segunda-feira, 23 de junho de 2014

Sobrou amor em Itaquera

IVAN MARTINS
13/06/2014 00h16 - Atualizado em 16/06/2014 16h01

Na minha frente, durante o jogo do Brasil, havia um casal de namorados. Ela, corintiana e barulhenta. Ele, sério, concentradíssimo no que dizia o seu rádio de pilha. Atrás de mim, outro casal. Cariocas felizes, colecionando copos plásticos de cerveja e pedindo, inutilmente, para que todos sentassem. À direita e à esquerda, por toda parte que se olhasse na Arena Corinthians, parecia haver torcedores em pares. O jogo de abertura da Copa do Mundo, a primeira e épica vitória do Brasil, converteu-se, para minha surpresa, num campo de acasalamentos. O lugar perfeito para celebração do Dia dos Namorados. Dizem que falta amor em São Paulo. Mas ele sobrou hoje em Itaquera.
Vocês percebem como isso é formidável? Eu mesmo tenho me queixado, mais de uma vez, da tendência das mulheres a evadir-se da paixão futebolística. Muitas gostam, a maioria nem tanto. Isso frequentemente coloca os homens numa espécie de isolamento de gênero. Para curtir o futebol de perto, para ir ao estádio, é preciso estar em companhia de outros homens e abrir mão da luminosa presença das mulheres. A gente escolhe o jogo, claro, porque a bola está conosco desde crianças, amante fiel e permanente, embora desobediente, embora capaz de nos fazer sofrer e nos maltratar. Mas sentimos culpa por escolhê-la.
Hoje, porém, não foi assim no Itaquerão. Hoje não havia tantos homens divididos. Em vez de grupos de marmanjos berrando gritos de guerra, havia casais se beijando, casais de mãos dados, casais batendo fotos, sorrindo juntos. Ou sofrendo, como no gol da Croácia e logo depois, naqueles minutos eternos em que o Brasil parecia incapaz de reagir. Também gritando e se abraçando nos nossos gols, aos pulos, com o alívio de quem empata, com a felicidade de quem começa a vencer, com a soberba raivosa de quem faz o terceiro gol e deixa para trás o terror do vexame. Um tobogã de emoções que descemos juntos, com o coração aos pulos.
Eu acho linda essa costura dos amores íntimos à paixão  pela Seleção. A camisa amarela é muito forte entre nós. Começa quando somos crianças de 4 ou 5 anos e nunca nos deixa. Adultos, continuamos a nos encantar e a sofrer com o time. É uma espécie de atavismo que passa de pai para filho, de pai para filha, e vai se propagando, intocado, pelas novas gerações. Por isso somos uma gente que sofre e goza com o futebol do seu país, e sente-se imensamente feliz com o time, com nos sentimos hoje.
Por isso, em retribuição àqueles que nos deram a primeira noite feliz da Copa, sugiro ao Felipão que libere nossos jogadores para namorar. Neymar, nosso herói magrelo e marrento, merece passar a madrugada da noite dos namorados nos braços da sua namorada famosa. Oscar, que nos encheu os olhos de alegria, tem todo direito a dormir em paz com a mulher que ama. Todos eles, na verdade, que hoje nos representaram com tanta garra e tanta coragem, merecem as delícias e o conforto de um romance. Esta noite, cobertos simbolicamente por um manto amarelo, somos todos vencedores. Que aqueles que venceram por nós sejam felizes como nós.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2014/06/bsobrou-amorb-em-itaquera.html

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