IVAN MARTINS
11/11/2015 - 08h45 - Atualizado 12/11/2015 11h07
Eu sentia falta dos pés dela. Toda vez que pensava na ex-namorada, lembrava dela deitada no sofá, com os pés no meu colo. Enquanto conversávamos ou víamos televisão, eu apertava aqueles pés descalços e macios, numa massagem sem pressa e sem censura. Sempre soube que aquilo me dava prazer, mas não poderia antecipar que aquela cena doméstica, entre tantas outras, ficaria gravada como sinônimo de estar com ela – e me traria tanta saudade no futuro. Não poderia imaginar que essa era a imagem que não seria deletada.
As separações – agora eu sei - não se medem pelo tempo dos relógios ou dos calendários. Elas têm andamento próprio. Avançam e retrocedem ao sabor de eventos invisíveis. Num dia, parecemos prontos a recomeçar. No outro, mal conseguimos sair de casa. Em três meses, quem sabe, talvez já possamos namorar de novo. Mas pode ser que leve um semestre. Ou mais.
Não estamos no controle, percebem? Podemos decidir o que faremos nos próximos 10 anos, mas não o que iremos sentir nas próximas horas. O amor que um dia dividimos se recusa a morrer. Ou nós nos recusamos a permitir que ele morra, porque de alguma forma ele nos define. Dá na mesma.
Enquanto isso, experimentamos uma estranha vida dupla: a de dentro e a de fora. Na vida de fora, há festas, encontros, pessoas passam e sorriem e nós sorrimos de volta, encantados. Trocamos telefones, marcamos encontros, fazemos sexo e ouvimos confidências. Tudo parece avançar. Mas, na vida de dentro, a relação antiga se perpetua, congelada. Imagens do passado irrompem no meio de um beijo no presente. Durante a festa, há uma pontada irracional de ciúme: onde ela estará agora, com quem? Na hora de dormir, a vontade insidiosa de chamar, dizer, contar. Seria tão fácil, tão simples. Por que diabos inventaram o telefone, senão para nos atormentar com as possibilidades do impossível?
Faço drama? Naturalmente, mas pode chamar de literatura. A esta altura da vida – da minha vida, ao menos – está claro que as rupturas são assim. Depois da separação, há um longo período de sombra e turbulência. A gente não se desvincula instantaneamente, mas eventualmente se desvincula. A gente não deixa de gostar de uma hora para outra, mas acaba acontecendo. A gente não controla os sentimentos, mas domina gestos e atitudes – e, cedo ou tarde, os sentimentos se curvam às nossas decisões.
Faço drama? Naturalmente, mas pode chamar de literatura. A esta altura da vida – da minha vida, ao menos – está claro que as rupturas são assim. Depois da separação, há um longo período de sombra e turbulência. A gente não se desvincula instantaneamente, mas eventualmente se desvincula. A gente não deixa de gostar de uma hora para outra, mas acaba acontecendo. A gente não controla os sentimentos, mas domina gestos e atitudes – e, cedo ou tarde, os sentimentos se curvam às nossas decisões.
Lembre: as pessoas não viram monstros quando deixam de gostar da gente. De forma nenhuma. Mas tampouco se tornam deusas, heroínas, ou modelos internacionais de caráter e beleza. As qualidades das pessoas que a gente ama são, em larga medida, emprestadas pelo nosso olhar apaixonado. Com o tempo, se soubermos nos conter e esperar, o ex-parceiro será reduzido às suas humanas (e dignas) dimensões. Basta ter paciência e desejar que isso aconteça. Quem quiser passar anos de joelhos no altar do ex-amor passará. É mais fácil do que parece, embora doa.
Durante o longo intervalo do afeto adoecido, não haverá paixão alguma. Em terreno de incerteza e melancolia, novos sentimentos não prosperam. Enquanto a vida de dentro for uma, e a vida de fora for outra, nada importante vai acontecer. Por isso é preciso desaprender a amar. Sem pressa, mas com determinação. Esquecer os pés macios, os olhos amendoados, o cheiro dos cabelos, as piadas íntimas. Que tal dar um basta a isso tudo, solenemente? É possível. Talvez seja imprescindível. Nossa capacidade de amar não pode ser uma arma apontada contra o nosso peito, permanentemente.
As pessoas dizem que só um amor cura o outro. Eu acho o contrário. O novo amor, quando se revela, mostra que a transição foi concluída, que uma ponte foi erguida e que a gente atravessou em direção ao futuro. O novo amor sepulta o outro quando ele – ironicamente – já não precisa mais ser sepultado. Os pés que a a gente massageava viraram lembrança. E ao contrário da foto de Itabira na parede, já não doem.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/11/desaprender-amar.html
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