sexta-feira, 6 de junho de 2014

Os gringos chegaram

IVAN MARTINS
04/06/2014 09h28 - Atualizado em 04/06/2014 17h59

O embaixador da Holanda no Brasil prevê que cinco mil dos seus compatriotas estarão em São Paulo para a Copa do Mundo. Se as copas passadas servem como guia, podemos esperar uma multidão de jovens felizes, barulhentos e pacíficos, de ambos os sexos. Todos cobertos com a cor laranja da sua seleção. Eles montarão um grande acampamento na cidade, em lugar ainda indefinido, e daqui viajarão atrás do seu time. Ou sairão por aqui mesmo em busca de diversão.
Se eu tivesse 20 anos, estaria muito empolgado com a perspectiva de encontrar as holandesas - além de outras visitantes, de várias procedências, que passarão pela cidade durante a Copa. É provável que desçam do avião multidões de bêbados babacas que gastarão seu tempo entre as partidas atrás de putas. Gente para quem a Copa é só uma desculpa para o turismo sexual. Essas pessoas devem ser evitadas e até denunciadas se fizerem algo ilegal. Mas eu apostaria que montes de pessoas bacanas vão chegar ao Brasil durante esses dias. Homens e mulheres que valeria a pena conhecer.
Uma vez, quando meus filhos eram pequenos, passei uma semana com eles num hotel barato na costa da Catalunha, na Espanha. Eu vivia na Inglaterra e viajei com as crianças para que a mãe deles pudesse trabalhar em paz. Havia no hotel um grupo de jovens holandeses impossível de ignorar: as meninas andavam de topless até no lobby; os caras, embora barulhentos, eram simpáticos e gentis.
Um deles, depois de conversar meia hora comigo em mau inglês, concluiu que eu era viúvo, e passou a informação errada ao resto do grupo. Sem entender por quê, me vi cercado de atenções. As garotas, invariavelmente altas e bonitas, se ofereciam para brincar com os meus filhos na piscina, enquanto os amigos delas jogavam conversa fora comigo, quase sempre sobre futebol. Quando a história da falsa viuvez foi esclarecida, rimos muito, e a camaradagem continuou. Voltei para casa com a melhor impressão possível dos holandeses. E alguma melancolia em relação à vida de casado.
Conto essa história para lembrar que nem toda simpatia por estrangeiros é gratuita ou fruto de uma cabeça colonizada.
Eu tive, como outros tiveram, boas experiências com estrangeiros, dentro e fora do Brasil. Isso faz parte da vida moderna e parece inseparável da globalização. As pessoas viajam, conhecem gente, se envolvem e se misturam. Gente solteira transa e namora com pessoas que falam outra língua. Às vezes casam e têm filhos. Para muitos, (sobretudo a classe média alta, que viaja e estuda fora), a experiência afetiva ganhou dimensão internacional. As referências não se restringem ao jeito de ser dos brasileiros. Depois de namorar um turco em Nova York, um polonês em Vancouver ou um canadense em Xangai, a moça brasileira olha o seu parceiro paulistano de forma crítica. E ele, se teve experiência semelhante, também. No passado, as pessoas estavam limitadas a encontrar parceiros na mesma aldeia. Agora, podem achá-los no outro lado do mundo. Ou eles podem desabar por aqui, vindo de longe.
Isso não significa - evidentemente - que gente de longe seja melhor do que gente daqui. Não há hierarquias entre tipos físicos ou nacionalidades. Nem pessoas naturalmente mais bacanas ou mais atraentes. Gente mais clara nos chama atenção porque é menos comum no Brasil. Os olhos azuis, os cabelos louros. Mas os estrangeiros também se encantam com as nossas cores e o nosso jeito. Homens e mulheres. São atraídos pela diferença, como nós. Diferença cultural, inclusive. Ela produz erotismo, inevitavelmente. Ele é produto da curiosidade humana e me parece benigno, desde que não descambe para a desumanização. Atrás do gringo ou da gringa tem de haver uma pessoa de verdade. As relações carnais não acontecem entre cores de pele, formatos de bunda, nacionalidades ou classes sociais. Seres humanos se envolvem uns com os outros por inteiro. Sexo entre estereótipos não funciona.
Se isso vale como referências, as mulheres brasileiras envolvidas com estrangeiros - ao menos as que eu conheci - não pareciam tão interessadas na aparência deles. Ou no passaporte. Gostavam da atitude dos caras. Diziam que eles são menos dependentes que os brasileiros, menos controladores e que apreciam melhor o caráter delas. Contam que os estrangeiros ajudam em casa, são atenciosos no cotidiano e menos obcecados que os brasileiros pela juventude das mulheres. Parecem ser melhor parceiros do que nós somos.
Tudo isso, naturalmente, pode ser lenda. Mulheres apaixonadas não são muito científicas naquilo que dizem. Homens tampouco. Minha experiência nesse campo sugere que as pessoas não são assim tão diferentes. Ela me diz, também, que a intimidade é fruto da afinidade pessoal, não dos encontros culturais. Eu gosto de Fulana por ser como é, não por vir de onde vem ou por falar a língua que fala. A diferença de origem atrapalha, mais que ajuda. Certas coisas - como sexo - a gente faz melhor quanto mais à vontade, e é mais fácil estar à vontade com alguém que divide seus códigos.
Mas é gostoso, e talvez seja importante, aprender essas coisas na prática. Viajar, conhecer pessoas, envolver-se com elas de uma forma altiva e independente. Há certo encanto nessas descobertas, como nas viagens. Os outros nos ensinam sobre nós mesmos e sobre a nossa cultura. Nem precisa haver sexo. Nem precisa haver romance, aliás. Amigos de outras partes, sejam homens ou mulheres, enriquecem a nossa vida e nos tornam seres humanos mais interessantes. Desde que nós mesmos tenhamos o que dizer e o que mostrar. De babacas interessados apenas em catar uma gringa - ou um gringo  - o mundo está lotado.

Ivan Martins escreve às quartas-feiras.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2014/06/os-bgringosb-chegaram.html

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