quarta-feira, 19 de março de 2014

O vencedor leva tudo

Era uma vez uma empresa chamada Kodak, cujo negócio, em boa parte de seus mais de 120 anos de história, consistiu em registrar e revelar fragmentos memoráveis da vida das pessoas. Em seus áureos tempos, a companhia chegou a valer U$ 28 bilhões e a empregar mais de 140 mil funcionários pelo mundo, podendo se gabar, inclusive, de ter lançado no mercado a primeira câmera fotográfica digital. Hoje, a Kodak encontra-se à beira da falência, ironicamente, muito por conta de não ter sabido adaptar-se ao novo paradigma que se impôs a partir da hegemonia da fotografia digital, que tem no Instagram seu mais fiel representante. Quando foi vendido para o Facebook em 2012 por US$1 bilhão, o Instagram empregava 13 funcionários. Entre o declínio da Kodak e a ascensão do Instagram, onde exatamente foi parar a riqueza produzida por esses milhares de empregos que simplesmente deixaram de existir?
 
A pergunta é um dos temas centrais do livro "Who owns the future?" — ou, em bom português — “Quem é o dono do futuro?”, de Jaron Lanier, um cientista da computação e visionário do mundo digital que, entre outras coisas, prega que a internet vai acabar com a classe-média e o conceito de democracia. A fim de sustentar sua polêmica argumentação, Lanier se debruça sobre o já citado abismo que separa a "Era Kodak" da "Era Instagram"; para ele, apesar das significativas diferenças entre os dois modelos, alguns aspectos se mantêm constantes, como o fato de que ambos demandam a adesão de um expressivo número de pessoas para se viabilizar. 
 
Basta pensar que o Instagram não faria muito sentido se milhões de pessoas não o utilizassem todos os dias para compartilhar com entes queridos e até estranhos suas fotos, muito embora essa providencial contribuição para o sucesso do serviço não assegure qualquer tipo de recompensa a nenhum dos envolvidos no processo, a exceção dos acionistas do Instagram e, em muito menor medida, seus pouco mais de 13 funcionários. Na prática, isso representa dizer que toda a renda gerada por quem pagava para ter suas fotos reveladas e aqueles que recebiam para desempenhar esta função escapuliu das mãos de gente comum como eu ou você e passou a concentrar-se nas contas bancárias de um seleto grupo de ricaços. Segundo Lanier, este é o aspecto que classifica a época em que vivemos como a "Sociedade do Tudo ou Nada", em que o vencedor — ou, se preferirem, os gênios por trás das startups mais bem sucedidas — leva tudo. 
 
O fenômeno torna-se ainda mais evidente quando consideramos o sistema de remuneração estabelecido por outro gigante da web, o Youtube. Apesar de prever a distribuição da receita obtida com publicidade entre seus usuários (na proporção US$ 5 para cada mil cliques), qualquer um que se dispuser a fazer a conta vai perceber que a imensa maioria dos responsáveis por atrair visitação para o site, quando credenciados para tal, recebem quantias ínfimas, cabendo aos tubarões do entretenimento as fatias mais gordas. Um modelo que em tese pode até ser justo, mas que, sem dúvida, privilegia a concentração de renda.
 
Concordando ou não com as ideias de Lanier, é preciso reconhecer que eis aí a discussão que invariavelmente pautará os próximos anos, sobretudo se considerarmos que o surgimento de novos "Instagrams" é uma tendência inquestionável. Para terminar, uma reflexão perturbadora: a cada novo usuário que se diverte postando informações pessoais no Facebook, Mark Zuckerberg fica um pouco mais rico vendendo estas mesmas informações para seus parceiros comerciais. Quem é o dono do futuro? Será que é preciso responder?

De: Instante Posterior > http://g1.globo.com/pop-arte/blog/instante-posterior/post/o-vencedor-leva-tudo.html

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