domingo, 1 de julho de 2012

A China e o despertar do Mercosul


A crise paraguaia acabou tendo efeito positivo sobre o Mercosul, uma construção que languidescia e, por isso mesmo, caminhava para a irrelevância, em um mundo que se move velozmente e está em transição em termos de equação de poder.
Por sugestão do presidente uruguaio, José Mujica, o grupo vai estudar como ampliar o seu alcance. Marco Aurélio Garcia, o assessor diplomático da presidente Dilma Rousseff, pensa alto: "Daria para incorporar países com um status que fique entre o de membro pleno e o de Estado associado?".
Como se sabe, membros plenos são apenas três (Argentina, Brasil e Uruguai), com um quarto suspenso (o Paraguai) e um quinto a ser integrado plenamente dia 31 de julho (Venezuela). Os Estados associados são Bolívia e Chile.
A incorporação plena é sempre um procedimento complexo, do ponto de vista técnico e político, daí a busca de algo intermediário que, ainda assim, fortaleça o bloco.
Fortalecimento que se torna urgente diante de duas novidades: primeiro, a criação da Aliança do Pacífico, que inclui três países sul-americanos (Colômbia, Peru e Chile), além de México, Costa Rica e Panamá.
Será inexorável rival do Mercosul no processo de integração regional, prioridade um da diplomacia brasileira desde o governo Itamar Franco, e mantida por seus sucessores.
O desafio maior, no entanto, vem da ofensiva chinesa sobre a América Latina, anunciada em discurso na Cepal do primeiro-ministro Wen Jiabao. Alicia Bárcenas, a secretária-executiva da Cepal, define o discurso como "um dos fatos mais significativos da conjuntura em nossa região". E tem toda a razão.
Pena que o espaço impede detalhar tudo o que o dirigente chinês está propondo como "associação de cooperação integral entre a China e a América Latina", sendo que o "integral" aí não é mera retórica.
A China quer, por exemplo, elevar o fluxo comercial dos US$ 241,5 bilhões de 2011 para US$ 400 bilhões em cinco anos.
A China já se tornou o principal exportador para o Paraguai; o segundo maior para Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Venezuela; e o terceiro para Uruguai e Bolívia.
A nova ofensiva portanto coloca para o Brasil e seus parceiros sul-americanos o desafio que Marco Aurélio Garcia traduz assim: "Queremos que esse mercado gigantesco que é a América do Sul seja tomado por quinquilharias e manufaturados vindos de fora ou pelos produtores da própria região?".
Dispensável dizer que o governo brasileiro prefere a segunda hipótese, mas ela não ocorrerá por inércia.
Demanda um formidável esforço integrador e de convergência de políticas econômica, que estão fora do radar no momento, pela catatonia do Mercosul e pelo caráter essencialmente político da Unasul (União das Nações Sul-Americanas).
É bom ter presente que, em outras áreas do mundo, como a África, a ofensiva chinesa tem sido muitas vezes predatória.
Cabe à América do Sul -e o Brasil é o único em condições de liderá-la- separar sabiamente o que é útil na aproximação maior com a China e o que é prejudicial.
Clóvis Rossi
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno "Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às sextas no site.

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