sexta-feira, 6 de abril de 2012

O fato de ela ser mulher

Dilma Rousseff é mulher. A obviedade ganhou profundidade depois da última pesquisa CNI Ibope. Além de apontar aprovação recorde da presidenta, de 77%, a pesquisa deixou claro também que o fato de Dilma ser a primeira presidente da República mulher tem consequências maiores do que se imaginava.
"Programas sociais e ações voltadas para mulheres" foi o assunto mais lembrado espontaneamente pelos entrevistados sobre o governo dela. Se Lula tinha seu carisma popular (misturando Tiririca com Getúlio Vargas), Dilma pode usar o fator feminino num país machista para sensibilizar o maior segmento da população e do eleitorado: o segmento feminino.

Mas Dilma parece pouco inclinada ao personalismo político até aqui. Governa com uma falta de carisma e pessoalidade que contrasta totalmente com seu predecessor e padrinho. Enquanto Lula fazia amigos numa viagem de elevador, Dilma tem fama de poucos amigos. Muito da tal crise política vem do fato de Dilma fugir dos aliados, enquanto Lula corria a abraçá-los.

Essa impessoalidade e rispidez no trato, tudo o que homens de marketing e comunicação não recomendam, agradam os brasileiros, já que eles aprovam a presidenta como nunca aprovaram um presidente. E quando Dilma trata mal os políticos, convenhamos, ela está totalmente alinhada com o desejo da imensa maioria.

Claro, a alta aprovação de Dilma está acima de tudo ligada à alta aprovação do modelo econômico capitalista consolidado no Brasil pelo PT, era isso também que mais explicava a popularidade de Lula.
Vivi o suficiente para saber que vivemos o melhor momento da história do Brasil. Os números atestam isso. O ânimo da população atesta isso. Outro dia outra pesquisa apontou os brasileiros como os mais felizes do mundo. A explicação é tão fácil: renda e emprego estão no pico, o país vive um momento transformador, a emergência do mercado interno brasileiro era o passo que faltava para o amadurecimento socioeconômico do país, existe a sensação de que finalmente encontramos um caminho para a prosperidade. E apesar dos enormes problemas e ineficiências, essa ascensão está apenas no começo, desculpem meu otimismo.

Dilma sucede dois presidentes, Lula e FHC, que eram os melhores quadros de seus grupos políticos e as maiores lideranças da geração pós-64. Sabiamente eleitos pelos brasileiros, os dois são os pais-fundadores do novo Brasil, capitalista e democrático.

Nessa narrativa épica de renascimento nacional, Dilma é uma personagem acidental. Não era política, está no cargo apenas pelo dedaço astuto de Lula.

Acidentalmente, ela governa o Brasil no pico de nossa força, o que é uma ironia da história e também é útil. Para que o sucesso brasileiro não seja creditado a Dilma, como o PT o creditava a Lula.

A falta de carisma e personalismo de Dilma ressalta que o sucesso do Brasil é dos brasileiros, não de um grupo ou de um líder político. Dilma marca essa transição para a normalidade. A normalidade dos gerentes.
O que chama atenção mesmo é o fato de ela ser mulher.

Sérgio Malbergier Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos "Dinheiro" (2004-2010) e "Mundo" (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha.com às quintas.

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