terça-feira, 10 de junho de 2014

Fritando o namoro

WALCYR CARRASCO
10/06/2014 07h00 - Atualizado em 10/06/2014 07h32

Há coisa mais chata do que passar o Dia dos Namorados sozinho? Tenho horror a essas datas marcadas para demonstrar sentimento por meio de presente. Quem está sozinho já sabe: não pode ir a restaurante. Todos estarão lotados de casais felizes, com velas na mesa. De todos os lados, arrulhos românticos entre casais que provavelmente, daqui a alguns anos, lutarão pelos bens e pela guarda dos filhos. O solitário se senta e já recebe um olhar torto do garçom. Como se atreve a expor sua solidão em público? O mundo tem todo tipo de preconceito. O contra solitários é um dos piores. Quem está sozinho, ainda mais numa data tão simbólica, deve ter alguma coisa errada, pensa a maioria. Ou é psicopata ou tem mau hálito. O garçom evita a mesa. Até para conseguir um copo d’água com uma fatia de limão é uma dificuldade.
– O limão, o senhor esqueceu o limão.
– Já trago.
E some.
Sou terrível com datas. Esqueço todas, a não ser meu próprio aniversário, para não perder os presentes. Já incorri no erro, com um colega escritor, de ir a restaurante em pleno Dia dos Namorados. Faz uns dez anos, eram tempos menos liberais, senão, por complacência, nos julgariam um casal gay. Naquela época, talvez fôssemos hostilizados. O comportamento mudou muito nos últimos tempos. Estávamos cheios de papéis, para discutir um texto, levávamos canetas, anotações. Trabalhar? Tente fazer isso à meia-luz, com uma rosinha vermelha no centro da mesa batendo no nariz. E mais cantor ao violão, guinchando canções românticas de mesa em mesa. Quando chegou à nossa mesa, hesitou. Ficamos sem jeito. Ele cantou duas ou três músicas bem desanimado. Demos a gorjeta, e ele trotou até outra mesa, rapidamente. Algumas mesas nos olhavam, com curiosidade. Quem seriam aqueles dois solitários? Ainda mais, trabalhando?
Mas a data pode ser muito pior para quem tem um relacionamento. Se a história ainda está na fase do “vamos ver no que dá”, a parte feminina do casal espera que nessa data ele se decida. Ideal mesmo seria, entre goles de vinho e macarrão, vir o pedido de casamento. Um anel, quem sabe? Muitos homens sucumbem à pressão, resolvem casar. Depois, o arrependimento: “Socorro, e agora?”. Presente, sempre é obrigatório. E tem de ser especial.
Óbvio, tudo remotamente romântico custa um absurdo nesta época! Ela não pode dar simplesmente as meias de que ele precisa ou um conjunto de ferramentas. Ele fica perdido. É difícil dizer que precisou quitar o IPVA. Vencem os coraçõezinhos de falsos brilhantes, perfumes que nunca serão usados, gravatas de que ele não gosta ou bolsa que ela odeia – uma das coisas mais difíceis da vida é o homem comprar uma bolsa para mulher e acertar. O mais safado dá uma lingerie. Se ela é safadinha, diz que estreará naquela noite. Ah, vai?
Algum de vocês já tentou vaga em motel na noite do Dia dos Namorados? É uma maratona. Estão lotados pelos pombinhos mais apressados, que pularam a sobremesa. Ou que tem outra ideia do que seja sobremesa. O jeito é esperar no pátio, com outros carros, igualmente tripulados por apaixonados. Há romantismo que resista – para não dizer outra coisa – a horas e horas numa fila de carros, de noite, num motel? Você e ela se beijam, se abraçam, se atrapalham com o câmbio, tentam conversar e ficam pensando em tudo o que poderiam fazer durante esse tempo perdido. É exatamente o que os mais afortunados já estão fazendo. Por isso, não tem pressa. Finalmente, quando chega sua vez, na suíte ainda cheirando a desinfetante, tudo é rápido, porque ambos têm de acordar cedo amanhã. O pior de tudo é que muitos casais, com filhos, resolvem “namorar”nessa noite de reafirmação do romantismo. Passam pela maratona toda, até voltar para casa muito depois da hora combinada com a babá. A babá, é claro, não se importa. Além de ganhar mais, também comemorou com o namorado dela. Na sua casa, depois de botar as crianças para dormir. E fez a festa, garanto.
Tem pior? Ah, tem sim. Frequentemente, o Dia dos Namorados é o Dia do Fim do Namoro. Durante o jantar romântico, ele pensa: “Mas o que estou fazendo com essa chata?”. No motel, naquele momento crucial, ela toma consciência: “Mas já? E eu?”.
Não tem jeito. O Dia dos Namorados também é a data em que se repensa a relação. Por isso, prefiro o Dia das Bruxas. Pelo menos aí, se tiver de levar um susto, sei que é só de brincadeira.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/walcyr-carrasco/noticia/2014/06/fritando-bo-namorob.html 

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