quarta-feira, 12 de março de 2014

Cadê o beijo na boca?

IVAN MARTINS
12/03/2014 07h00 - Atualizado em 12/03/2014 07h55

Entre as várias coisas que acontecem depois que a gente se casa, há uma, chatíssima, que eu nunca vi discutida: os beijos na boca terminam. É isso mesmo. Você viu seus amigos casados se agarrando como faziam antigamente? Quando foi a última vez que você e seu ilustre marido trocaram um beijo de língua sensual e demorado? Se foi no mês passado, está tudo bem. Se você nem consegue se lembrar, não se assuste. Parece ser assim com todo mundo. A escritora americana Nora Ephron, que viveu até os 71 anos e teve três casamentos, disse que acontece com todos os casais.
Eu me pergunto por que é assim. O sexo depois do casamento se torna menos frequente, mas a qualidade da transa aumenta muito. Com a intimidade, as pessoas ficam mais à vontade, perdem a vergonha e começam a fazer e dizer o que gostam. Tudo se torna mais intenso e mais profundo. Melhora, enfim.
Com o beijo, não. Eles são longos e molhados no início, e repetem-se o tempo todo. Funcionam, no frescor da paixão, como a forma mais intensa e direta de preparação ao sexo. Depois somem. Reaparecem mornos de ternura no dia de aniversário ou cegos de desejo quase no clímax do sexo. E é só. Aquele beijo apaixonado e comovido que se trocava no meio da rua desaparece como os pares de meia, em algum lugar secreto do guarda-roupa do casal.
Nem precisa dizer como os beijos fazem falta, né? É provável que não exista nada tão íntimo. Sei que a garotada anda fazendo um esforço heróico para banalizar essa manifestação de intimidade humana, mas eles não conseguirão. Beijar 10 ou 20 na mesma noite equivale a não beijar ninguém. A mistura de todas as bocas não soma, emocionalmente, uma única boca bem beijada. Para usufruir um beijo plenamente é preciso desejá-lo com antecedência, é preciso querer a pessoa que está em volta daquela boca. Há uma parte física e uma parte emocional nas línguas que se tocam. A física é óbvia, mas é a emocional que dirige o processo e faz disparar o coração, assim como os outros sistemas físicos de preparação. Quando você beija alguém que deseja, alguém que já está na sua imaginação, o beijo equivale a abrir uma porta para dentro da pessoa, e de você mesmo. Pode-se ficar três horas ou três semanas pensando naquele momento. Um beijo anônimo não leva a lugar nenhum, porque a porta que ele abre não tem endereço.
       
Beijos fazem tanta falta durante o casamento que a primeira coisa que as pessoas fazem depois de se separar é beijar na boca, ardentemente. Sexo elas tinham, mesmo num casamento arruinado. Mas beijo na boca, não. Esse tem de ser resgatado, reconquistado, celebrado com champagne. Quem passou muito tempo sem beijo na boca sabe como é gostoso voltar a encostar um corpo na parede e beijar com pressa e sem limite. Se você estiver encantado pela pessoa, não há nada melhor. Mesmo o sexo que vem depois talvez não equivalha, emocionalmente, a esse momento de conquista e de aceitação. O beijo, mais até que a penetração, oferece a forma mais direta de expressar ternura. Eu abro a minha boca e me ofereço sem barreiras, eu aceito você dentro de mim, com afeto e com luxúria. Não é à toa que as prostitutas não beijam na boca. Há coisas que o dinheiro não compra.
Eu tenho poucas dúvidas de que os beijos estão por trás da maior parte dos casos de infidelidade. Depois de um tempo de estabilidade, quando os beijos já sumiram da relação, tudo com que o sujeito ou a mulher sonham, às vezes literalmente, é estar nos braços de alguém que se deseja, beijando de forma sôfrega e apaixonada. O sexo nas relações clandestinas muitas vezes não passa de um cenário elaborado em que a peça de satisfação essencial é o beijo longo e molhado que se dá no amante, aquele que deixa os joelhos moles e faz o corpo estremecer.
Não sei se existe remédio para a falta de beijos nas relações duradouras. Talvez seja um exagero de romantismo pedir que eles persistam. Pode ser que gente que dorme junta, discute sobre o lixo da cozinha e racha o seguro de saúde perca a vontade de fazer certas coisas. Haveria uma troca: eu ofereço a minha presença, minha ajuda e a minha lealdade, mas não terei mais vontade de beijar você. Parece justo?
De uma coisa, porém, eu estou seguro – as pessoas não deveriam abrir mão dos beijos e nem permitir que a falta deles empobreça seu casamento de uma forma irremediável. Quando o casal perceber que os beijos sumiram, talvez seja hora de inventar alguma coisa capaz de recuperá-los. Sexo morno é fácil de esquentar. De vídeos pornôs a casas de suingue, há uma indústria especializada em oferecer novas formas de desejo aos casais que estão se repetindo. O beijo talvez seja diferente. Ele contém uma dose elevada de romantismo e se nutre de um erotismo mais sutil. Para beijar seu par como antes, talvez seja preciso olhar para ela ou para ela de uma forma nova, como se vocês tivessem acabado de se conhecer. Isso é possível? Talvez criando situações novas, em cenários novos, com gente nova ao redor. Vale a pena o esforço? Eu acho que vale. Muitos casamentos bacanas acabam porque as pessoas passam tempo demais discutindo e tempo de menos se beijando. Qualquer coisa que ajude a inverter essa situação deve ser bem-vinda.

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