terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Dilma no elevador

IVAN MARTINS
07/12/2015 - 12h23 - Atualizado 07/12/2015 12h52

Agora que se fez formalmente o pedido de impeachment da presidente Dilma, estou preocupado – perdoem a mesquinhez – com a deterioração da vida social no elevador do prédio em que eu moro. Durante as eleições, muitos dos meus afáveis vizinhos de classe média se converteram em educados mas determinados antipetistas, e o espaço restrito do elevador virou, temporariamente, uma arena onde se testavam vontades e duelavam convicções:
- Agora vamos ganhar e tirar esse pessoal do governo, né?
- Bom, por mim eles continuam.
- ... (silêncio perplexo e indignado até a garagem).
Não é fácil lidar com essa situação diariamente. Somos criaturas sociais e os confrontos nos desgastam e estressam. Por isso se inventou a conversa fiada. Entre o quinto andar e o térreo, discute-se a vitória do Palmeiras ou a onda de calor, não pontos de vista contrários sobre o futuro do Brasil. Agora, com a espada do impeachment pairando sobre o país, imagino a conversa a partir desta semana:

- E aí, agora a Dilma cai, né?
- Acho que não cai, e talvez nem fosse bom que caísse.
- Mas ela está acabando com o país!
- ... (silêncio contrariado até o térreo).
Numa peça famosa, escrita em meados dos anos 1940, o filósofo Jean-Paul Sartre aprisiona três personagens num espaço restrito (que poderia muito bem ser um elevador) e faz com que exponham seus medos e desejos, sem possibilidade de evasão. Um dos personagens resume a situação intolerável numa frase que entrou para o vocabulário universal: “O inferno é o outro”.
Na verdade – Sartre que me desculpe – o inferno é o elevador. Do outro a gente se livra desviando os olhos, andando rápido ou se fingindo de surdo, mas o elevador não nos permite nada disso. Ele pode nos colocar cara a cara com um rapaz de 1,90, praticante de jiu-jitsu, que está convencido de que o impeachment da presidente Dilma significa a redenção moral e econômica do Brasil. Como defender o contrário, de forma fisicamente segura, num espaço tão exíguo?
Estou brincando, claro. A ameaça de violência ainda não faz parte da realidade da classe média. Somos essencialmente civilizados, exceto pelos sociopatas habituais. O que nos incomoda é a chateação da discordância. Somos feridos pelo olhar de irritação do outro ou por aquele movimento dos lábios que indica sarcasmo e desprezo. Nos exige esforço fincar o pé em nosso próprio ponto de vista e confrontar o olhar seguro ou exasperado do oponente. Saber que ele pensa o contrário nos incomoda; ouvi-lo dizer isso com clareza, mesmo que de forma educada, nos contraria ainda mais. Opor-se à abertamente à sua opinião, mesmo com delicadeza, nos custa, embora possa vir a ser inevitável.
Por isso, enquanto o impeachment estiver sendo discutido, vou propor na reunião de condomínio que o elevador seja declarado espaço livre de política. Como os banheiros e quartos de hospitais. Ninguém aborda você no recesso do vaso sanitário para falar mal da presidente ou do Geraldo Alckmin. Ninguém se aproxima do leito de um convalescente para perguntar o que ele acha do Eduardo Cunha. Acho que no elevador deve imperar o mesmo tipo de contenção. Caso contrário, pratica-se uma forma de assédio político, tão intolerável quanto o fiu-fiu.
Torço, como tantos, para que o processo de impeachment se resolva rapidamente. Meus nervos e o dos meus vizinhos não aguentarão meses seguidos de debate estéril em torno desse assunto. Os campos estão claros, os argumentos de cada um dos lados estão postos, que o Congresso proceda rapidamente à votação. Acho que Dilma sairá vitoriosa e que isso fortalecerá a jovem democracia brasileira, mas posso estar errado nos dois pontos de vista. Só não quero ter de debatê-los no elevador. Política se discute no acolhimento dos amigos ou nos espaços amplos da vida pública, onde pontos de vista contrários se confrontam democraticamente. No elevador, cabem melhor os sorrisos acanhados e os longos silêncios. Gases e opiniões inflamadas não são bem-vindos.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/12/dilma-no-elevador.html 

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