quinta-feira, 5 de abril de 2012

A musa de cabelos brancos

Me fez lembrar da minha professora sempre amada e idolatrada Ana Flávia!! Ah, as aulas de Macroeconomia II e as reuniões do PET nunca foram as mesmas quando ela estava lá!!!


O contraste entre o corpo vigoroso e os cabelos cor de prata era sensacional

IVAN MARTINS
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IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA (Foto: ÉPOCA)
Minha primeira impressão foi que ela se parecia com Christine Lagarde, a francesa que dirige o Fundo Monetário Internacional. Mas enquanto a economista famosa do Fundo é alta e magra, a mulher à minha frente, na sala de espera do ortopedista, era bem brasileira – pernas grossas, quadris largos – exceto pelos cabelos brancos, na altura do pescoço. Todo mundo sabe que não há brasileiras de cabelos brancos. Não antes dos 70 anos, quando a idade se torna indisfarçável. Mas esta mulher parecia ter menos de 50, era atraente e se movia como alguém muito segura de si. Puxei conversa e falei dos cabelos brancos. Ela riu, vaidosa, e contou que era uma novidade. Disse que as amigas criticaram, algumas pessoas estranhavam, mas ela estava feliz – ela, o marido e os quatro filhos.
Essa história parece de alguma forma tocante? A mim parece. Desde que eu tenho 20 anos, as mulheres à minha volta nadam num mar de tintura. Quando uma delas se rebela e reinventa a própria beleza, na contramão da Wellaton, eu aplaudo. Como jornalista, viajando, me acostumei a ver na Europa mulheres bonitas de cabelos brancos. Bem vestidas, bem tratadas, parecendo muito bem amadas, e de cabelos brancos. Aqui, não. De jeito algum. Como fio branco é anti-higiênico, para esconder meia dúzia deles as mulheres começam a pintar a cabeça inteira desde os 30 anos, senão aos 20 e poucos. Assim se vão, muito antes da hora, o brilho, a textura e a cor natural inimitável dos cabelos. Para quê?
Outro dia fiz esta pergunta a uma jovem amiga que anunciou que iria virar ruiva. Ela é castanha, dona de um cabelo muito bonito. Por que a tinta? “Chega uma hora que a mulher sente uma vontade incontrolável de mudar, de se ver diferente”, ela explicou. “Daí corta ou pinta os cabelos.” Sendo homem, essas explicações me parecem emocionalmente incompreensíveis. Não há em mim o desejo irrefreável de mudar de aparência. E se ele, por acaso, aparecesse, eu rasparia a barba ou faria um corte de cabelo (moderado) no salão da esquina. A vida psíquica e social dos homens parece mais simples.
Mas eu não acho que a questão se resuma a uma diferença de gênero: em Vênus se pinta o cabelo, em Marte (quase) não. Há também uma questão temporal, que diz respeito à auto-imagem e à idade das pessoas envolvidas.
Às vezes eu gostaria de pode explicar para as garotas que “precisam mudar” algumas coisas que a gente só aprende com o tempo. Uma delas, absolutamente visceral, é que a aparência da juventude é uma dádiva insubstituível. As pessoas jovens e saudáveis são bonitas e raramente se dão conta disso. Elas vivem preocupadas com este ou aquele aspecto de si mesmas – o nariz, o cabelo, a cor, o peso -, mas quem olha de fora nem percebe os tais “defeitos”. A beleza delas é como um outdoor de 50 metros plantado no meio do deserto. Chama atenção, atrai os olhos, causa admiração. É uma pena que os jovens preocupados em sofrer (ou em mudar sua aparência) nem notem isso.
Naquele viral famoso, o Protetor Solar, os autores dizem assim: daqui a 20 anos você vai olhar uma foto e perceber como foi bonita, mas então será tarde. Eu digo: por que esperar tanto tempo? Perceba agora, sofra menos e desfrute mais.
Qual a relação disso tudo com os cabelos brancos da minha companheira de consultório? É íntima, por duas razões.
A primeira é que as mulheres que começam a pintar o cabelo desde cedo perdem um pedaço da sua própria existência. A beleza do cabelo jovem que começa a mudar de cor (aos 20, aos 30 ou aos 40 anos), é substituída, subitamente, pelo artifício da tinta, com resultados nem sempre felizes. Na pressa de esconder a mudança, as mulheres a escancaram – e perdem as gradações sutis do tempo, que, nos homens, por mera convenção, são consideradas atraentes. Neste momento, eu mesmo estou vendo o meu cabelo ficar acinzentado e acho bonito, provavelmente porque as pessoas ao meu redor dizem que é bonito. Talvez seja hora das mulheres ouvirem o mesmo.
A outra razão é menos sutil.
Ao ver os cabelos brancos da mulher do consultório, eu fui tomado instantaneamente pela beleza daquilo. O rosto maduro, queimado de sol, ficava mais bonito na moldura dos cabelos brancos. O contraste entre os olhos grandes, o corpo vigoroso e os cabelos cor de prata era sensacional. Ela ficava mais bonita daquele jeito, tenho certeza, do que estaria “loira” ou “morena”. Da mesma forma como o George Clooney ou José Maier parecem mais bonitos nas fotos de hoje, grisalhos, do que pareciam antes.
O tempo frequentemente faz bem aos homens e às mulheres. Arredonda as formas, suaviza os ângulos, altera as cores como a luz intensa do meio dia vai dando lugar aos tons da tarde. Uma das tarefas da gente deveria ser descobrir essa luz e a suas novas possibilidades à medida que a vida avança. É lindo ter 20 anos, mas não dura. Não adianta perseguir aquela beleza pelo resto da vida. A musa de cabelos brancos do consultório percebeu isso. E parece feliz. Ela, o marido e os quatro filhos.   
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)

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