terça-feira, 3 de novembro de 2015

Por que os racistas estão soltos?

IVAN MARTINS
02/11/2015 - 19h38 - Atualizado 02/11/2015 19h38

Taís Araújo é linda. Eu a vi há duas semanas, no teatro, dividindo o palco com o marido, Lázaro Ramos. Não fiquei apaixonado pela peça – O topo da montanha, sobre o líder negro americano Martin Luther King – mas me emocionei ao ver Taís e Lázaro de perto, interpretando. Ele tenso e contido; ela, furiosa e sarcástica. Senti que me enchia de orgulho por eles. Por formarem um casal bonito e talentoso. Por usarem sua arte e sua notoriedade para falar de coisas importantes. Por serem brasileiros negros que abraçam sua identidade de forma tão natural. Acho que qualquer um que tenha sensibilidade para as questões raciais – como eu tenho – se sentiria tocado. Não há muitos casais como Taís e Lázaro no Brasil. Eles merecem admiração, respeito e carinho.
No entanto, abri a internet ontem e dei de cara com a notícia de que o perfil de Taís no Facebook fora vandalizado com comentários racistas. Coisa pesada. “Já voltou da senzala?”, “Quem postou a foto desse gorila no Facebook?”, “Crioula vadia”, “Não sabia que no zoológico tinha câmera”. Se a gente olha as imagens, percebe que todos os comentários foram feitos mais ou menos no mesmo horário. Pode ser trabalho de uma pessoa ou de um grupo organizado. De qualquer forma, uma hora depois de publicados, alguns dos comentários já tinham 250 Likes. Isso quer dizer que muita gente achou as ofensas bacanas.
O que dizer sobre isso? Três coisas.
1. Esse episódio demonstra que o racismo, embora socialmente moribundo, ainda existe entre nós. Os racistas se escondem atrás de perfis falsos do Facebook e do Twitter, não se atrevem a sair à luz do dia, mas estão aí - assim como es pessoas que apertam o botão de curtir para eles. Juntos, os racistas e seus simpatizantes constituem uma ínfima e doente minoria, gente que vive num gueto mental a cada dia menor e mais clandestino. A reação automática de apoio a Taís, que envolveu dezenas de milhares de pessoas, mostrou de novo que o país não quer nada com essa gente. Ainda assim, é preciso combatê-los. Num pais que sofreu mais de 300 anos de escravidão, que sequestrou 3 milhões de homens, mulheres e crianças na África para que trabalhassem até morrer, que produziu, em consequência disso, um dos modelos sociais mais desumanos e desiguais do mundo, racismo não é conversa de salão. A escravidão foi o nosso Holocausto e os racistas são o equivalente moral dos nazistas. Tolerá-los é uma forma suicida de leviandade.
2.  Por que a Polícia Federal e o Ministério Público não tratam esse assunto como prioridade? Em julho, houve ataques racistas contra a Maria Julia Coutinho, a Maju, que apresenta previsão do tempo do Jornal Nacional. Agora a vítima é a Taís Araújo. Talvez haja um grupo organizado de racistas se aproveitando do vale tudo ideológico que virou o Brasil para tirar as manguinhas de fora na internet. As pessoas comuns saem em defesa das vítimas de racismo, criam hashtags dizendo #eusouTaís e #eusouMaju, se solidarizam, mas cadê a lei para identificar e punir os criminosos? No caso da Maju, havia mais de 12 comentários racistas na página do JN do Facebook, mas a polícia, segundo eu consegui apurar, só achou um culpado:um adolescente de 15 anos de Carapicuíba, em São Paulo, inimputável. Cadê os outros? Será que o empenho em achar delinquentes e “passar o país a limpo” só vale para as grandes operações políticas? Os brasileiros negros e outras pessoas de bem que pagam os salários dos procuradores gostariam de ver os racistas da internet sendo conduzidos sob escolta da polícia federal para a carceragem. Afinal, racismo não é menos crime do que corrupção.
3. Quando o Facebook vai começar a agir de forma eficaz contra gente que usa suas páginas para cometar crimes? Se eu postar a foto de um peito feminino ou de uma índia nua na minha página do Face, serei tirado do ar, mas os caras que postam comentários racistas não são incomodados pelo sistema de vigilância automático da rede social. Por quê? Se aqui, no site da Época, eu publicar ofensas racistas, a revista será responsabilizada judicialmente. O Facebook, não. Serve de plataforma para bandidos e não arca com o custo moral ou legal desse comportamento. Embora fature US$ 15 bilhões por ano, a empresa de Mark Zuckerberg alega não ter como filtrar postagens escritas sem cometer erros e censura. Seus executivos dizem que a denúncia posterior é a única forma adequada de controle - mas ela já se mostrou grotescamente imperfeita, como nos casos de Taís e Majou. O Facebook dá a si mesmo 24 horas depois da denúnca para reagir a um ataque contra uma pessoa ou um grupo. E pode decidir que nem é o caso de tirar as agressões do ar. Não sei quanto a vocês, mas eu acho isso totalmente inadequado. Uma empresa tão rica e tão poderosa, que se tornou tão influente, tem de fazer melhor. Não pode dar palanque a gente que difunde o ódio e alegar que não há meio de barrá-los. Isso simplesmente não serve. Eu, você, a Maju e a Taís temos o direito de exigir mais. Que, na verdade, é o  mínimo

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/11/por-que-os-racistas-estao-soltos.html 

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