escorregando, deslizam e caem no outro. O outro? Você, eu. Cai naquele que faz. Você ainda liga? Eu aprendi, já nem escuto mais. Aprendi com o tempo: valho mais do que isso. Sou rica em minhas tentativas de vida. Entre ensaios e erros construo um caminho. Erro com toda a tranquilidade.
Errar faz parte. Aduba. Realmente tem gente que não erra. Perfeitos. São os que nada fazem. Quem não faz, não erra. Só erra quem arrisca, bota a cara a tapa e faz.
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