quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Mirantes da Serra do Curral permitem ver horizontes da capital mineira

Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte 29/12/201507h00

Inaugurado em 2012, o Parque Serra do Curral possui uma área de 400 mil metros quadrados, com entrada pela portaria sul do Parque das Mangabeiras. A partir desse ponto é possível optar por roteiros tranquilos, como descansar nas praças de convívio, avistar animais ou apreciar a vegetação típica da região, de transição entre Cerrado e Mata Atlântica.
Já para os mais chegados em trilhas, o trajeto é recompensado com 10 mirantes, sendo sete ao longo da trilha Travessia da Serra. Pontos como o Parque Municipal, a Lagoa da Pampulha e até a Serra da Piedade e do Itabirito podem ser avistados. Alguns deles, além das trilhas mais difíceis, necessitam de acompanhamento de guias (mais informações pelo telefone 3277-8120).
Às terças-feiras a entrada é gratuita, com valores diferentes ao longo da semana e a depender do trajeto - R$ 5 para conhecer apenas o mirante principal e R$ 15 para o passeio completo (cerca de três horas com o acompanhamento de monitores). De quarta a sexta, cobra-se meia-entrada para todos (R$ 2,50 e R$ 7).
Serviço
Parque Serra do Curral
Quando:
 terça a domingo, de 8h às 17h (entrada permitida até 16h)
Onde: Parque da Serra do Curral | Portaria 1 (Av. José do Patrocínio Pontes, 1.951 - Praça Estado de Israel - Mangabeiras)
Quanto: R$ 2,50 a R$ 15
Classificação: livre (crianças menores de 10 anos precisam estar acompanhadas de pais ou responsáveis maiores de idade)
Mais informações: (31) 3277-8120 e www.parqueserradocurral.com.br

http://guia.uol.com.br/belo-horizonte/noticias/2015/12/29/mirantes-da-serra-do-curral-permitem-ver-horizontes-da-capital-mineira.htm 


quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

10 coisas que aprendi em 2015

IVAN MARTINS
23/12/2015 - 08h25 - Atualizado 23/12/2015 09h35

Ouço todo mundo reclamando de que este ano não foi fácil. Eu concordo inteiramente. Aconteceu de tudo, e muita coisa foi ruim. Para mim, foi um ano de perdas como eu nunca tinha tido. Para todos, parece ter sido um ano de grande confusão – aquilo que os chineses chamavam, com enorme ironia, de “tempos interessantes”. De alguma maneira sobrevivemos e, naturalmente, aprendemos com isso. Eu mesmo aprendi muita coisa. Sobre morte, sobre separação, sobre relações passageiras e sobre o papel dos bichos na nossa vida. Muitas dessas coisas, como dizia um antigo chefe meu, são novidades apenas para mim. Outras, podem ser novas para mais gente. Tomara que haja mais do segundo caso. Dizem que a gente nunca aprende com a experiência dos outros, mas eu sou um pouco mais otimista. Se o meu annus horribilis não for capaz de ensinar, talvez consiga distrair. Vocês me digam:
1.  Mãe faz muita falta. Não adianta ser um adulto grisalho. Não importa que a sua mãe tenha 87 anos. Quando ela morre, abre um buraco na sua biografia. Com ela, vai parte da criança que você foi: aquela que a amava de forma inocente e absoluta, e que se sentia amada por ela de maneira incondicional. Quem o amará dessa forma novamente? Além da dor simbólica e da orfandade assustadora, existe a ausência física. Nem faz um ano que a minha morreu, mas já me peguei várias vezes pensando em ligar para ela e perguntar besteiras, como eu sempre fazia. Como se faz panqueca, mãe? É razoável pagar trinta reais numa barra de calça? (“Não! Venha aqui que eu faço”). Os almoços semanais na casa dela eram regados a uma conversa nostálgica que apenas os velhos sabem manter. Ela falava da década de trinta do século XX - quando foi menina – como se fosse a semana passada, com a vivacidade e a fúria da memória implacável. Carregava galhardamente os mortos dela (meus avós, meus tios) e dividia a história deles comigo. É assim que a gente faz a conexão com o passado: há uma narrativa familiar que vem no leite e que nos ajuda a entender o mundo de onde surgimos. Eu tive sorte, perdi minha mãe adulto. Tivemos muitos anos para fazer a passagem do bastão. Agora eu guardo as memórias, algumas das quais passarei aos meus filhos. Outras se perderão, irremediavelmente. É triste, e temo que fique ainda mais triste à medida que o tempo passe. A presença da mãe ausente não diminui, só cresce.
2. A gente nunca aprende a lidar com separações. Cada vez que um grande amor acaba, temos de viver tudo de novo. A vida perde a graça, os olhos embaçam. O luto – esse é o nome do sentimento – é uma tinta que se agarra aos nossos dedos e se recusa a sair. Ela vai manchando tudo o que a gente toca. Temos de lutar contra essa dor todos os dias, e às vezes ela leva a melhor. Então nos recolhemos à nossa infelicidade e torcemos para que a noite seja breve. No fundo de nós, sabemos que uma hora a amargura vai passar, mas, verdadeiramente, não desejamos que passe. Superar o luto significa deixar de amar, e isso não parece razoável. Livrar-se internamente do outro é o mesmo que admitir que a possibilidade de estar com ele se esgotou. Outras possibilidades surgirão, naturalmente, mas reconhecer que aquele caminho se fechou é intolerável. Não queremos ser felizes de outra maneira. Queremos a vida com aquela única pessoa, não qualquer outra forma de vida. Essa é a armadilha sentimental das separações: não desejamos nos livrar da dor, porque há nela um germe de esperança. Entender esse paradoxo não resolve o problema, mas ajuda.
3. Mudar de vida é bom, mas custa. A gente não percebe o quanto nosso equilíbrio depende das rotinas de trabalho que nos incomodam. Quando nos vemos livres dela, o mundo fica subitamente inquietante. É preciso inventar uma vida nova, e uma nova rotina que faça sentido. Em setembro de 2015 eu comecei a fazer isso. Estou feliz, mas ainda é estranho. Lamento, às vezes, não ter começado antes. A esta altura já teria criado uma nova disciplina interior. Ela é a chave de tudo. Antes, havia uma disciplina externa, ditada pelo ritmo da empresa. Agora, a disciplina tem de estar em mim, assim como o estímulo e a crítica. Não é fácil ser chefe de si mesmo, mas há uma geração de inteira de gente criativa vivendo assim. A liberdade é assustadora, mas traz promessas cintilantes de auto realização.
4.  A ternura das pessoas que passam é essencial. Nossa vida não é feita somente de relações duradouras. Há gente que atravessa uma rua conosco, caminha ao nosso lado uma avenida, e pronto: deixa um perfume que não será esquecido. Não era para ser, não era para durar, mas isso não torna as pessoas menos essenciais. No longo vazio que sucede as separações, esses encontros são como pontos de luz. Eles marcam a vida com a intensidade ou a delicadeza das coisas efêmeras, que têm a sua própria forma de beleza. Não falo de sexo casual apenas. Falo do encontro temporário de corpos e de sentimentos, que nos dá a sensação de plenitude. Depois ela se dissipa, como é da natureza das coisas que passam, abrindo o nosso coração e o preparando para as coisas mais perenes que virão. Por esses encontros, que eu não sabia direito que existiam, e que não tinham nome no meu vocabulário, a minha comovida gratidão.
5. Hábitos podem ser mudados. Mesmo aqueles antigos, que a gente cultiva a vida inteira, podem ser postos de lado em nosso benefício. Este ano eu parei de beber, por exemplo. Posso tomar um vinho ou um copo de cerveja eventualmente, mas o hábito foi posto de lado. As razões dessa mudança nem eu mesmo entendo, mas noto que ela me fez bem. O prazer da bebida tornou-se eletivo, não social e automático. Acho que isso pode valer para tudo que a gente faz distraidamente, por imitação ou por descaso consigo mesmo. Podemos descobrir que hábito e prazer não são a mesma coisa.
6. A vida interior precisa de atenção. A frase é óbvia, mas a gente não aplica. Vivemos um dia depois do outro, entre a depressão e a euforia, sem nos questionar sobre a natureza dessas sensações. Nos parece, o tempo inteiro, que tudo que nos afeta vem de fora. O trabalho, a família, o amor, a droga da política. Mas não é verdade. Todos nós convivemos com um grau de sofrimento interno elevado, quase insuportável às vezes. E não damos a isso a atenção que deveríamos. Este ano, por um acaso generoso, eu fui posto em contato com as ideias meio budistas, meio indianas e algo freudianas do guru Sri Prem Baba. O resultado desse encontro é que eu voltei a refletir, como não fazia desde a adolescência, sobre os meus estados mentais. De onde vem a ansiedade? Por que tamanha inquietação? Que angústia e essa que vira e mexe me aflige? Na cultura ocidental, a gente resolve isso procurando um psicólogo ou psicanalista. Na tradição oriental, busca-se um mestre que ensine a meditar e refletir sobre a origem dos sentimentos dolorosos - e ajude a eliminá-los. Como eu tenho dificuldade pessoal com a ideia de seguir um guru, tenho lido sozinho sobre budismo e espiritualidade, e tenho tentado, precariamente, aprender a meditar – uma arte sutil que exige o oposto de tudo que a gente aprendeu a fazer em casa e na escola. Seu objetivo é separar o fluxo de sentimentos e pensamentos daquilo que os orientais chamam de consciência. Por trás disso, está a ideia assustadora (mas linda) de que nós não somos iguais aos nossos pensamentos e sensações. O cérebro produz essas coisas o tempo inteiro, compulsivamente, e nós sofremos por nos identificarmos demais com elas. Não é curioso? Quem quiser saber mais sobre isso, leia Despertar -  um guia para a espiritualidade sem religião, do Sam Harris. Esse livro ajudou a melhorar o meu ano.
7. Eventos públicos interferem na vida privada. Este ano, com tudo o que aconteceu no Brasil, experimentei uma tremenda angústia. Lava Jato, impeachment, crise econômica. Não houve como se isolar das notícias terríveis. Todos os dias o jornal me deixava furioso ou prostrado. As conversas no bar e no trabalho terminavam em tom de exasperação. Nunca discuti tanto, e de forma tão inútil, nas redes sociais. Em vários momentos, tive a impressão de que o Brasil que eu vira emergir da ditadura nos anos 1980 virava farinha. Havíamos entrado na máquina do tempo e ela nos levava de volta a uma versão perversa de 1964. Sentia todas as manhãs, quando abria a internet, que as coisas se encaminhavam para um desfecho farsesco e injusto, sem que eu pudesse fazer nada além de assistir, apoplético. Um horror, capaz de afetar o meu sono e perturbar o meu escasso apetite. Felizmente, o ano vai terminando em uma nota alvissareira, apesar dos playboys ofendendo o Chico Buarque na saída do restaurante. Que horror aquele vídeo! As pessoas foram às ruas em defesa da legalidade e o STF pôs um limite ao reinado de Eduardo Cunha. A balança de alguma forma se equilibrou, embora o futuro ainda seja incerto. 2015 ficará na minha memória como o ano em que não foi possível viver fora da crise.
8. Engajamento é essencial. Cada vez mais, sinto que a gente precisa fazer algo pelo mundo ao redor. A vida não pode se reduzir, mesquinhamente, a acumular dinheiro e sucesso e a cuidar da nossa família, cheios de medo. No final deste ano, quando começou o movimento de ocupação das escolas em São Paulo, vi a alegria com que alguns dos meus amigos – pais de alunos, alguns; vizinhos das escolas, outros – se mexeram para ajudar os adolescentes. Foi uma coisa bonita, um reencontro com as biografias deles. As pessoas cozinharam, deram aulas, participaram de marchas e, ao final, sentiram-se parte da vitória dos meninos e meninas, que conseguiram impedir o fechamento de quase uma centena de escolas estaduais. Tenho certeza que nós seríamos mais felizes, e viveríamos num mundo melhor, se saíssemos regularmente da nossa vida privada para fazer algo pelos outros. No final, descobriríamos que os outros somos nós.
9. Bichos podem ser fundamentais. Carlota e Elizabeth, as minhas gatas, foram parte importante deste ano tumultuado. Quando as coisas ficaram difíceis, elas estavam lá para distrair e receber afeto. Levantar de manhã, limpar a caixinha e dar comida a elas, ou brincar com fitas e bolinhas, fazendo com que elas corram e se exercitem, são atividades prazerosas. Cuidar dos bichos me faz sentir melhor. Os gatos, ao contrário dos cachorros, não respondem da mesma forma ao carinho dos humanos, mas não importa – eles podem ser objetos da nossa afeição, mesmo de cara emburrada ou indiferente. Tenho um amigo que mora sozinho e adotou, recentemente, um cachorrão amoroso e estabanado. É impressionante como o cão fez bem para ele. Melhorou o humor do amigo e aumentou o seu prazer de estar em casa. A conclusão é óbvia: os bichos fazem bem aos humanos, sobretudo para aqueles que moram sozinhos. 2015 não me transformou num animal lover, mas fez com que eu revisse meus preconceitos em relação a eles.
10. Sentir-se perdido é o primeiro passo. Quando a vida está certinha, a gente boceja de tédio. Quando tudo sacode e desaba, morremos de medo. Estar num lugar é desejar o outro, e nos intervalos entre lá e cá nos sentimos perdidos. Bem perdidos. Eu estava desacostumado ao sentimento, mas este ano fui obrigado a percebê-lo como parte da vida. Ao menos de uma vida que se renova. No meio das mudanças, voluntárias ou não, sempre aparecem sentimentos de perplexidade e desorientação. Qual é mesmo o caminho a seguir? Qual a coisa certa a fazer? Há que tomar decisões e tentar. Se for o caso, arrume uma bússola. A minha costumava ser a psicanálise. Hoje em dia eu não sei. Mas sei, com toda certeza, que há vários caminhos possíveis, e que eles levam a lugares fascinantes. Sei também, porque aprendi, que o primeiro passo começa sempre com a sensação de estar perdido. É assustador. É libertador. Talvez seja essencial.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/12/10-coisas-que-aprendi-em-2015.html 

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O 13º salário deveria ser extinto

GUSTAVO CERBASI
21/12/2015 - 08h00 - Atualizado 21/12/2015 11h01

O 13º  salário foi criado com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nos anos 1960. Esse direito trabalhista não é um ganho extra, mas sim uma imposição legal que, então, obrigou as empresas a reduzir em um doze avos o pagamento mensal aos funcionários, exigindo a entrega desse valor em uma ou duas parcelas perto do fim do ano. Foi a solução que o Estado paternalista encontrou para ajudar as famílias a se organizar para a típica concentração de gastos de fim e de início de ano, principalmente impostos sobre a propriedade de bens imóveis e de automóveis. Teoricamente, receber o dinheiro de maneira concentrada no fim do ano facilitaria o pagamento dos compromissos com o Estado e diminuiria o endividamento da população.
Meio século depois, o resultado desse planejamento forçado é o oposto do que se esperava. Para sobreviver, o comércio concentrou forças no Natal, para aproveitar a época do ano em que mais dinheiro circula na economia. As famílias, com rendimentos mais achatados, fizeram do fim do ano seu momento de redenção, fartura e alívio das dificuldades enfrentadas ao longo do ano. No Natal e no Réveillon, a regra é comemorar, desfrutar. Depois se pensa em pagar a conta.
E essa conta chega, logo no início do ano. Após tanta celebração, o 13º  se vai. E, com ele, vai-se também a capacidade de liquidar, à vista, IPVA, IPTU, matrículas e material escolares, anuidades de associações e outros compromissos de início de ano. Sem a verba, esses gastos são parcelados ao longo do ano. Isso tira o fôlego do orçamento mensal e expõe as famílias a uma menor margem para lidar com imprevistos. O resultado é conhecido: dívidas se acumulam ao longo do novo ano e comprometem por antecipação parte do 13º  que está por vir. É ruim para as famílias, que perdem parte de sua renda no pagamento de juros e limitam o sentimento de recompensa ao período natalino. É ruim para o comércio e a indústria, que se organizam para atender ao pico de demanda de fim de ano e têm de administrar a estrutura ociosa nos outros meses.
O 13º salário prejudica uma economia habituada a comprar a prazo. Melhor seria extinguir esse benefício e aumentar a renda mensal do trabalhador em um doze avos. Isso geraria mais disciplina no consumo, redução da sazonalidade no comércio (com a consequente diluição de custos ao longo do ano) e menor risco de endividamento familiar. Haveria mais dinheiro circulando na economia, em vez de maiores pagamentos de juros aos bancos. Porém, seria impopular eliminar o direito que é hoje a salvação do consumo. Quem se habilitaria?

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/gustavo-cerbasi/noticia/2015/12/o-13-salario-deveria-ser-extinto.html 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Dez dicas para não ser um leitor-cobaia nas redes sociais

Leonardo Sakamoto

Dez dicas rápidas para você, leitor de redes sociais, não ser enganado na guerra cotidiana por corações e mentes que esta deflagrada na internet. Porque, em uma guerra, a verdade (se é que ela ainda existe) é sempre a primeira vítima:
1) Olhe sempre a data do texto – Há muita gente que, por inocência ou sacanagem, reposta links antigos como se o fato tivesse acabado de acontecer. Como o momento em que um fato ocorre é importante para a sua compreensão, a impressão que fica é que o problema se repete por incompetência de alguém num eterno Dia da Marmota.
2) Anônimo é coisa do capeta – A chance de uma denúncia anônima e sem a fonte da informação circulando no WhatsApp ser séria é a mesma de um jabuti escalar um poste de luz sozinho. Se recebeu, demonstre nojinho e desconfie.
3) Fora de contexto, sem chance – Quando alguém tenta desacreditar uma ideia, pinça uma frase ou uma imagem fora de seu contexto e a utiliza para construir seu argumento. Como parte das pessoas foi condicionada a agir como gado diante do discurso de quem confia, acaba acreditando no novo significado que o sujeito tentou impor com essa descontextualização. Ou seja, na dúvida, Google nele.
4) Não seja otário, leia – Ler um texto até o final é fundamental. O título, a foto e legendas não são capazes de trazer toda a complexidade de um argumento. Se não tiver tempo para ler, não compartilhe ou curta. Você pode, sem querer, estar difundindo uma peça de racismo ou de violência contra a mulher.
5) Desconfie dos argumentos de autoridade – Não é porque o papa ou a bispa Sônia disseram algo que você tem que acreditar. O mesmo vale para o presidente da sua associação de moradores ou o diretor do seu sindicato. Exija confirmação dos fatos ou vá atrás dela.
6) Cuidado com falsa relações de causa e consequência – Um fato que acontece depois do outro não necessariamente foi causado pelo primeiro. O atropelamento de um pônei não é, necessariamente, a causa de uma tempestade. Da mesma forma, a chegada de imigrantes não é necessariamente a causa de desemprego.
7) Não se deixe levar por quem escreve bonito – O texto pode até estar te xingando de uma forma doce e você nem vai perceber se não observar atentamente o significado das palavras que o autor escolheu. Além disso, fique atento: não é porque a pessoa escreve com certeza absoluta no que diz que está certa.
8) Cuidado com os sites fantasmas – Não é porque um site publicou um assunto com uma abordagem com a qual você concorde que ele é honesto ou faz bom jornalismo. Procure um “quem somos'' ou um “expediente'' e veja quem trabalha lá. Se não encontrar, desconfie.
9) A imagem nem sempre vale mil palavras – Até uma criança não alfabetizada é capaz de manipular uma foto com aplicativos online. Então, por que você acredita que uma imagem é uma prova irrefutável de um argumento? Ao mesmo tempo, ao editar um imagem, deixando partes dela de fora, exclui-se desafetos ou cria-se a impressão de multidões onde elas não estavam.

10) Leia coisas com as quais discorda – Não é porque você não concorda com uma opinião ou informação presentes em um texto bem fundamentado que ele não merece ser lido. Considere que o mundo é mais complexo do que você pode imaginar e que a pluralidade de ideias, desde que não desejem a morte de ninguém, ajuda a crescermos como sociedade. O contrário disso se chama ditadura.
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/12/21/dez-dicas-para-nao-ser-um-leitor-cobaia-nas-redes-sociais/ 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Nada a ver, mas eu te amo

IVAN MARTINS
16/12/2015 - 08h40 - Atualizado 16/12/2015 10h22

A vida às vezes nos lança tentadoras cascas de banana. Assim: o sujeito está numa festa, querendo apenas gastar a noite, quando surge do nada a criatura irresistível. Ela usa um vestido preto e se move entre as pessoas como se andasse em sua casa, com espantosa naturalidade. Bonita, evidentemente. Inteligente, se nota na terceira frase. Interessante, porque diz coisas que o deixam interessado. Em cinco minutos o sujeito está fisgado. Em 10, acha que ela foi com a cara dele. No 15º minuto, já com vontade de tocar nos cabelos da moça, enxerga a casca de banana: os dois não têm em comum sequer o branco universal dos olhos.
Ele faz uma lista, instantaneamente.
Na casa dele há um retrato do Einstein; ela acredita em astrologia. Ela diz que se trata com medicina indiana; ele desconfia até da homeopatia. Ele defende os direitos trabalhistas; ela, empresária, acha carteira de trabalho um anacronismo. Quase brigam. Ele é politizado desde os 15 anos; ela não tem paciência para o assunto. Está claro que os dois vivem em planetas distantes que acabam de se esbarrar por acidente. Ainda assim, a moça lhe parece fascinante.
O que se faz num caso desses?
Leitoras românticas dirão “se atira”. O raro leitor pragmático perguntará: “está esperando o quê”? Mas as coisas não são simples. Quando se esbarra em alguém apaixonável – quer dizer, alguém capaz de nos botar emocionalmente de quatro – uma luz amarela acende num canto da mente. Ela sugere que se avance com cuidado. Um passo em falso, e tudo se desfaz. Um passo além, e o coração está cativo. Tudo que nos encanta é capaz de nos destruir – e nossas moléculas, treinadas por milênios de prazer e sofrimento, sabem ler a promessa e a ameaça nos olhos do outro.
A gente se acha muito destemido, mas somos peixinhos que nadam no mesmo coral a vida inteira. Nossa vida se parece com a nossa página nas redes sociais: só tem gente que pensa o mesmo que nós. É uma maneira de afastar os conflitos e de nos fazer sentir “normais”, mas pagamos um preço elevado por isso. Excluímos a diferença e a discórdia. Vivemos cercados por falso consenso. Um belo dia, descobrimos, assustados, que o vizinho na garagem nos acha um idiota - e isso talvez seja bom. Ajuda a reforçar o senso de realidade. Mas seria péssimo perceber que a pessoa que você ama concorda com o vizinho. Disso nos protegemos dizendo a verdade a quem gostamos desde o primeiro minuto. Se a pessoa ficar,ficou. Hipocrisia e tolerância se exercem em sociedade. Na intimidade, tem de haver franqueza e sintonia.
Por isso as diferenças são importantes. Elas podem transformar aquilo que mal começou num beco sem saída. Como iniciar um relacionamento romântico com alguém tão desigual? Afinidades são essenciais. Olhe em volta: as pessoas se juntam por semelhança. Elas se ligam a gente do seu mundo, com quem partilham experiências e valores. É medíocre e limitado, mas não é gratuito. Somos divididos em tribos incompatíveis. Por renda, por crenças, por hábitos. Por cultura também. Partilhamos os espaços sociais e nos misturamos pela amizade, mas os amores são diferentes. Eles são viscerais. Não admitem a mera acomodação de sentimentos. Exigem cumplicidade profunda. Você não pode apenas tolerar as opiniões da mulher que dorme na sua cama, como se ela fosse um taxista reacionário.Para estarem juntas, intimamente, as pessoas precisam partilhar ideias e sentimentos. Sem isso não se forma o “nós contra eles” que constitui – para o bem e para o mal – a base psicológica de todo acasalamento.
Por isso, sou contra sublimar diferenças e forçar a aproximação com gente tão diferente. Não vai dar certo. No primeiro choque violento de visões a coisa desanda. Você está na internet – por exemplo – e recebe um vídeo de adultos da Zona Sul carioca ameaçando e agredindo uma criança que fora pega tentando roubar. Dão-lhe tabefes, tentam arrancá-lo das mãos da polícia, sugerem aos gritos dar um tiro na cabeça do menino apavorado. Um bando inominável de covardes, claro, agressores selvagens que deveriam ser conduzidos algemados à delegacia. Mas, ao seu lado, a nova parceira olha aquilo e pronuncia, convicta: “É isso mesmo. Com esses pivetes não tem outro jeito”. O encanto acaba instantaneamente.
O exemplo,na verdade, é inadequado. As pessoas se tornam incompatíveis por questões sutis, mas ainda assim perceptíveis. Ninguém precisa ser um idiota para tornar-se inelegível. É possível ser perfeitamente adorável e não nos servir. A gente sente na hora. Então se coloca a questão de avançar ou não, e para quê. Por sexo apenas? Sou contra. Não se dorme levianamente com uma pessoa apaixonante, sabendo que não vai dar em nada. Gente que nos impressiona demanda outro tipo de tratamento. O mínimo em que se pode apostar é num romance. Sexo casual é pouco num caso desses. Se o romance parecer impossível, talvez seja o caso de abortar os procedimentos dentro do táxi, antes que a coisa vá mais longe.
Amor é coisa difícil de dar certo. Há correntes misteriosas que nos arrastam na direção de alguém e depois nos arremessam longe. Ninguém controla esses movimentos. Não temos soberania em relação aos desfechos, mas somos capazes de agir nos preâmbulos. No comecinho, ainda podemos dizer não a nós mesmos. Podemos recusar a possibilidade escancarada pelo sorriso do outro e recuar. Não custa ser sábio uma vez na vida. Mesmo que a moça de preto continue passeando na sua memória por um tempo, como se andasse na sala da casa dela, linda, com espantosa naturalidade.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/12/nada-ver-mas-eu-te-amo.html 

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Nós, os perdidos

IVAN MARTINS
25/11/2015 - 09h26 - Atualizado 25/11/2015 12h42

Gente envolvida com a espiritualidade oriental tem uma palavra bonita para falar de si mesmo. Eles se descrevem como buscadores – pessoas que procuram respostas para as angústias da existência através da contemplação. Os buscadores podem ser religiosos ou laicos, mas todos exibem a disposição de encarar a vida como uma jornada de transformação pessoal e compreensão do mundo. Essa jornada, invariavelmente, começa no momento em que cada um deles se descobre perdido. Considerando o quanto essa experiênciaé frequente, somos um planeta repleto de buscadores em potencial.
Sem a necessidade de consultar estatísticas, eu aposto que a maior tribo do mundo é formada por gente que está na vida sem ter noção do que fazer com ela ou consigo mesmo. São os perdidos. Eles podem ter rotinas, hábitos, obrigações e distrações, mas o senso de propósito e direção está ausente. Vivem um dia depois do outro e às vezes parecem avançar decididamente em alguma direção, mas é melhor não perguntar por quê. A pessoa pode desabar no choro. Quem é perdido - ou está perdido - tem sentimentos dolorosos e confusos.
Se essa descrição parece familiar demais, não se envergonhe: o mundo está cheio de gente como você, ainda que passem o dia fingindo que sabem para onde vão. Eu, por exemplo, me sinto perdido várias vezes por semana, e tudo indica que sou uma pessoa normal. Estar perdido ou sentir-se perdido parece ser parte da condição humana. Ninguém escapa.
Isso não quer dizer que seja gostoso. Todos se lembram da sensação infantil de soltar-se da mão da mãe na multidão. É horrível. Estar perdido na vida adulta pode reviver a mesma aflição. A gente olha em volta e não sabe para onde prosseguir. Não sabe nem para onde quer ir. Não há ninguém capaz de nos acolher e orientar. A confusão é assustadora e pode durar um tempo enorme. Ao contrário das crianças, os adultos não choram pedindo ajuda. E, mesmo quando o fazem, outros adultos não vêm correndo para abraçar e socorrer. Sentir-se sozinho parece ser parte inseparável da sensação de estar perdido.
Ainda bem que não é o fim do mundo. Embora o mundo adore os práticos e trate melhor quem avança em linha reta, a falta de rumo pode ser apaixonante. Seres humanos perdidos costumam ser transparentes e sinceros, além de surpreendentes. A fragilidade da sua condição lhes confere uma espécie de humanidade explícita, que pode ser muito sedutora. Se a pessoa não tem um plano detalhado para a própria vida, está aberta a grandes e pequenas aventuras. Pode viajar, pode se apaixonar, pode mudar de ideia radicalmente. Pode jogar tudo para o ar e começar do zero – em outro país, em outra companhia, em outra profissão, em outro plano.
Mesmo os moderadamente perdidos costumam ser mais interessantes do que os que andam pela vida com GPS ligado. Esses, francamente, costumam ser chatos, enquanto as pessoas que sofrem, hesitam e se confundem são capazes de despertar compaixão e empatia. É mais fácil amá-las – eu acho - porque a gente se percebe nelas. Elas verbalizam os medos que os outros escondem e fazem perguntas a si mesmas que os demais têm vergonha de fazer. Eu sou feliz? Eu tenha certeza? É realmente isso que eu desejo?
Quando a gente se envolve com gente assim, é convidado a entrar num mundo que sacode e suspira, e que, frequentemente, tem os olhos cheios de lágrimas. Nele há longas conversas noturnas, sexo apaixonado e necessidade de abraçar e cuidar. Existe também o risco de que amanhã cedo sua pessoa perdida se levante e anuncie a partida, movida por uma inquietação aguda e inefável que exige apenas uma coisa: mudança. O que fazer?
Tudo isso parece levemente insano, mas, num mundo estropiado como é o nosso, os perdidos podem estar certos. Como é possível ter clareza e direção em meio ao caos que nos circunda, lendo as coisas assustadoras que lemos nos jornais? Talvez haja algo de errado com quem não sente estar perdido e simplesmente avança, como se o mundo não estivesse chacoalhando ao redor. Os que têm certeza talvez sejam esquisitos.
Isso nos traz naturalmente de volta aos buscadores. Num mundo de mentiras e autoengano, eles são de alguma forma especiais, porque admitem estar sem rumo e desorientados. Fazem disso a sua plataforma de largada. É provável que, assim como o resto de nós, eles não cheguem a lugar nenhum - mas ao menos terão tentado. Não é certo que a vida faça sentido e que haja nela algum propósito. Mas tampouco é certo que sejao contrário. Talvez a vida seja aquilo que a gente escolhe fazer dela: um bolinho de arroz, um filho de cabelos crespos, um beijo no escuro da barricada.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/11/nos-os-perdidos.html

Cadê o Museu da Escravidão?

IVAN MARTINS
20/11/2015 - 20h13 - Atualizado 20/11/2015 20h13

Um dos lugares mais impressionantes que eu conheço é o Museu do Holocausto, em Washington. Ele foi concebido para que o visitante repita de forma simbólica a experiência dos campos de extermínio nazistas. Quem entra no museu ganha o número e o nome de uma vítima real, e caminha por ambientes idênticos aos que conduziam às câmaras de gás. Num dado momento, é preciso atravessar uma sala forrada com os sapatos de homens, mulheres e crianças mortos nos campos. A sensação é devastadora.
Hoje, Dia da Consciência Negra, é uma boa ocasião para perguntar por que não temos no Brasil um Museu da Escravidão, capaz de provocar nos visitantes as mesmas reflexões humanistas e antirracistas que o museu dedicado ao Holocausto provoca. 
A escravidão é o fato histórico mais relevante da história do Brasil. Seus efeitos sociais, culturais e econômicos estão em toda parte. A violência da escravidão durou mais de 300 anos, consumiu a vida de 3 milhões de africanos e de incontáveis descendentes e deu ao país a fisionomia mestiça, injusta e desigual que ele tem até hoje. Por que, então, não há um museu específico para lembrar essa atrocidade monumental, da qual descendem (pelo menos...) os 53% de brasileiros que se definem como negros e pardos?
Antes que alguém avise, eu sei que existe o Museu Afro-Brasil, em São Paulo, criado em 2004. Mas a sua finalidade é outra. Trata-se de um museu da cultura afro-brasileira, que tem a escravidão como um dos núcleos de exibição. É um museu fundamental, mas não suficiente. Mal comparando, é como se houvesse em Washington um Museu da Cultura Hebraica, e que, nele, as evidências do Holocausto ocupassem algumas salas. A intenção e os resultados não seriam os mesmos.
Intenção, neste contexto, é uma palavra importante. Toda vez que se discute a herança da escravidão no Brasil aparece alguém para dizer que a situação não é tão grave assim. É como se o país ainda resistisse em admitir o tamanho do crime cometido contra os africanos e relutasse em oferecer desculpas simbólicas e práticas aos seus descendentes. Quando o Supremo Tribunal Federal votou favoravelmente às cotas raciais nas universidades, em 2012, não faltou gente instruída prevendo o apocalipse pedagógico e a explosão dos conflitos raciais no país. Nada disso aconteceu, obviamente, mas ninguém veio a público pedir desculpas. Por quê? 
No século XIX, a elite brasileira acreditava que o “problema negro” do país seria resolvido com a importação de imigrantes europeus e o consequente “branqueamento” da população. Era uma espécie de pensamento mágico que hoje nos parece tão racista quanto ridículo. No século XXI, a mentalidade é de negação. Os miseráveis que pedem nas esquinas são negros e não há negros nos restaurantes caros, nos teatros e nas salas de reunião das grandes empresas. Ainda assim, as pessoas repetem, mecanicamente, que não há um problema social ligado à cor da pele no Brasil - e que a população negra não precisa de programas específicos de apoio e compensação. Isso me sugere que o país não fez uma autocrítica profunda da escravidão e que tampouco se percebe como descendente dos escravos. Como no século XIX, ainda nos enxergamos como um país branco que tem uma população pobre de negro, "um problema".
Por isso talvez não tenhamos no Brasil um Museu da Escravidão, embora tenhamos o Museu da Imigração. Num grupo o país se reconhece, o outro ele nega como um corpo estranho. Isso faz com que nossas crianças e jovens sejam privados de um museu onde poderiam- por exemplo - ganhar o nome de um adolescente africano, embarcar no porão de um navio negreiro, ser vendido como animal no Valengo e entender a humilhação da senzala, onde pessoas cresciam e morriam em meio ao medo e à fome.
A escravidão foi o nosso Holocausto e nossas crianças e jovens, de todas as cores, deveriam ser ensinadas a refletir sobre isso. Se não por descenderem de escravos, por viverem cercadas das consequências profundas da escravidão todos os dias, em toda parte do país, ao longo de toda a vida.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/11/cade-o-museu-da-escravidao.html 

Ocupação e cidadania

IVAN MARTINS
27/11/2015 - 19h12 - Atualizado 28/11/2015 19h51

A ocupação das escolas estaduais pelos estudantes de São Paulo tornou-se um daqueles temas inevitáveis. O movimento já envolve mais de 170 escolas, virou assunto diário da imprensa e o debate chegou às redes sociais. Vejo pessoas fazendo coletas de mantimentos e se oferecendo para dar aulas aos estudantes acampados, num gesto espontâneo de solidariedade. Criou-se uma rede de apoio bonita, envolvendo pais e moradores do entorno das escolas. As pessoas sentem que algo importante está em jogo e que os secundaristas não devem ser deixados sozinhos para lidar com as autoridades. Se os jovens e a educação são prioridades do país, a reforma da sua maior rede pública de ensino é um assunto que interessa legitimamente a todos.
Por ter sido educado em escolas públicas, eu tenho simpatia por essa garotada. Eles estão mostrando que existem. Estão dizendo – com todas as letras – que as escolas privadas não detêm o monopólio social da inteligência e da instrução. Ao se mobilizar, eles dão uma demonstração de poder. Fazem a sociedade olhar na direção deles e percebê-los pelos que são: jovens articulados e críticos, e não cidadãos de segunda classe, e não vítimas passivas de um sistema de ensino que deveria ser muito melhor do que é.
Ontem, quinta-feira, eu fui visitar a Escola Estadual Miss Browne, que fica perto da minha casa. Pretendia entrar e conversar, mas os estudantes não deixaram. Disseram que apenas eles e seus pais têm acesso livre. A escola tem 600 alunos e 90 se revezam na ocupação, há uma semana. É uma das 92 que o governo quer fechar no final deste ano letivo. O secundarista que conversou comigo – sob o olhar atento de quatro colegas – me disse que se a reforma passar ele e os colegas serão transferidos para uma escola a dois quarteirões de distância, com salas superlotadas de 60 alunos. Ele reclamou que o governo não conversa com eles e que ignorou os protestos e manifestações contra a reforma que vinham realizando desde setembro: “Por isso resolvemos ocupar. Agora não vamos sair”.
Acho o número de 60 alunos por classe exagerado, mas o rapaz tem um ponto. Se o número de estudantes na rede paulista caiu de 6 milhões para 3,8 milhões nos últimos 20 anos, em função de mudanças demográficas, por que não se aproveita a oportunidade para montar classes de 15 ou 20 alunos, que tornariam as condições de ensino melhores do que são? Se um técnico na secretaria de educação decidiu que os alunos do Miss Browne serão alojados em classes com mais alunos do que na sua escola original – embora o número de alunos da rede estadual tenha caído em mais de um terço – eles têm razão de se opor à mudança. E há também a questão do diálogo.
O secretário de Educação, Herman Voorwald, diz que não conversa com os estudantes enquanto eles não saírem das escolas. Ao mesmo tempo, garante que a reforma continuará exatamente como planejada. Essa é a receita do impasse. Não seria mais simples sentar com estudantes e explicar como a mudanças iria afetá-los diretamente? Não deve ser difícil mostrar aos garotos e garotas inteligentes do Miss Browne que eles têm números fantasiosos na cabeça e que, na verdade, serão transferidos para salas menores que as atuais, e que  seus professores favoritos tampouco serão demitidos. Tenho certeza que os estudantes entenderiam – se essa for a realidade.
Ainda que pareçam arrogantes e injustamente amotinados, esses adolescentes representam o que há de melhor na juventude do país. Em vez de se entregar ao niilismo ou ao consumismo, em vez de participar do cinismo geral, eles se organizavam, eles debatem, eles atuam de forma inteligente e destemida. Eles não praticam violência.Eles propõem um debate sobre a educação que é essencial ao país, mas governo do Estado parece acreditar que eles são apenas títeres de organizações sindicais ou grupos de esquerda, manipulados para criar dificuldades políticas para o governo. Isso era o que diziam os generais da ditadura em relação aos movimentos estudantis dos anos 1970. Eles estavam errados então, assim como governo de São Paulo está errado agora.
A própria Justiça paulistana decidiu que as escolas pertencem aos alunos, por isso não cabe a reintegração de posse desejada pelo governo. É uma outra forma de dizer que ninguém invade o que é seu
Para mim, esse debate em torno das escolas ocupadas é menos sobre educação e mais sobre cidadania. Como uma sociedade lida com jovens que estão pedindo algo que todos concordam que eles têm direito de exigir: melhor educação? Pode-se chamar a polícia – como o governo do Estado tentou fazer no Colégio Fernão Dias, antes de ser contido pela Justiça – ou pode-se ignorá-los, como o governo está fazendo agora. Mas é possível também conversar. 
Esse é o momento da vida em que os adolescentes podem aprender a participar da vida pública ou podem ser levados a acreditar que é inútil protestar diante das decisões do Estado. O que nós, adultos, queremos que eles aprendam?

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/11/aula-de-cidadania-no-miss-browne.html 

Dilma no elevador

IVAN MARTINS
07/12/2015 - 12h23 - Atualizado 07/12/2015 12h52

Agora que se fez formalmente o pedido de impeachment da presidente Dilma, estou preocupado – perdoem a mesquinhez – com a deterioração da vida social no elevador do prédio em que eu moro. Durante as eleições, muitos dos meus afáveis vizinhos de classe média se converteram em educados mas determinados antipetistas, e o espaço restrito do elevador virou, temporariamente, uma arena onde se testavam vontades e duelavam convicções:
- Agora vamos ganhar e tirar esse pessoal do governo, né?
- Bom, por mim eles continuam.
- ... (silêncio perplexo e indignado até a garagem).
Não é fácil lidar com essa situação diariamente. Somos criaturas sociais e os confrontos nos desgastam e estressam. Por isso se inventou a conversa fiada. Entre o quinto andar e o térreo, discute-se a vitória do Palmeiras ou a onda de calor, não pontos de vista contrários sobre o futuro do Brasil. Agora, com a espada do impeachment pairando sobre o país, imagino a conversa a partir desta semana:

- E aí, agora a Dilma cai, né?
- Acho que não cai, e talvez nem fosse bom que caísse.
- Mas ela está acabando com o país!
- ... (silêncio contrariado até o térreo).
Numa peça famosa, escrita em meados dos anos 1940, o filósofo Jean-Paul Sartre aprisiona três personagens num espaço restrito (que poderia muito bem ser um elevador) e faz com que exponham seus medos e desejos, sem possibilidade de evasão. Um dos personagens resume a situação intolerável numa frase que entrou para o vocabulário universal: “O inferno é o outro”.
Na verdade – Sartre que me desculpe – o inferno é o elevador. Do outro a gente se livra desviando os olhos, andando rápido ou se fingindo de surdo, mas o elevador não nos permite nada disso. Ele pode nos colocar cara a cara com um rapaz de 1,90, praticante de jiu-jitsu, que está convencido de que o impeachment da presidente Dilma significa a redenção moral e econômica do Brasil. Como defender o contrário, de forma fisicamente segura, num espaço tão exíguo?
Estou brincando, claro. A ameaça de violência ainda não faz parte da realidade da classe média. Somos essencialmente civilizados, exceto pelos sociopatas habituais. O que nos incomoda é a chateação da discordância. Somos feridos pelo olhar de irritação do outro ou por aquele movimento dos lábios que indica sarcasmo e desprezo. Nos exige esforço fincar o pé em nosso próprio ponto de vista e confrontar o olhar seguro ou exasperado do oponente. Saber que ele pensa o contrário nos incomoda; ouvi-lo dizer isso com clareza, mesmo que de forma educada, nos contraria ainda mais. Opor-se à abertamente à sua opinião, mesmo com delicadeza, nos custa, embora possa vir a ser inevitável.
Por isso, enquanto o impeachment estiver sendo discutido, vou propor na reunião de condomínio que o elevador seja declarado espaço livre de política. Como os banheiros e quartos de hospitais. Ninguém aborda você no recesso do vaso sanitário para falar mal da presidente ou do Geraldo Alckmin. Ninguém se aproxima do leito de um convalescente para perguntar o que ele acha do Eduardo Cunha. Acho que no elevador deve imperar o mesmo tipo de contenção. Caso contrário, pratica-se uma forma de assédio político, tão intolerável quanto o fiu-fiu.
Torço, como tantos, para que o processo de impeachment se resolva rapidamente. Meus nervos e o dos meus vizinhos não aguentarão meses seguidos de debate estéril em torno desse assunto. Os campos estão claros, os argumentos de cada um dos lados estão postos, que o Congresso proceda rapidamente à votação. Acho que Dilma sairá vitoriosa e que isso fortalecerá a jovem democracia brasileira, mas posso estar errado nos dois pontos de vista. Só não quero ter de debatê-los no elevador. Política se discute no acolhimento dos amigos ou nos espaços amplos da vida pública, onde pontos de vista contrários se confrontam democraticamente. No elevador, cabem melhor os sorrisos acanhados e os longos silêncios. Gases e opiniões inflamadas não são bem-vindos.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/12/dilma-no-elevador.html 

“Infeliz, desrespeitoso, arrogante e machista”

O fato político mais relevante de 2015

"Exatamente por ser a escola pública nossa propriedade coletiva, não cabe a adoção, de cima pra baixo, de políticas que impactam na sua existência, funcionamento e dinâmica, sem qualquer diálogo com a sociedade e, especialmente, com aqueles que vivenciam seu cotidiano: estudantes, professores e funcionários", escreve Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo15-12-2015.
Eis o artigo.
Operação Lava Jato? Contas do Eduardo Cunha na Suíça? Processo de impeachment da presidente Dilma? Carta do vice-presidente Michel Temer? Nenhum desses é o fato político mais relevante de 2015. A meu ver, 2015 entra para a história política especialmente pela vitoriosa mobilização dos estudantes secundaristas de São Paulo contra o projeto de reorganização das escolas que o governo Alckmin tentou implementar, que, entre outras medidas, fecharia 90 escolas estaduais.
Durante quase um mês, estudantes do ensino médio promoveram ocupações em mais de duzentas escolas e realizaram diversas manifestações públicas nas ruas, sendo violentamente reprimidos pela polícia. Com amplo apoio não apenas de familiares e de setores ligados à área educacional, mas também da população em geral, a mobilização estudantil finalmente levou o governador a recuar da proposta, revogando, no último dia 5, o decreto da reorganização das escolas. No mesmo dia, o secretário de educação entregou sua carta de demissão.
A vitória dos estudantes é o fato político mais importante de 2015 especialmente por três razões. Em primeiro lugar, porque revela o que o imaginário dominante sobre a escola pública oculta: o profundo vínculo dos estudantes com esse espaço. Esse sentimento de pertencimento que a mobilização dos estudantes expressa contraria o discurso hegemônico que costuma resumir a escola pública à ideia de falta de qualidade e a lugar de violência, depredação e abandono. O que testemunhamos neste mês de mobilização foram justamente diversas das qualidades que estão presentes neste lugar.
Segundo, porque no momento em que ocupam um espaço público como a escola, reclamando a necessidade imperiosa de participação ativa nas decisões sobre seu destino, esses estudantes estão afirmando que os espaços públicos não são propriedade privada nem de governos, nem de políticos, mas sim propriedade coletiva dos cidadãos. Por isso não tem cabimento classificar de invasão a ação dos estudantes, como fez sistematicamente o governador. Trata-se, mais propriamente, da ocupação de um espaço que já é deles, e justamente para esclarecer a natureza do que é público, já que muitas vezes governantes e gestores se esquecem disso. 
Exatamente por ser a escola pública nossa propriedade coletiva, não cabe a adoção, de cima pra baixo, de políticas que impactam na sua existência, funcionamento e dinâmica, sem qualquer diálogo com a sociedade e, especialmente, com aqueles que vivenciam seu cotidiano: estudantes, professores e funcionários.
terceira razão é que, diante do cenário catastrófico do mundo político brasileiro atual, jovens com idade entre 15 e 18 anos, em média, dão ao país uma esperança, mostram uma luz no fim desse túnel macabro em que nos encontramos. Essas meninas e meninos estão dando uma verdadeira aula de organização, mobilização e, especialmente, de ressignificação das noções de "público" e de "democracia", ao se apropriar do que é comum, ao exercer formas horizontais e amplas de tomada de decisão, enfrentando a tecnocracia, a discriminação e o autoritarismo, marcas pesadas de nossa organização social e política.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/550193-o-fato-politico-mais-relevante-de-2015 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Dez declarações de políticos que resumem por que 2015 foi louco

Leonardo Sakamoto 14/12/2015 08:22

Este inenarrável 2015 ainda não acabou, mas a temporada de retrospectivas já começou.
Este blog começa a sua elencando dez declarações de políticos sobre fatos que marcaram o ano. Não são confusas ou engraçadas – caso contrário, Dilma teria um post só para si. São declarações paradigmáticas do que foi o Brasil de 2015 por estarem relacionadas a acontecimentos que tiveram repercussão nacional.
Em tempo: deixei de fora frases do deputado federal Jair Bolsonaro. Seria fácil demais.
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“Estou com ele para o que der e vier.''
Paulinho da Força, deputado federal (SD-SP), sobre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusado de receber milhões de dólares de propina através de desvios da Petrobras, de ter escondido dinheiro no exterior e ter mentido sobre isso numa CPI, entre outras coisas.
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“Um dia chegaremos a um estágio em que será possível determinar se um bebê, ainda no útero, tem tendências à criminalidade; e, se sim, a mãe não terá permissão para dar à luz.''
Laerte Bessa, deputado federal (PR-DF) relator do projeto que reduz a maioridade penal, ao jornal inglês The Guardian.
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“Foi um episódio único na minha vida (…) Quem que não tem uma briga dentro de casa?''
Pedro Paulo, secretário de Governo do Rio e pré-candidato a Prefeitura da capital carioca pelo PMDB, tentando explicar porque não deveria ser enquadrado na Lei Maria da Penha por ter agredido a companheira em 2010. Dias depois, surgiu a notícia que ele já havia socado a mulher em 2008.
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“Os índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção.''
Kátia Abreu, ministra da Agricultura, explicando porque seu colegas latifundiários resolveram apostar agora na aprovação da PEC 215 (que tira exclusividade do governo federal nas demarcações). Na mesma entrevista à Folha, aliás, ela também avisou que “latifúndio não existe mais [no Brasil]''.
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“É bom não encarar a Samarco apenas como a que destruiu o rio. Ela foi vítima também.''
Theodorico Ferraço, presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (DEM), sobre a mineradora (controlada pela Vale e a BHP) e o maior desastre ambiental da história do Brasil.
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“Há uma nítida ação política.''
Geraldo Alckmin, governador de São Paulo (PSDB), desqualificando o próprio ofício de político para tentar desidratar o protesto de estudantes contra o plano de fechamento de escolas e realocação forçada de alunos no Estado.
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“Eu não respeito delator.''
Dilma Rousseff, presidente da República (PT), ao rejeitar as declarações feitas por Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC, sobre supostas doações irregulares para a sua campanha.A operação Lava Jato só conseguiu desbaratar o esquema de corrupção graças ao uso de delatores.
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“Foram buscar informações com uma filósofa lá em mil trocentos e pôco (sic) para impor a nós a discussão de gênero. Como pode alguém ser um homem de manhã e mulher à noite? Dizem que isso acontece porque as pessoas sentem uma pulsão (sic). Mas eu digo. É preciso tomar cuidado com essa pulsão, porque isso pode te levar para cadeia.''
Campos Filho, vereador da Câmara Municipal de Campinas (DEM), ao propor uma moção de repúdio “contra a inserção de questão de temática de ideologia de gênero'' ao Ministério da Educação por ter usado no Enem a frase “ninguém nasce mulher: torna-se mulher'' de um livro da filósofa Simone de Beauvoir (1908-1986).
campos
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“Os dois ministros [Marcelo Castro, da Saúde, e Celso Pansera, Ciência e Tecnologia, ambos do PMDB] foram nomeados por ele [Leonardo Picciani, líder do PMDB na Câmara]. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo [do PMDB] e a mim ligado.''
Michel Temer, vice-presidente da República (PMDB), reclamando por cargos em carta já histórica à presidente Dilma Rousseff.
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“Kátia, dizem por aí que você é muito namoradeira.''
José Serra, senador (PSDB-SP), que atravessou uma conversa em andamento, durante um jantar com a presença de políticos em Brasília, dirigindo o comentário à ministra da Agricultura Kátia Abreu. Pouco tempo depois, ganhou um estrondoso esporro e o conteúdo de um cálice de vinho.

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/12/14/dez-declaracoes-de-politicos-que-resumem-por-que-2015-foi-louco/