quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Jogo de contrapesos


Por Denise Neumann e Sergio Lamucci | De São Paulo
Se 2011 começou com a preocupação de desmontar o arsenal de medidas que levaram ao crescimento exagerado da demanda no ano anterior, 2012 se inicia com a preocupação de reestimular a economia e criar um contraponto à recessão que se configura na zona do euro. O desafio de acelerar a atividade econômica, contudo, se desenha mais difícil para a equipe da presidente Dilma Rousseff do que a tarefa imposta no início deste ano.
Há 12 meses, em 3 de dezembro de 2010, o Banco Central adotou a primeira medida do conjunto de ações que viriam a ser conhecidas como "macroprudenciais" e elevou de 8% para 12% o adicional do compulsório sobre depósitos à vista e a prazo. Seis dias depois, o país conhecia o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre, que já estava em 7,5% no acumulado de quatro períodos, mas a taxa Selic ficou estável. A primeira alta - de 0,50 ponto - viria na reunião seguinte, depois seguida por outras quatro, as três últimas de menor intensidade. Em fevereiro, o governo anunciou um corte de gastos de R$ 50 bilhões, indicando que a política fiscal seria uma grande aliada do controle monetário.
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A desacelaração funcionou, mas revertê-la tem aliados e "inimigos". A inflação persistente, alimentada por serviços, a desaceleração mais forte do investimento do que do consumo e o menor crescimento mundial complicam a gestão do ano novo. Do outro lado da gangorra, a demanda interna ajudada pelo novo aumento do salário mínimo, as obras de infraestrutura e as concessões visando Copa do Mundo e Olimpíada, os investimentos no pré-sal e os juros reais em queda, caminhando para as menores taxas em muitos anos, serão fortes muletas para a intenção do governo de crescer perto de 5% em 2012. Os economistas em geral acham essa taxa muito alta, e temem que, para alcançá-la, o governo abandone a aliança de política monetária e fiscal adotada neste ano e coloque, de novo, uma contra a outra.
O Bradesco está com uma previsão "otimista" para o crescimento em 2012. Nas contas da instituição, o país vai crescer 3,7% no próximo ano, uma previsão que tem "viés de alta", segundo o diretor do departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da instituição, Octavio de Barros. Deste crescimento, 0,4 ponto virá do impacto do salário mínimo na economia brasileira, que vai injetar R$ 59,6 bilhões no consumo.
Além da demanda incentivada pela renda, 2012 terá afrouxamento monetário (a Selic recua até 9,5%), reversão parcial das macroprudenciais e a volta do investimento público, no cenário traçado por Barros. "E não projetamos abandono dos investimentos privados." Ele prevê um aumento de 7,8% no investimento dentro do PIB e usa, como um dos parâmetros para suas previsões, um levantamento próprio de anúncios de investimentos feitos por empresas de todos os setores. Na média do primeiro semestre, foram 142 anúncios mensais, número que caiu para 135 na média de julho a novembro.
Na visão do grupo de conjuntura do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), o investimento ajudará menos o país em 2012 - ele crescerá 5,9% e o PIB ficará colado nos 3%. "Em períodos de incerteza - e os índices de confiança da indústria mostram um maior pessimismo -, os investimentos são postergados. É uma variável muito volátil", diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre.
Por outro lado, diz, as intenções de elevar o investimento público e de cumprir a meta "cheia" de superávit primário (equivalente a uma economia de 3% do PIB para pagar juros da dívida) são quase incompatíveis. Nas contas de Silvia, o resultado fiscal de 2012 ficará em 2,5% do PIB, abaixo do prometido e dos 3,2% do PIB esperados para 2011. Para ela, parte do conflito BC X Fazenda - ou política monetária X política fiscal - na condução da economia já voltou neste fim de ano.
No discurso, Dilma e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, têm insistido que o superávit fiscal será cumprido, mas a intenção de crescer 5% em 2012 aparece com mais frequência e ênfase no discurso de ambos, e algumas benesses fiscais já foram dadas. "Eu espero que a estratégia de reaquecimento seja mais monetária", diz Silvia. Nas contas do Ibre, explica, uma inflação de 5,1% no IPCA, já considerando as novas ponderações do índice, é compatível com um crescimento de 3%. Ir atrás de um ritmo maior, será inflacionário no próximo ano.
Se ao desaquecer a economia do forte crescimento de 7,5% em 2010 para algo perto de 3% em 2011, o governo não conseguiu trazer a inflação para baixo - o IPCA encerrou o ano passado em 5,9% e, apesar de todo o aperto monetário, subiu para um percentual colado ao teto da meta, de 6,5% -, obter o recuo com o movimento inverso pode ser mais difícil. Para Emerson Fernandes Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada (Cemap) da Escola de Economia de São Paulo (EESP-FGV), a inflação ainda é um problema e não está caminhando para o centro da meta de 4,5%, como avalia o governo. "Em fevereiro ela já apontava que ia alcançar o teto da meta e continuou pressionada ao longo do ano". Para ele, a demanda pressionou os preços e parte dessa pressão vai continuar presente em 2012. "Parte da demanda está concentrada no lado errado [dos serviços], em um segmento de baixa produtividade."
Mesmo identificando uma distribuição desigual da demanda, Marçal não avalia que o "conserto" deva ser feito por estímulos fiscais ao setor industrial. "Se o governo ajustar o fiscal, controlando suas despesas, ele alivia a política monetária, o que ajudaria a recompor um pouco a taxa de câmbio, e, em consequência, a indústria e os exportadores", diz o professor da EESP, em referência ao efeito positivo que uma redução maior da taxa de juros traria à economia. O problema, diz ele, é que o fiscal já começa "complicado", com novas pressões no orçamento, como as decorrentes do aumento do salário mínimo.
Uma expansão fiscal exagerada pode tirar espaço para quedas adicionais de juros, mas alguns analistas também ressaltam que o ritmo mais forte de gastos públicos dará um impulso à atividade. As despesas de União, Estados e municípios devem se acelerar em 2012, o que também ajudará a estimular a recuperação da economia. O Itaú Unibanco, por exemplo, espera que as despesas não financeiras da União cresçam 8,5% no ano que vem, já descontada a inflação, bem mais que os 3,4% esperados para este ano.
De todas as variáveis que mais podem complicar a economia brasileira em 2012, o cenário externo é o que mais tem consenso entre os economistas. Para Barros, do Bradesco, a crise externa vai tirar 1,5 ponto percentual do crescimento do PIB mundial no próximo ano. Esse fenômeno é acompanhado de um excesso de produção de manufaturados, que migram para o Brasil, onde a demanda ainda cresce. "Esse é o problema da indústria", observa Barros.
Para Marçal, em um cenário de crise mais forte - que afete também os EUA - o PIB brasileiro caminha para o cenário pessimista traçado pelo Centro de Macroeconomia da EESP, que embute uma alta de 2,5% no PIB. "A propagação viria pela contenção do crédito externo e perda de exportações."
A maior parte dos economistas trabalha com recessão na zona do euro em 2012, mas não contempla um quadro de ruptura na Europa, com saída de um ou mais países do euro ou quebra de grandes bancos. Nesse cenário, os preços de commodities tendem a ficar abaixo da média registrada deste ano, mas não sofrerão um colapso. Com isso, o saldo comercial brasileiro, sustentado principalmente por produtos primários, teria uma queda considerável, mas não derreteria, passando dos US$ 29 bilhões estimados para este ano para US$ 15 bilhões a US$ 20 bilhões no ano que vem.
Do ponto de vista da inflação, as commodities um pouco mais baratas em 2012 podem dar alguma ajuda para a tarefa do BC de trazer os índices de preços para baixo, embora essa contribuição deva ser limitada. De qualquer modo, podem significar alguns décimos a menos para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

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