por Karin Hueck
"Ela não queria que seus filhos crescessem achando que eram diferentes. Por
isso, educou o menino e a menina da mesma maneira: vestiu-os com roupas iguais,
deu bonecas para o filho e carrinhos para a filha. Certo dia ela entrou no
quarto da menina de 3 anos e a flagrou brincando. No colo estava um
caminhãozinho de brinquedo que a menina ninava de um lado para o outro dizendo:
‘Não chore, carrinho. Vai ficar tudo bem’." A história é de uma paciente de
Louann Brizendine, neurobióloga de Harvard. E serve para deixar bem claro:
sempre há alguma diferença entre os sexos. Infelizmente nem todas as distinções
são tão óbvias quanto carrinhos e bonecas. A maioria delas envolve genética,
comportamento e expectativas sociais - tudo misturado. Leia nas próximas
páginas, separadamente, o que nos distingue - e por que também estamos ficando
cada vez mais parecidos.
• Para cada 170 concepções de meninos, 100 meninas são geradas.
Homens
Vida de espermatozoide não é fácil.
Primeiro, é curta: não passa dos 3 ou 4 dias. Depois, é cruel: um espermatozoide
tem de disputar uma corrida com outros 280 milhões de concorrentes e atravessar
útero e trompas de falópio, tudo para alcançar seu alvo - um óvulo grande e
preguiçoso que espera apenas 24 horas por sua chegada. Se você está vivo hoje, é
porque um desses espermatozoides vitoriosos lhe deu origem. E, se você é uma
mulher, saiba que é mais vitoriosa ainda, porque é muito mais comum um óvulo ser
fecundado por um espermatozoide masculino do que por um feminino: calcula-se que
para cada 100 óvulos fertilizados por um espermatozoide com o cromossomo X,
existam outros 170 fertilizados com o cromossomo Y. Ou seja, na concepção, para
cada 100 mulheres geradas, 170 homens estão sendo desenvolvidos. Assim, logo de
cara vão por água abaixo todas as esperanças de igualdade entre os sexos: desde
o início a mãe natureza cuida de tratar cada gênero de maneira diferente. E esse
é só o começo.
Se tantos homens a mais são fecundados todos os dias, por
que o mundo não está lotado deles (aliás, para desespero das mulheres
casadoiras, o censo brasileiro há décadas revela o fenômeno inverso)? A resposta
cruel é: a maioria deles não chega a nascer. Muitos não passam da fase do
zigoto. Tantos outros são eliminados naturalmente durante a gravidez: um aborto
espontâneo tem probabilidade 30% maior de se tratar de um feto masculino do que
de um feminino. Quando os bebês vêm à luz, a diferença já caiu: nascem cerca de
105 homens para cada 100 mulheres. E continua caindo fora do útero. Mesmo nos
países desenvolvidos a mortalidade infantil é 22% maior para meninos e eles têm
probabilidade 50% maior de desenvolver problemas respiratórios. A diferença é
tão grande que os médicos costumam dizer que o maior fator de risco para bebês
prematuros é seu gênero. Ou seja, os homens são o sexo frágil quando nascem - e
a culpa é das mulheres.
Quando o feto masculino se desenvolve dentro do
útero da mãe, faz sentido dizer que as mulheres são de Vênus e os homens são de
Marte: é como se a mulher gerasse um alienígena dentro de si. O cromossomo Y do
feto começa a produzir o antígeno H-Y, uma proteína que causa a rejeição de
órgãos quando um tecido masculino é implantado no corpo feminino. O antígeno faz
com que o sistema imunológico da mulher rejeite de leve o feto masculino. Isso
torna o bebê mais frágil e mais suscetível à falta de alimentos ou infecções.
Nessa disputa quem perde são os homens. A fragilidade masculina infantil dura
muitos meses: nos primeiros anos, eles vão se desenvolver mais lentamente.
Meninos não ficam quietos
Vá até um jardim
de infância e observe as crianças brincando. Com poucas exceções, o quadro que
você verá serão grupos de três ou quatro meninas sentadas brincando em roda com
grandes bandos de meninos correndo ao redor. Meninos simplesmente não conseguem
ficar quietos. E isso tem a ver com o amadurecimento cerebral mais lento nos
primeiros anos de vida. A questão aqui é o que os cientistas chamam de controle
de inibição. Parar de pular de um lado para o outro ou a habilidade de seguir
ordens exigem um lobo central desenvolvido, a parte do cérebro responsável pelos
movimentos voluntários, pela atenção e pela memória. "A vantagem do controle de
inibição das meninas é a maior diferença entre os sexos nas crianças dos 3 aos
13 anos", diz Lise Eliot, neurocientista da Universidade Rosalind Franklin, em
seu livro Pink Brain, Blue Brain (Cérebro Rosa, Cérebro Azul; sem tradução no
Brasil). Essa diferença é crítica porque abrange boa parte da vida escolar. E o
colégio exige dos alunos exatamente aquilo que os meninos mais têm dificuldade
de fazer: sentar quietos, concentrar-se. Há estudos que mostram que os meninos
têm até mais dificuldade em aprender a levantar a mão antes de falar na sala de
aula. Não é à toa que há anos as meninas vão melhor na escola, inclusive em
matemática, uma matéria na qual homens supostamente têm uma vantagem inata.
Mas não é só na escola que os meninos ficam para trás. Quando chegam à
universidade, a desvantagem é clara. No Brasil, 55% das pessoas que entram na
faculdade e 59% das que a terminam são mulheres. Seja porque eles começam a
trabalhar mais cedo, seja por falta de interesse, 40% mais homens largam os
estudos em todos os níveis. A situação é tão preocupante que nos EUA já estão
aceitando até a possibilidade de cotas para homens em universidades. Tudo
começou em 2006, quando Jennifer Britz, responsável pela seleção de alunos do
Kenyon College, em Ohio, escreveu um artigo para o jornal The New York Times. No
texto, ela admitia que aprovava constantemente garotos menos qualificados para
garantir que ao menos 40% dos alunos no campus sejam homens. As mulheres, dizia
ela, tinham de ter fichas de inscrição muito mais impressionantes para ser
admitidas. (Ironicamente, a própria filha de Jennifer, uma aluna aplicada e
qualificada, acabou rejeitada por uma universidade de elite.) Olhando para esses
dados, fica difícil não perguntar: o que está acontecendo com esses homens?
Eles estão perdidos. Pelo menos é o que acredita um dos mais respeitados
psicólogos do mundo, Philip Zimbardo, da Universidade Stanford, que desde a
década de 1950 estuda a relação das pessoas com a maldade, a timidez, o tempo, a
loucura, a persuasão e, ufa, o papel dos gêneros. "Os homens estão ferrando a
sociedade, e não de um jeito bom", diz ele. "Eles estão abandonando os estudos,
preferem a companhia de outros homens, não conseguem manter relacionamentos
estáveis e vivem em mundos alternativos, como os videogames e os filmes pornô."
De fato, quando chega aos 21 anos, o jovem médio já passou 10 mil horas de sua
vida jogando videogame, de acordo com um estudo feito pela especialista Jane
McGonigal. E assiste a cerca de 50 vídeos pornográficos por semana. Para
Zimbardo, eles precisam fugir da realidade para encontrar estímulos e se afastam
da vida em sociedade. O resultado? Homens que não sabem levar uma vida adulta e
que deixam as mulheres assumir o papel de provedoras e líderes. Isso pode também
explicar por que, em 2010, as mulheres viraram maioria na força de trabalho
americana. Mas não explica por que são eles que chegam às chefias. Ou por que
elas continuam ganhando apenas 75% do salário deles para fazer o mesmo trabalho.
Para entender esse fenômeno, temos de voltar ao jardim de infância.
Meninos não ficam quietos (2)
Voltemos à
mesma cena de crianças brincando. Pequenos grupos de meninas sentadas cercadas
por bandos de meninos correndo ao redor. A professora chama para voltar à sala
de aula. As meninas juntam suas coisas e entram. Os meninos continuam correndo.
A professora os chama de novo. Apenas na terceira vez, porque os meninos não têm
controle de inibição, eles obedecem. Essa cena fictícia, um pouco caricatural,
mostra uma característica importante que os meninos aprendem cedo: desafiar a
autoridade. O mesmo estudo que mostrou que eles têm mais dificuldade de levantar
a mão antes de falar em sala de aula concluiu também que eles não precisam
levantar a mão para ser ouvidos. As professoras permitem que os meninos as
interrompam mais. De fato, uma pesquisa do Centro Psicobiológico de Pittsburgh
mediu os níveis de cortisol (o hormônio liberado em situações de estresse) no
sangue de crianças entre 7 e 16 anos e concluiu: eles se estressam muito mais
com autoridade do que elas.
O mesmo vale para desafios e como os meninos
aprendem a lidar com eles. Um estudo feito com bebês de 11 meses mostra como os
pais tratam de maneiras diferentes filhos e filhas. Nesse experimento, os bebês
tinham de descer uma rampa inclinada engatinhando. Menininhos e menininhas
conseguiram descê-la sem diferenças. Mas, quando o grau de inclinação da rampa
era definido pelas mães, elas sempre expunham os filhos a inclinações maiores e
poupavam as filhas, como se assumissem que elas não completariam o trajeto. Ou
seja, a ideia de que mulheres são frágeis e homens são audaciosos pode ser
apresentada aos meninos pelas próprias mães. Mas essa, claro, não é a única
diferença. Para entender o que separa os sexos é preciso olhar as mulheres de
perto também. Por isso, leia agora o lado feminino desta reportagem.
Mulheres
Você já foi mulher um dia. Mesmo
que você seja homem, até a oitava semana de gestação não havia como
diferenciá-lo da Lady Gaga ou da Regina Casé. Até esse período todos os fetos
são idênticos. É apenas nesse estágio do desenvolvimento embrionário que a
distinção dos sexos começa, graças a um gene chamado SRY, que fica no cromossomo
Y. É ele o responsável pela produção de testosterona ainda dentro do útero - e,
por consequência, é ele o responsável pelo que você carrega hoje no meio das
pernas. Sim, porque, se não houver testosterona circulando no feto, mesmo que
seja do sexo masculino, ele vai se desenvolver como mulher. É o que acontece com
os portadores da síndrome de insensibilidade a andrógenos. Eles têm cara, corpo
e comportamento de mulher, mas carregam o cromossomo Y. Muitas vezes passam a
vida sem saber que são geneticamente homens, até a puberdade chegar e a
menstruação não dar as caras. (A síndrome rendeu um caso no seriado House:
segunda temporada, 13º episódio.) Mas vamos supor que você seja uma mulher, com
o cromossomo X no lugar certo e tudo: por que um fato simples, como a exposição
de testosterona durante a gravidez determina que a sua vida - e o seu papel
social - seja tão diferente da dos homens?
Durante a infância, as
diferenças entre meninos e meninas são mínimas (a mais importante delas está no
texto ao lado). Mas já dá para reconhecer aquelas características que durante
tanto tempo foram responsabilizadas pelas diferenças intelectuais entre os
gêneros. Meninas falam mais cedo - e usam mais palavras para se comunicar, já a
partir do primeiro ano de idade. Também conversam com frases mais complexas ("Me
dá boneca", em vez de só "Bola"), o que rendeu a elas a fama de matracas -
injustamente, como veremos. Meninos, por sua vez, mostram desde cedo uma
facilidade com questões espaciais, aquelas que exigem rotações mentais de
objetos. Essa habilidade, aliás, é a que deu fundamento à teoria de que homens
são melhores em matemática do que mulheres. (Em 2005, até mesmo o reitor de
Harvard insinuou isso - o que acabou provocando sua saída do cargo.) E foi usada
para explicar por que homens e mulheres escolhem carreiras diferentes para
trabalhar: eles vão para a engenharia, elas vão para a psicologia, como se
fossem geneticamente predestinados para isso. O problema aqui não está na
dificuldade com números (que, aliás, as mulheres não têm: resolver problemas
espaciais jamais foi correlacionado à facilidade para estudar matemática). Está
nas consequências da escolha da profissão.
Meninas não pedem
Em 2003, um estudo realizado pela fundação americana Gallop
perguntou que carreiras eram as mais desejadas entre adolescentes. Para os
garotos, profissões relacionadas à computação estavam em primeiro lugar,
seguidas das engenharias. Para as meninas, não apareciam nem entre o top 10 -
elas queriam artes cênicas, música e educação. E eis o problema: computação e
engenharia são as áreas que pagarão os melhores salários nos próximos anos. Já
as mulheres preferem profissões que historicamente pagam mal. E assim se
explica, em parte, por que as mulheres continuam ganhando menos - elas gostam de
carreiras que pagam menos. Mas há outros fatores.
Linda Babcock é uma
professora de economia na Universidade Carnegie Mellon, nos EUA, que inclusive
já foi tema de reportagem aqui na SUPER. Um dia ela reparou em uma diferença
alarmante entre seus alunos: todos seus doutorandos do sexo masculino já estavam
lecionando, enquanto as mulheres não passavam do cargo de professoras
assistentes. Intrigada, ela foi investigar o motivo da discriminação. E
descobriu: todos os homens haviam pedido a oportunidade de dar aulas - mas
nenhuma mulher havia feito o mesmo. Assim, ela observou um traço de
personalidade comum entre homens: a iniciativa de dar a cara a bater. Babcock
conduziu uma pesquisa comparando os salários de recém-formados. Em média, os
homens recebiam 7,6% a mais. A maior diferença, no entanto, estava na maneira
como foram contratados: 57% dos homens tinham negociado o valor do salário que
receberiam (mas apenas 7% das mulheres fizeram o mesmo). Ou seja, tinham tido
coragem de pedir mais dinheiro antes de começar a trabalhar. "As mulheres têm
uma abordagem mais colaborativa do que a dos homens. Infelizmente essa
estratégia costuma ser mal interpretada e dá a elas um ar de fraqueza porque
elas não pedem o que querem e ficam quietas", diz Babcock. Isso tem
consequências surpreendentes: por exemplo, em grupos mistos de homens e
mulheres, são eles que falam mais. Pois é, em 56 estudos que analisaram o número
de palavras ditas em conversas informais, os homens falaram mais em 24 deles -
as mulheres só ganharam em dois casos. (Milhares de mulheres respiram aliviadas
neste momento.) A fala, como tantas outras coisas, é definida pelo status social
- e o dos homens continua mais alto.
A vontade de encarar desafios
também é mais acentuada entre homens. John List, economista da Universidade de
Chicago, organizou um estudo no qual anunciou a oferta de duas vagas de emprego:
um com salário fixo e predeterminado, outro com um salário fixo mais baixo, mas
com a possibilidade de ganhar um bom bônus caso o desempenho fosse melhor que o
dos outros contratados. Para a primeira vaga, 80% dos candidatos que apareceram
eram mulheres. Para a segunda, havia 55% mais homens concorrendo ao emprego. Ou
seja, quando a descrição do trabalho envolvia competição direta com outros
funcionários, as mulheres acharam melhor se abster. A escolha foi delas. Isso
torna os homens mais competentes? Não, apenas garante que eles não fujam da
possibilidade de ganhar mais dinheiro.
Por que meninas não
pedem
Mas todos esses estudos ignoram um aspecto importante: as
pessoas não esperam que mulheres sejam agressivas e competitivas. Outras
pesquisas mostram que, quando elas são gananciosas e começam a subir de cargo,
as pessoas deixam de gostar delas. Para um homem, o fato de ser bem-sucedido o
torna um cara bacana e admirável. Para uma mulher, basta ela virar chefe para
que as pessoas comecem a enxergá-la com desconfiança. "Sucesso e admiração
caminham juntos nos homens, mas não nas mulheres. Todas nós sabemos que isso é
verdade", disse Sheryl Sandberg, COO (chefe de operações) do Facebook, em uma
apresentação no fórum de tendências TED. E esse é apenas um dos contratempos que
as mulheres bem-sucedidas encontram na carreira. Há piores.
Em 1996, Ben
Barres, neurobiólogo da Universidade Stanford, deu uma palestra sobre células
nervosas para uma plateia de cientistas. A apresentação foi um sucesso: Ben foi
aplaudido e ainda ouviu elogios: "Seu trabalho é muito melhor do que o da sua
irmã". Só havia um problema: o cientista não tem irmã - a pessoa a que ele foi
comparado era Barbara Barres, o próprio Ben antes de passar por uma mudança de
sexo. Assim, Ben constatou as diferenças de expectativa que os gêneros
enfrentam. Quando ele era ela, tinha de provar sua capacidade com mais
frequência do que depois que virou homem. Um estudo feito na Universidade de
Chicago com transexuais revelou numericamente essa diferença. Homens que viram
mulheres recebem um salário 32% menor do que antes da troca de sexo. Já mulheres
que viram homens ganham um aumento de 1,5%.
Assim, é compreensível que
homens e mulheres ainda não tenham alcançado a igualdade. É até admirável o
avanço que as mulheres tiveram em poucas décadas. Embora 97% dos CEOs ainda
sejam homens, elas já ocupam cerca de 40% dos cargos de gerência. Se eles nascem
com desvantagens físicas e terminam a faculdade em menor número, é um sinal
claro de que esse número deve aumentar. O que ainda sustenta os homens é seu
comportamento - mais agressivo e competitivo. Se, como os estudos indicam, eles
também estiverem perdendo isso, a balança deve se equilibrar em breve.
http://super.abril.com.br/cotidiano/homens-x-mulheres-eles-estao-ficando-632124.shtml?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_super
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