quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A vida como ela é

Ainda que nem sempre nos demos conta, todos os dias o mundo a nossa volta nos convida a contemplar as evidências da passagem dos anos, a partir da reflexão a respeito de hábitos e objetos que caíram em desuso ou então que se extinguiram de maneira natural. Foi assim, por exemplo, com a antes onipresente máquina de escrever, até que perdesse seu reinado de décadas como utensílio indispensável para o postulante computador pessoal e seu mirabolante editor de texto digital, que assegurava nada menos do que a possibilidade ilimitada de erros de datilografia; ou, mesmo antes disso, com a caneta tinteiro, compulsoriamente aposentada pela escrita suave, prolongada e asséptica das esferográficas.
De maneira análoga, hoje pela manhã, uma breve passagem pelo aeroporto me fez atentar para o processo de paulatina extinção ao qual se submete um costume que, durante muito tempo, representou em nossa sociedade o suprassumo da anarquia e da liberdade de expressão: o ato de escrever mensagens em portas de banheiro. Lembro-me com carinho dos áureos dias em que, ainda criança, recorria a esta verdadeira bíblia do lado selvagem da vida para compreender toda gama de temas que a TV, meus pais e a escola tentavam encobrir.
Era nos compartimentos individuais dos sanitários de shoppings, cinemas, clubes, restaurantes de reputação duvidosa e afins – graças a sagacidade daqueles que se dividiam entre satisfazer suas necessidades fisiológicas e o anseio por expressão – que recebíamos esclarecedoras lições sobre anatomia humana, vocabulário de baixo calão e a reputação condenável de desconhecidos. Podem me tachar de saudosista, mas confesso que me ressinto de não mais viver numa época em que uma das piores ofensas que se podia fazer a alguém era associar, na porta de um banheiro público, seu nome e telefone a práticas sexuais pouco ortodoxas.
Claro que não se pode esquecer das mensagens de caráter político, aos moldes deste hoje em dia raríssimo exemplar registrado na foto que ilustra o post, em que o autor sugere uma invasão norte-americana como solução para  ”melhorar” o Brasil, e que contou, inclusive, com a discordância em fora de réplica de um outro usuário do mesmo vaso. Concordemos ou não com a opinião do sujeito, reconheçamos, eis aí a beleza do exercício da democracia.
Assim como máquinas de escrever e canetas tinteiro, estes artesãos do conhecimento marginal também se tornaram obsoletos, cedendo lugar a um perfil que, ao contrário de seus antecessores, dispõe de inúmeras possibilidades para dizer o que pensa, e que talvez, por conta disso, acabou perdendo um pouco de sua relevância. Do alto do aconchego de seus lares, a salvo da caçada implacável de seguranças e serventes, este exército de opinadores, independente do grau de conhecimento que tenham sobre o tema, pode ser visto atuando em fóruns virtuais, postagens de Facebook e sessões de comentários de portais de notícia, quase sempre reforçando o argumento de quem, como eu, pensa que a internet se transformou num gigantesco banheiro de infinitas portas.

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