quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Galo sempre

Ainda bem que me restou algum juízo nos dias que se seguiram à conquista da América, quando sorvi no Bar do Salomão meu recorde pessoal de cervejas, na bolivariana companhia do meu xará Frederico. A pequena dose de lucidez que pude conservar foi a responsável por eu ter guardado a sete chaves o centímetro quadrado que sobrou do meu sabonete da Libertadores.

Já revelei o segredo da épica conquista: o sabonete de sal grosso presenteado por minha mulher, com o qual banhava os chacras antes de cada jogo. Com essa infalível tática de espantar a inhaca, julgava estar a um passo de botarmos fogo nessa Marrakesh e pegarmos todos umas prisões perpétuas.

Antes da peleja de ontem, prevendo a batalha que viria a ser, revi o tal sabonete, protegido de intempéries no fundo do meu nécessaire desde o glorioso 24 de julho, data que precede a alforria atleticana.

Cuidando para que não descesse pelo ralo, mentalizei o santo escorregão daquele atacante do Olimpia, concentrei-me na figura determinada do Baggio paraguaio, lembrei-me de que o juiz autorizou e Riascos partiu pra bola. Eu sabia, tava sentindo: os deuses iam precisar de novo puxar o tapete do inimigo. Agora me pergunto: onde eles estavam no dia de ontem?

O atleticano é como o proletariado: para ele não tem vida fácil. Enquanto outros enfrentaram os Guangzhous da vida, o Galo jogaria seu sonho contra mexicanos ou marroquinos. E calhou que fossem os últimos, o time local, que, empurrado pela barulhenta torcida, podia ser o Tupi de Juiz de Fora, seria complicado pra qualquer um.

E foi bem mais do que apenas complicado. Jogando um primeiro tempo sofrível, o Atlético assombrou a massa presente no estádio, que ocupava toda a extensão de uma das laterais do campo e espalhava-se por várias outras partes. Nem o redivivo grito de “Eu acredito”, entoado com a veia do pescoço pulando pra fora no início do jogo, deu conta de colocar um gás na equipe. Ronaldinho não rendeu, tampouco Tardelli. Foi de dar calo no olho.

Bem que Reinaldo tinha falado pra mim quando nos encontramos apertados numa fila sem fim – espremidos como a lata de sardinha do velho Mineirão –, numa desorganização danada na hora de entrar no estádio. “É o Galão da massa”, me disse o Rei. “Se não sofrer, não vale.”

No intervalo com a cara daquele da decisão contra o Olimpia, no Mineirão, o torcedor rezou pro Cuca dar um jeito na encrenca. Era preciso confiar nas suas qualidades de dr. Scholl. O segundo tempo haveria de ser um colírio pra estes nossos olhos cansados de guerra.

Mas tudo aconteceu ao contrário. O gol salvador de Jô, no iniciozinho do segundo tempo da final da Libertadores, virou o gol do Raja. A cobrança perfeita de Ronaldinho, empatando o jogo, não conseguiu transformá-lo na virada épica do time do amor. La Canhota de Dios desta vez escolheu o canto errado. E a eliminação ridícula, com jeito de Mazembe, se deu com ares de baile no final.

Foi ridículo? Foi. De tão pífia atuação, o atleticano foi deixando o estádio em Marrakesh sem tristeza nem revolta. Grato para sempre a esse elenco campeão, aplaudiu timidamente no fim. E, no acesso às avenidas que circundam a arena, bateu palmas também para os marroquinos, merecedores sem nenhuma dúvida da vitória que tiveram.

Só disputa e perde um jogo como esse, ainda que da maneira mais ridícula, quem antes se sagrou campeão. Em 2013, 2000 e Galo, o Atlético voltou a ser um gigante. Que o atleticano não se esqueça disso.

Da minha parte, o que posso dizer é: muito obrigado, ao time todo. Em 2014 a gente volta a Marrakesh. E se não voltar não importa: aqui é Galo – Galo sempre. Até a morte, e depois dela.

http://www.mg.superesportes.com.br/app/noticias/colunistas/fred-melo-paiva/2013/12/19/coluna_fred_melo_paiva,271802/galo-sempre.shtml

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