segunda-feira, 16 de julho de 2012

Não vou me adaptar


Quem vive mais de um ano no exterior pode achar difícil se reacostumar ao Brasil. Como superar o estranhamento

NATÁLIA SPINACÉ
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OUTRA PRAIA  Stephany no litoral  de Santos. De volta  do Japão, ela diz que acha tudo pior aqui (Foto: Marcelo Min/Fotogarrafa/ÉPOCA)
Voltar a morar no Brasil era o grande sonho da estudante Stephany Yogi, de 26 anos. Ainda adolescente, ela foi morar no Japão para trabalhar e conseguir dinheiro para pagar os estudos numa universidade particular paulista. Depois de sete anos no exterior, voltou ao país há um mês. O retorno não foi como imaginava. No lugar da empolgação por rever a família e da expectativa com o futuro, Stephany diz que o melhor parece ter ficado no Japão. “Comparo tudo, sempre. Tudo lá era organizado, limpo. As pessoas, pontuais. Lá, tudo é superior”, afirma. 
Stephany tem os sintomas clássicos da síndrome do regresso. É o nome de um conjunto de sentimentos, como medo ou dificuldade para assimilar as diferenças entre as culturas, que as pessoas que viveram no exterior por pelo menos um ano tendem a sentir quando voltam para casa. A expressão foi cunhada pelo psiquiatra brasileiro Décio Nakagawa,
que morreu no ano passado, aos 60 anos. Nascido no interior de São Paulo, filho de japoneses e morador da Liberdade, bairro da comunidade nipônica paulistana, atendeu muitos brasileiros recém-chegados do Japão. E começou a perceber características comuns a todos.
Dos 30 anos como psiquiatra, Nakagawa dedicou os últimos 15 a estudar o comportamento dessas pessoas. Segundo seus estudos, alguém leva em média seis meses para se adaptar a uma cultura nova, e dois anos para se readaptar ao próprio país. Ele não publicou nenhum trabalho sobre a síndrome, mas os pacientes acabaram tornando seu trabalho conhecido além da comunidade.
Os estudos de Nakagawa nunca foram tão oportunos. Os dados mais recentes mostram que, desde o início da crise global, em 2008, 16% dos brasileiros que foram morar no exterior voltaram ao país. Com a economia desaquecida lá fora e o crescimento do Brasil, o Itamaraty afirma que a tendência é que esse número seja maior no próximo relatório do órgão, que deverá ser divulgado em agosto, com dados dos últimos dois anos. Por causa do volume de repatriados, o Itamaraty preparou o Guia de retorno ao Brasil, distribuído nas embaixadas, com informações básicas ao recém-chegado: onde morar, onde procurar ajuda etc.
A mulher de Nakagawa, a psicóloga Kyoko, que também estuda o tema, diz que, segundo o marido, o mais importante era que todos precisam se preparar para a volta. “Existe a ilusão de que não é preciso se adaptar a seu país de origem”, diz. “Não é verdade.” Quando vai embora, o expatriado passa por uma série de mudanças profundas. Ele incorpora novos comportamentos e valores, muda o modo de pensar e até de sentir. Mas se dá conta disso apenas quando volta ao país de origem.
O expatriado volta e percebe que as coisas não estão como tinha idealizado. “Isso, somado à mudança que aconteceu lá fora, provoca um choque”, diz Sylvia Dantas, coordenadora do Núcleo de Orientação Intercultural da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “É um sentimento contraditório, porque o indivíduo quer se sentir em casa, mas não consegue.”
A administradora de empresas Carolina Pieroni Celli, de 27 anos, morou dez na Holanda. Voltou para o Brasil em agosto do ano passado. Só neste ano conseguiu sair sozinha à noite. “Antes, se ninguém podia sair comigo, ficava em casa. Tinha medo da violência, de que alguma coisa acontecesse. Isso não existia na Holanda”, diz.
Carolina conseguiu superar esse medo sozinha. Há quem procure ajuda profissional para cuidar do problema. A maior parte dos casos é simples, e a pessoa consegue se adaptar. Mas há também casos extremos que exigem mais dedicação. Uma das pacientes da psicóloga Maria Teresa Vargas, que morou nos Estados Unidos e na Europa por cinco anos, voltou ao Brasil e não conseguiu sair de casa por seis meses. Outra, que viveu 12 anos na Alemanha, tentou a readaptação por dois anos, sem sucesso, e voltou para a Europa. Para quem enfrenta dificuldades sérias, o Núcleo de Orientação Intercultural da Unifesp (intercultural@unifesp.br) e o Núcleo de Informação e Apoio a Trabalhadores Retornados do Exterior (isec.org.br) oferecem atendimento gratuito em São Paulo.
NO MEIO DA RUA Carolina, em Campinas.  Ela passou meses com medo de sair sozinha à noite (Foto: Camila Fontana/ÉPOCA)
Não existe uma fórmula segura para que a readaptação seja bem-sucedida. Algumas atitudes podem facilitar o retorno: mudar a rotina que você mantinha no exterior, cultivar ou retomar contato com amigos que ficaram no Brasil antes de voltar e ter paciência para se encaixar nesse círculo social no retorno (leia mais dicas no quadro abaixo). Quem recebe um amigo ou parente que morou fora por muitos anos também tem de dar aquela forcinha.
8 dicas para se adaptar
1. Voltar é mais difícil que ir. É preciso estar consciente de que o processo de readaptação existe e ninguém escapa dele, em maior ou menor grau
2. Considere que as pessoas e o país não corresponderão a sua expectativa. Assim como você, o país e as pessoas que deixou para trás também mudaram
3. Ter paciência para refazer os laços afetivos com os amigos e familiares
é fundamental. São eles que o ajudarão a se sentir em casa novamente
4. Integrar-se nas conversas dos velhos amigos, mesmo que o assunto pareça desinteressante. Com o tempo, essa sensação tende a desaparecer
5. Quando for embora, manter contato com os amigos que deixou no Brasil. Quando voltar, continuar cultivando as amizades que fez no exterior. Nos dois casos, elas funcionarão como referência
6. Observar os pontos positivos de seu país. Parece óbvio, mas é algo difícil para quem volta e exige esforço
7. Não tentar manter a mesma rotina que tinha no exterior. Novos hábitos podem ajudar no processo de readaptação
8. Matricular os filhos em escola bilíngue ajuda na adaptação, além de aproximar a família de pessoas na mesma situação
Os sintomas da "síndrome do regresso"
Existem cinco sintomas típicos de quem enfrenta a volta ao próprio país 
Os sintomas da "síndrome do regresso" (Foto: reprodução/revista ÉPOCA)

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