Para quatro estudiosos ouvidos pelo Valor, o estereótipo do brasileiro malandro e conivente com pequenas ilegalidades não encontra respaldo histórico ou atávico. Embora de linhas divergentes de pensamento, eles se mostraram de acordo em um ponto: o exemplo da boa conduta deveria vir do andar de cima.
Para o antropólogo Roberto DaMatta, o comportamento do brasileiro se explica pela composição da sociedade. "O problema é que até hoje o Brasil vive em um modelo imperial, uma sociedade aristocrática e hierarquizada, na qual algumas poucas pessoas detêm privilégios que não cabem aos demais". Trata-se, afirma, de um modelo herdado da civilização portuguesa e que não desapareceu com a Proclamação da República, a separação da Igreja do Estado e a criação do jogo do bicho, no Rio de Janeiro. "No sistema português, religiosos eram julgados pelo Direito Canônico e os nobres e ministros tinham foruns privilegiados". Para DaMatta, os sinais mais evidentes desse modelo são o paternalismo do serviço público e os privilégios de determinados setores do Judiciário. "Nosso problema maior é a igualdade, civilizar o espaço público e cuidar bem do dinheiro que é de todos".
Já o sociólogo Chico de Oliveira atribui a corrupção à própria essência do sistema capitalista. "A grande corrupção não se dá no interior do Estado, ela se dá na relação entre o Estado e o mercado. Ocorre que o pensamento econômico contemporâneo absorveu a corrupção praticada pela iniciativa privada e a transformou em competitividade". Oliveira não poupa os sindicatos, que tendem a se corromper na medida em que se desviam de suas funções originais e expandem seus poderes para outras áreas da economia.
Para o historiador Marco Antonio Villa, a corrupção tornou-se mais presente no Brasil após a Proclamação da República, com "picos" durante o Estado Novo (década de 30), mas até meados da década de 80 não era um fenômeno de proporções endêmicas como hoje. O historiador acredita que providências contra a corrupção deveriam ter sido adotadas quando da redemocratização do país após o fim do regime militar, o que não foi possível em razão da doença do presidente eleito Tancredo Neves e a posse do então vice, José Sarney, representante das forças mais conservadoras. Villa não concorda com a tese de uma herança colonial portuguesa. "É querer imputar ao outro o problema que é nosso". Ele critica o que considera uma falta de politização da sociedade. (GM)
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