IVAN MARTINS
05/02/2014 10h23 - Atualizado em 05/02/2014 11h00
Muitas mulheres que eu conheço já passaram pela mesma situação: em viagem pela Europa, a moça diz que é brasileira e seu interlocutor abre um sorriso de quem ganhou na loteria. O que se segue, frequentemente, é uma conversa desagradável, em que o cara se oferece descaradamente e a moça, meio desconcertada, tenta corrigir o mal entendido. Quando, afinal, recebe um não peremptório, o sujeito se finge perplexo: “Mas eu pensei que as brasileiras gostassem de sexo...”
Sempre foi minha impressão que esse tipo de atitude partia de homens ignorantes, aquele tipo de europeu sem instrução que sonha em fazer turismo sexual no Brasil e acha que toda jovem brasileira está interessada no pouco que ele tem a oferecer. Na semana passada, os fatos deixaram claro que não é assim.
Por causa de uma eleição estudantil, alunos estrangeiros da Universidade de Coimbra, em Portugal, fizeram uma campanha para divulgar as agressões que sofrem na escola. A coisa é feia para o lado das brasileiras. Professores imitam seu sotaque para falar das “garotas de programa”; professoras aconselham que elas “se comportem” para não reforçar a imagem de mulheres fáceis; colegas fazem piadinhas obscenas em torno delas. Ouvir insultos de um bêbado numa estação de trem às 10 da noite é uma coisa. Ouvi-los em sala de aula, da boca de professores, é inaceitável.
Como eu não estudo em Coimbra, e nem pretendo, deixo aos envolvidos (e ao Itamaraty...) a tarefa de lidar com esse rompante de xenofobia acadêmica. O que me importa é tratar da imagem das brasileiras no exterior, e o que ela diz sobre nós e o nosso país.
Não sei como ganhou mundo essa história da brasileira fácil, mas não é difícil imaginar. Durante o carnaval, TVs de toda parte exibem passistas deslumbrantes usando tapa sexo e mais nada. Você e eu conhecemos o contexto do espetáculo. Sabemos que Sabrina Sato e Aline Riscado são artistas e que aquilo é parte do trabalho delas. Mas quem vê do outro lado do Atlântico e não tem muitas luzes, pode imaginar diferente. Pode achar que as brasileiras andam peladas e sorridentes nas ruas do Rio e de São Paulo. Não tem cabimento, claro. É um tipo de generalização burra, mas há burros em toda parte, em alguns lugares mais do que em outros.
O grande número de prostitutas e travestis brasileiros na Europa também contribui para essa imagem distorcida - e não há nisso nada de inédito ou extraordinário. No passado, quando a Europa era um continente faminto, jovens francesas e polonesas se espalhavam pelo mundo para ganhar a vida, e viraram sinônimo de putas. Hoje são russas, assim como as brasileiras e asiáticas, que ocupam esse mercado e arcam com a má reputação.
Eu poderia parar por aqui, atribuindo a imagem das brasileiras a uma conspiração de mídia carnavalesca e travestis do Bois de Boulogne, mas isso seria falso e deixaria de lado algo essencial.
Acho que por trás da lenda da brasileira que dá existe um grau de verdade. As nossas mulheres são de fato sexualmente mais livres do que outras. Entre nós, a camada de repressão e vergonha, que em toda parte reveste a sexualidade feminina, talvez seja mais fina. O machismo brasileiro não produziu mulheres castradas, medrosas, pudicas. Dele emergiram, no século XX, garotas sexualmente ativas e independentes. A libido feminina entre nós é forte. Existe um erotismo na cultura feminina brasileira semelhante ao erotismo dos homens, e talvez seja essa a nossa grande virtude: enquanto em outras culturas há um abismo entre o comportamento sexual das mulheres e dos homens, aqui a diferença é menor, embora ainda seja notável.
Dou um exemplo: uma amiga brasileira vivendo em Barcelona cansou de ouvir, em festinhas, a roda de mulheres reclamar dos maridos que queriam fazer sexo toda hora. Minha amiga, espantada, tinha vontade de perguntar do que, exatamente, elas estavam se queixando, mas calava-se. “Eu achava aquilo um absurdo, mas percebi, rapidamente, que não pegava bem uma mulher mostrar que gosta de sexo”. Acho que essa historieta real ilustra a diferença de culturas e de comportamentos.
Isso não significa, evidentemente, que as brasileiras saem por aí dando para todo mundo, como supõem os imbecis. Nem que todas as brasileiras, do ponto de vista do sexo, se comportem de forma igual. Mas me parece tranquilo afirmar que, dentro ou fora do Brasil, nossas mulheres gozam de liberdade interior para fazer sexo quando e com quem acharem que é o caso. E isso é bom. Não se pode estar no século XXI e achar que as mulheres não têm desejo ou que não têm direito a manifestá-lo ou exercê-lo. Sem a liberdade sobre o corpo, nenhuma outra liberdade subsiste.
Nem todos percebem a situação assim, naturalmente. Liberdade sexual não combina bem com mentalidades atrasadas. Quanto mais machista for o lugar, quanto mais reprimida a sexualidade das mulheres, mais escândalo provoca a possibilidade do seu comportamento livre. Onde a repressão e a ignorância predominam, a liberdade ofende. É uma regra inescapável.
Mas eu imagino que no futuro, quando o Brasil for um país menos pobre, e, portanto, vítima de menos preconceitos, a liberdade sexual da cultura brasileira será percebida, no mundo inteiro, como parte de um jeito de viver melhor e de ser mais feliz. Um povo que celebra o próprio corpo e não se envergonha da sua sensualidade é um povo melhor. Um ou outro professor na Universidade de Coimbra, ou na Universidade Rei Abdullah, na Arábia Saudita, pode discordar - mas, francamente, quem se importa com eles?
Ivan Martins escreve às quartas-feiras.
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