IVAN MARTINS
13/04/2016 - 07h42 - Atualizado 14/04/2016 13h20
Tive uma professora de português na sétima série que costumava insistir em algo que considerava fundamental nas redações: quando e como colocar o ponto final. Não se pode, dizia ela, escrever uma frase qualquer e decretar que aquele era o fim de um texto. É preciso construir um final que faça sentido com o que veio antes, ela insistia, algo que dê ao leitor a sensação de conclusão.
Lembrei dessa professora na manhã de segunda-feira, quando uma moça eu conheço ligou para me contar que havia levado o fora por WhatsApp. A situação entre ela e o namorado andava ruim, e ele decidiu que não era preciso se apresentar pessoalmente para encerrar a relação. Mandou a mensagem, deixou a moça estarrecida e desligou o celular. Uma espécie de “matou a mãe e foi ao cinema”.
Acho esse tipo de coisa deplorável. Assim como a minha professora, prefiro pontos finais elegantes. Mas sei, por experiência própria, que às vezes somos tentados – e levados por emoções conflitantes – a agir de forma abrutalhada. Homens e mulheres. Faz algum tempo, eu mesmo tive uma troca de mensagens desse tipo.
Começou como discussão civilizada, virou cobrança irritada e logo estávamos – eu e a moça – disparando frases duras e definitivas. Teria acabado assim, por WhatsApp, se eu não tivesse a iniciativa de telefonar. Liguei, ela atendeu chorosa, eu disse: “Não faz sentido terminar com uma mensagem. Ao menos diga o que tem para me dizer”. Ela disse algo muito mais suave do que aquilo que escrevera, eu respondi de maneira ainda mais conciliadora. A conversa prosseguiu na medida dos nossos sentimentos, não do impulso destrutivo das mensagens. Trocamos o ponto final por uma reticência.
É fácil criticar quem termina um relacionamento por mensagem de celular, mas, às vezes, as pessoas fazem pessoalmente coisas bem extravagantes. como ocorreu recentemente com uma amiga minha.
Depois de sair com um cara por algum tempo, ele apareceu com o mapa astral dela – tinha perguntado data, local e hora do seu nascimento – e uma conclusão irrevogável: de acordo com a astróloga dele, os mapas dos dois não combinavam. Era inútil prosseguir, ele disse. A relação estava em contradição com os astros. A amiga olhou bem para a cara do sujeito e perguntou, só para ter certeza: “Você está me dando o fora por causa do meu mapa astral”? “Sim”, ele respondeu. “Tenho certeza de que a gente não vai funcionar”.
Não riam, por favor.
É evidente – na minha opinião - que ele não estava encerrando o relacionamento por causa do horóscopo. Essa foi a forma que ele encontrou para racionalizar seu desconforto.Algo na relação não estava funcionando para ele. Se fosse evangélico, talvez viesse com a opinião do pastor. Se fizesse psicanálise, encontraria uma explicação com o seu analista. Tenho um amigo que queria acabar com um relacionamento e a maneira que achou para resolver o problema foi recorrer a um psicólogo. Explicou a situação sucintamente e concluiu: “Se eu continuar com ela, vou ter um filho. Depois vou me arrepender. Me tira dessa, por favor”. O cara tirou.
Podemos rir ou chorar do teatro da vida dos outros, mas para mim é claro que todo fim de relacionamento costuma ser coerente com a história da própria relação. Ou pelo menos com a personalidade das pessoas envolvidas. Amores tumultuados terminam em tumulto, amores delicados tendem a terminar com delicadeza. Pessoas apegadas e amorosas ao longo do relacionamento são assim também no final. Gente que tinha com o parceiro (e com a vida) uma relação essencialmente prática, chegará ao fimcom relativa frieza, sem olhar para trás. É possível prever como as coisas acabarão pela forma como elas se desenvolveram.
A amiga que levou o fora por WhatsApp me disse que o namorado sempre fora avesso a assumir o compromisso. Estivera com ela por anos, mas apenas parcialmente. A mim não surpreende que ele saia da vida dela como quem deixa um bilhete no criado-mudo. É chocante, mas emocionalmente coerente com aquilo que viveram.
Quando duas pessoas estiveram profundamente envolvidas uma com outra, quando houve um sentimento mútuo ligando corpos e mentes, quando isso se transformou em alguma espécie de compromisso e vida comum, as coisas não acabam assim – com um tchau por WhatsApp ou com o desaparecimento de uma das partes, que costuma ser ainda mais comum.
Ao longo de uma relação verdadeira, o outro se torna parte da gente, de uma maneira que, embora subjetiva, é clara e evidente. O parceiro está emocionalmente conosco em toda parte, mesmo (e talvez sobretudo) quando o enganamos. Se desligar dele, quando a relação de alguma forma termina, é um processo complicado e doloroso. No período de tristeza que se segue, ele ainda faz parte da nossa vida. No banho, no trabalho, na hora de lavar os copos depois da festa. Uma relação importante não termina com uma mensagem de texto ou com um telefonema.
Estou errado?
Às vezes, por tudo que foi vivido, as pessoas nos devem alguma espécie de satisfação. Em outras ocasiões, nós apenas gostaríamos de ter sido importantes ou estar mais tempo na vida delas. Pode haver um abismo - ou apenas uma fenda - entre as nossas fantasias e aquilo que nos foi dado experimentar. É importante perceber essa distância e não se colocar no papel melancólico de vítima.
Sempre será indelicado desaparecer ou mandar um adeus de 140 caracteres. Sempre será mais madura e mais humana uma conversa frente a frente, com alguma espécie de encerramento. Mas é fácil antecipar, pela forma de agir do outro, quando não haverá esse momento.
Se a vida não oferece um ponto final, talvez esteja dizendo que aquilo que nos aborrece não passou de uma vírgula.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2016/04/um-adeus-por-whatsapp.html
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