terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Ocupação e cidadania

IVAN MARTINS
27/11/2015 - 19h12 - Atualizado 28/11/2015 19h51

A ocupação das escolas estaduais pelos estudantes de São Paulo tornou-se um daqueles temas inevitáveis. O movimento já envolve mais de 170 escolas, virou assunto diário da imprensa e o debate chegou às redes sociais. Vejo pessoas fazendo coletas de mantimentos e se oferecendo para dar aulas aos estudantes acampados, num gesto espontâneo de solidariedade. Criou-se uma rede de apoio bonita, envolvendo pais e moradores do entorno das escolas. As pessoas sentem que algo importante está em jogo e que os secundaristas não devem ser deixados sozinhos para lidar com as autoridades. Se os jovens e a educação são prioridades do país, a reforma da sua maior rede pública de ensino é um assunto que interessa legitimamente a todos.
Por ter sido educado em escolas públicas, eu tenho simpatia por essa garotada. Eles estão mostrando que existem. Estão dizendo – com todas as letras – que as escolas privadas não detêm o monopólio social da inteligência e da instrução. Ao se mobilizar, eles dão uma demonstração de poder. Fazem a sociedade olhar na direção deles e percebê-los pelos que são: jovens articulados e críticos, e não cidadãos de segunda classe, e não vítimas passivas de um sistema de ensino que deveria ser muito melhor do que é.
Ontem, quinta-feira, eu fui visitar a Escola Estadual Miss Browne, que fica perto da minha casa. Pretendia entrar e conversar, mas os estudantes não deixaram. Disseram que apenas eles e seus pais têm acesso livre. A escola tem 600 alunos e 90 se revezam na ocupação, há uma semana. É uma das 92 que o governo quer fechar no final deste ano letivo. O secundarista que conversou comigo – sob o olhar atento de quatro colegas – me disse que se a reforma passar ele e os colegas serão transferidos para uma escola a dois quarteirões de distância, com salas superlotadas de 60 alunos. Ele reclamou que o governo não conversa com eles e que ignorou os protestos e manifestações contra a reforma que vinham realizando desde setembro: “Por isso resolvemos ocupar. Agora não vamos sair”.
Acho o número de 60 alunos por classe exagerado, mas o rapaz tem um ponto. Se o número de estudantes na rede paulista caiu de 6 milhões para 3,8 milhões nos últimos 20 anos, em função de mudanças demográficas, por que não se aproveita a oportunidade para montar classes de 15 ou 20 alunos, que tornariam as condições de ensino melhores do que são? Se um técnico na secretaria de educação decidiu que os alunos do Miss Browne serão alojados em classes com mais alunos do que na sua escola original – embora o número de alunos da rede estadual tenha caído em mais de um terço – eles têm razão de se opor à mudança. E há também a questão do diálogo.
O secretário de Educação, Herman Voorwald, diz que não conversa com os estudantes enquanto eles não saírem das escolas. Ao mesmo tempo, garante que a reforma continuará exatamente como planejada. Essa é a receita do impasse. Não seria mais simples sentar com estudantes e explicar como a mudanças iria afetá-los diretamente? Não deve ser difícil mostrar aos garotos e garotas inteligentes do Miss Browne que eles têm números fantasiosos na cabeça e que, na verdade, serão transferidos para salas menores que as atuais, e que  seus professores favoritos tampouco serão demitidos. Tenho certeza que os estudantes entenderiam – se essa for a realidade.
Ainda que pareçam arrogantes e injustamente amotinados, esses adolescentes representam o que há de melhor na juventude do país. Em vez de se entregar ao niilismo ou ao consumismo, em vez de participar do cinismo geral, eles se organizavam, eles debatem, eles atuam de forma inteligente e destemida. Eles não praticam violência.Eles propõem um debate sobre a educação que é essencial ao país, mas governo do Estado parece acreditar que eles são apenas títeres de organizações sindicais ou grupos de esquerda, manipulados para criar dificuldades políticas para o governo. Isso era o que diziam os generais da ditadura em relação aos movimentos estudantis dos anos 1970. Eles estavam errados então, assim como governo de São Paulo está errado agora.
A própria Justiça paulistana decidiu que as escolas pertencem aos alunos, por isso não cabe a reintegração de posse desejada pelo governo. É uma outra forma de dizer que ninguém invade o que é seu
Para mim, esse debate em torno das escolas ocupadas é menos sobre educação e mais sobre cidadania. Como uma sociedade lida com jovens que estão pedindo algo que todos concordam que eles têm direito de exigir: melhor educação? Pode-se chamar a polícia – como o governo do Estado tentou fazer no Colégio Fernão Dias, antes de ser contido pela Justiça – ou pode-se ignorá-los, como o governo está fazendo agora. Mas é possível também conversar. 
Esse é o momento da vida em que os adolescentes podem aprender a participar da vida pública ou podem ser levados a acreditar que é inútil protestar diante das decisões do Estado. O que nós, adultos, queremos que eles aprendam?

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/11/aula-de-cidadania-no-miss-browne.html 

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