IVAN MARTINS
11/06/2014 07h58
Certas pessoas simplesmente não conseguem se relacionar de forma duradoura. São corações eternamente em fuga. Como a moça de quem me falaram outro dia: aos 30 e poucos anos, depois de uma dezena de relacionamentos pueris, anunciou aos amigos que estava decidida a sossegar, casar e ter filhos. Logo em seguida, ela se apaixonou perdidamente... por um cara casado e pai de dois filhos pequenos. Seus planos de iniciar um relacionamento maduro, estável e tranquilo foram adiados, mais uma vez.
Essa moça, assim com tantas outras e tantos outros, vive um conflito permanente entre aquilo que gostaria de fazer e aquilo que realmente faz. Ou, posto de outra forma, entre aquilo que ela é e aquilo que gostaria de ser. Cada vez que tem a chance de construir a relação duradoura que diz desejar, ela inventa algo mais importante para fazer, em geral uma paixão inesperada e impossível. A situação não a deixa infeliz, mas faz com que viva com culpa: o que há de errado com ela que não consegue fazer como todo mundo?
Talvez não haja nada errado.
Essa moça, assim com tantas outras e tantos outros, vive um conflito permanente entre aquilo que gostaria de fazer e aquilo que realmente faz. Ou, posto de outra forma, entre aquilo que ela é e aquilo que gostaria de ser. Cada vez que tem a chance de construir a relação duradoura que diz desejar, ela inventa algo mais importante para fazer, em geral uma paixão inesperada e impossível. A situação não a deixa infeliz, mas faz com que viva com culpa: o que há de errado com ela que não consegue fazer como todo mundo?
Talvez não haja nada errado.
É fácil fazer planos bonitos que combinam com aquilo que a sociedade, a família e os amigos esperam de nós. Aquilo que nós mesmos esperamos, na verdade. Mas, na hora de transformar os planos em realidade, muitas vezes não funciona. Pode ser medo e autosabotagem, mas pode ser, também, que esses projetos colidam com a nossa verdadeira natureza. Nem todo mundo foi feito para viver em família. Nem todos nasceram para voltar aos mesmos braços todas as noites. Ou, pelo menos, nem todo mundo está pronto para isso, ainda. Se fosse diferente, estaríamos todos, sem exceção, nos preparando para celebrar amanhã, como casal, o Dia dos Namorados. Mas esse não é o caso para milhões.
Se abandonarmos as críticas moralistas ou ingênuas ao comportamento dos outros, seremos forçados a admitir que um mesmo conflito habite cada um de nós. De um lado, está o desejo de arrumar uma alma-espelho que seja o nosso par inseparável, capaz de resolver nossas carências e alimentar nossa libido. Nosso grande e imorrível amor. De outro, a sensação de que a vida é curta e deveria ser aproveitada em total liberdade, com o maior número de parceiros e de aventuras possível.
A maioria decide pela estabilidade sem pensar muito, e vive as contradições inevitáveis. Outros, um grupo pequeno, resolve que vai ficar avulso. E um bom número oscila entre uma coisa e outra, como a moça que abre esta coluna. Vivem de um jeito, mas sentem que a virtude está no outro. Eles não conseguem se decidir e nem se aquietar. Às vezes forçam a barra para se integrar à maioria, mas logo retornam ao seu estilo natural de viver e de sentir. Outras vezes, fazem, sem refletir, coisas que parecem pensadas de propósito para causar decepção e afastamento em quem tenta se aproximar. Estabilidade afetiva não se improvisa e nem se finge, embora se alcance.
Tenho visto gente que depois de anos batendo cabeça encontrou um romance duradouro, desses que permite alugar uma casa e partilhar o plano de saúde. Ter filhos também. Quero pensar que estão felizes. A vida, afinal, não vem pronta e simples para todos. Às vezes é preciso andar muito e testar bastante antes de chegar a um lugar - ou a uma pessoa - que nos faça sentir em casa. O tempo nos muda, as circunstâncias nos moldam. Tornamos-nos melhores na arte de viver e partilhar - e isso permite encontros que antes seriam impossíveis. Grandes encontros.
Dito isso, acho que e preciso evitar julgamentos.
Não existe uma única forma aceitável de viver. Muita gente escolherá ficar avulsa, e ponto. Outros oscilarão permanentemente entre o singular e o plural: pelo gosto da aventura, pela incompatibilidade com a estabilidade, até pela incapacidade de renunciar, definitivamente, ao sonho de Cinderela e Príncipe Encantado. Não há problema nisso. O amor, esse que nos motiva, esse que nos atormenta também, cuja ausência nos enche de culpa e frustração, não existe de uma única maneira. Cada um de nós tem o direito de inventá-lo de acordo com a sua personalidade e seu desejo. Ou reinventá-lo, seguidamente, com outras pessoas e em outras circunstâncias, toda vez que isso for necessário. Ou, mais exatamente, toda vez que se tornar inevitável seguir em frente.
Se abandonarmos as críticas moralistas ou ingênuas ao comportamento dos outros, seremos forçados a admitir que um mesmo conflito habite cada um de nós. De um lado, está o desejo de arrumar uma alma-espelho que seja o nosso par inseparável, capaz de resolver nossas carências e alimentar nossa libido. Nosso grande e imorrível amor. De outro, a sensação de que a vida é curta e deveria ser aproveitada em total liberdade, com o maior número de parceiros e de aventuras possível.
A maioria decide pela estabilidade sem pensar muito, e vive as contradições inevitáveis. Outros, um grupo pequeno, resolve que vai ficar avulso. E um bom número oscila entre uma coisa e outra, como a moça que abre esta coluna. Vivem de um jeito, mas sentem que a virtude está no outro. Eles não conseguem se decidir e nem se aquietar. Às vezes forçam a barra para se integrar à maioria, mas logo retornam ao seu estilo natural de viver e de sentir. Outras vezes, fazem, sem refletir, coisas que parecem pensadas de propósito para causar decepção e afastamento em quem tenta se aproximar. Estabilidade afetiva não se improvisa e nem se finge, embora se alcance.
Tenho visto gente que depois de anos batendo cabeça encontrou um romance duradouro, desses que permite alugar uma casa e partilhar o plano de saúde. Ter filhos também. Quero pensar que estão felizes. A vida, afinal, não vem pronta e simples para todos. Às vezes é preciso andar muito e testar bastante antes de chegar a um lugar - ou a uma pessoa - que nos faça sentir em casa. O tempo nos muda, as circunstâncias nos moldam. Tornamos-nos melhores na arte de viver e partilhar - e isso permite encontros que antes seriam impossíveis. Grandes encontros.
Dito isso, acho que e preciso evitar julgamentos.
Não existe uma única forma aceitável de viver. Muita gente escolherá ficar avulsa, e ponto. Outros oscilarão permanentemente entre o singular e o plural: pelo gosto da aventura, pela incompatibilidade com a estabilidade, até pela incapacidade de renunciar, definitivamente, ao sonho de Cinderela e Príncipe Encantado. Não há problema nisso. O amor, esse que nos motiva, esse que nos atormenta também, cuja ausência nos enche de culpa e frustração, não existe de uma única maneira. Cada um de nós tem o direito de inventá-lo de acordo com a sua personalidade e seu desejo. Ou reinventá-lo, seguidamente, com outras pessoas e em outras circunstâncias, toda vez que isso for necessário. Ou, mais exatamente, toda vez que se tornar inevitável seguir em frente.
Ivan Martins escreve às quartas-feiras.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2014/06/coracoes-em-bfugab.html
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