sexta-feira, 6 de julho de 2012

Será que o Mercosul bateu no teto?


Por Humberto Saccomandi
Quando o Mercosul suspendeu o Paraguai, muitos paraguaios reagiram com ameaças de deixar o bloco, acusando-o de contribuir pouco ao desenvolvimento do país. E eles têm razão. O Mercosul, como está hoje, é principalmente uma reserva de mercado para a indústria local. Mas só o Brasil e, em escala muito menor, a Argentina têm indústria a proteger. Isso aliena os demais países da América do Sul e ameaça deixar o bloco menos atraente e menos dinâmico que a embrionária Aliança do Pacífico.
O Mercosul "não trouxe os resultados esperados ao Paraguai", disse na semana passada Hugo Saguier, o embaixador paraguaio na OEA, acrescentando que "90% da população paraguaia optaria pela saída do Mercosul".
Em blocos regionais com grandes assimetrias entre os sócios, países pequenos vão se integrando à estrutura produtiva dos grandes, formando assim uma única área econômica maior. Isso aconteceu na União Europeia (UE), onde Áustria ou República Tcheca, por exemplo, gravitam em torno da poderosa Alemanha. Mas, após mais de 20 anos, pouco, quase nada, disso aconteceu no Mercosul.
"O Mercosul não funciona para países pequenos"
E por que uma empresa se instalaria num país pequeno, distante dos grandes mercados consumidores? Em geral, esses países oferecem vantagens, como benefícios fiscais, impostos menores, uma administração pública mais ágil, menos burocracia, custo de vida menor do que nas grandes metrópoles e, portanto, salários mais baixos.
Nesse sentido, pode-se dizer que o Paraguai é vítima de si mesmo. O processo relâmpago que levou ao impeachment do presidente Fernando Lugo, afastado há duas semanas, escancarou a fragilidade institucional do país. Com insegurança jurídica, corrupção elevada, baixa escolaridade e infraestrutura ruim, o Paraguai não é um lugar convidativo para fazer negócios.
Mas, no caso do Uruguai, é bem diferente. O país é estável e seguro, tem instituições sólidas, população com boa formação escolar, boa infraestrutura e uma política ativa de atração de investimentos. E, ainda assim, é possível contar nos dedos o número de empresas que lá se instalaram visando os mercados de Brasil e Argentina.
"Não houve a entrada de indústrias. Pensávamos que isso iria ocorrer, mas não aconteceu, pois tanto o Brasil como a Argentina adotam uma série de barreiras não tarifárias. Por que uma empresa vai vir para o Uruguai? Para ter dor de cabeça para exportar?", disse María Dolores Benavente, economista da Câmara Nacional de Comércio e Serviço do Uruguai e presidente da Academia Nacional de Economia do país.
Um caso emblemático é o da chinesa Chery, que monta um veículo utilitário no Uruguai com peças importadas da China. A empresa já ameaçou várias vezes deixar o país devido às barreiras às suas exportações. Segundo a Câmara das Indústrias Automotivas do Uruguai, a Argentina não respeita o acordo automotivo bilateral e restringe a entrada de veículos. A Chery optou por abrir uma fábrica no Brasil, que deve estar pronta em 2013. A empresa diz que manterá a operação no Uruguai, mas os uruguaios estão pessimistas.
"O Mercosul não funciona para países pequenos. Nós não conseguimos atrair investimento de terceiros países. É muito diferente da UE, onde os países grandes se preocuparam com os pequenos", disse Benavente. "As exportações do Uruguai se multiplicaram por cinco desde a criação do Mercosul. As da Argentina e do Brasil se multiplicaram por sete ou oito. Já as exportações do Chile, parâmetro para quem está fora do bloco, se multiplicaram por nove nesse período. Isso quer dizer que o Mercosul desviou comércio do Uruguai, mas não criou comércio novo."
Segundo ela, as empresas brasileiras e argentinas que se instalaram ou compraram operações no Uruguai o fizeram não por causa do Mercosul, mas de olho no mercado global, pois atuam em geral em setores nos quais o país é tradicionalmente competitivo, como soja e carne.
"Abrir-se para a região é bom, mas só se a região não se fechar para o mundo, senão estaremos importando ineficiência", conclui Benavente.
O Chile percebeu há tempos essa armadilha, decidiu ficar de fora do Mercosul e abrir a sua economia ao mundo, em vez de se fechar para proteger uma indústria que não tinha, beneficiando os vizinhos.
O raciocínio é simples: o Chile sabe que nunca vai produzir automóveis, pois não tem escala, mercado nem cadeia de fornecedores. Veículos, porém, são um insumo importante para a economia. Por que, então, entrar numa associação comercial que obrigaria o país a taxar veículos asiáticos, mais baratos e sofisticados, ou a comprar veículos brasileiros, mais caros e menos sofisticados? É melhor permitir a entrada de veículos asiáticos e, com isso, favorecer assim o investimento das empresas locais, buscando estimular o desenvolvimento de setores não tradicionais da economia, como o de laticínios, que vem crescendo bastante.
O Peru há dez anos começou a emular o modelo chileno, de abertura agressiva da economia, e hoje é o país que mais cresce na América Latina. A Colômbia, que tem um setor industrial relativamente importante, já fechou tratados comerciais com os EUA e a UE. Esses três países, junto com o México, criaram a Aliança do Pacífico, que pretende ser um bloco regional alternativo ao Mercosul, caracterizado por suas economias abertas.
Ainda é incerto o impacto que esse bloco terá para o comércio dos países-membros. Mas, para os países menores do Mercosul, o bloco tem tido peso declinante. No ano passado, as exportações uruguaias cresceram 18,1%. Mas as vendas para os principais sócios do Mercosul subiram menos (11,9% para o Brasil e 16,7% para a Argentina).
É discutível se a estratégia de abertura comercial agressiva favoreceria o Brasil. Mas parece cada vez mais evidente que ela beneficia os países sem base industrial forte. Isso deixa o Mercosul num dilema. A falta de competitividade da indústria brasileira e argentina inibe a abertura do bloco, que acaba atraindo apenas países como a Venezuela, cujo presidente prioriza seus interesses políticos ao interesse econômico do país. E, mesmo assim, não atrai nem todos os aliados políticos da região, já que a Bolívia e o Equador cortejam, mas ainda não aderiram. Com a Venezuela, o Mercosul, como está, pode ter atingido o seu teto.
Humberto Saccomandi é editor de Internacional. Escreve mensalmente às quintas-feiras

Nenhum comentário:

Postar um comentário