segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Hollister e os limites do Storytelling

Do Blog Macacos me bloguem

O que uma marca vende? Uma posição social? Um posicionamento ideológico? Um sonho? Um estilo de vida? Com certeza, todos eles e muito mais. Isso é o princípio de tudo. Quando as marcas surgiram, foi exatamente para diferenciar produtos essencialmente iguais. Esse café é melhor porque foi plantado numa terra melhor. Foi melhor irrigado, tratado com mais cuidado. Por isso ele é diferente, e talvez por isso ele custe mais.

Existem diversas maneiras de transmitir esses atributos da marca através da comunicação: a voz da marca, sua estética, cores, trilha sonora, até o meio onde ela transmite sua comunicação dizem muito sobre seu posicionamento. Anunciar no Canal Futura denota algo diferente do que anunciar na MTV, e as marcas deram mais um passo nesse caminho: começaram a contar histórias romantizadas, bem escritas e estruturadas para se conectar com o seu público-alvo e, com isso, ganhar mercado, personalidade e, logicamente, vender mais – é o famigerado storytelling corporativo.

A última notícia bombástica sobre o uso do storytelling corporativo é da marca de roupas Hollister. Nos últimos dias eles divulgaram a sua história, muito bonita por sinal, e até um pouco óbvia sobre onde eles querem chegar:

A marca seria o resultado das ideias de John M. Hollister, um jovem aventureiro, que não se contentava com o lugar comum, com a vida corrida das grandes cidades, que passou uma infância com as coisas simples da vida, um pouco bucólica até, em contato constante com a natureza, nadando e surfando nas praias do estado americano do Maine.

John se formou em Yale (quer dizer que ele não é só um aventureiro, é um aventureiro inteligente) no ano de 1915 e, não querendo ter uma vida corrida, atribulada, cheia de compromissos como a do seu pai em Nova York, em 1917 viaja para as Índias Orientais Holandesas, na Ásia.

Ao chegar lá, se apaixona pela filha do dono da plantação de borracha em que trabalhava. O casal resolve voltar para Los Angeles navegado em um veleiro pelo Oceano Pacífico em 1919 com o nobre objetivo de abrir uma loja de artesanato. A marca Hollister Co. começaria a funcionar em 1922 com o trabalho também do filho do casal, um surfista também com cabeça de empreendedor que levou essa marca à frente.

O que aconteceu é que na verdade a marca surgiu em uma reunião de marketing dos executivos de terno e com a vida corrida de Nova York no escritório da Abercrombie & Fitch, no frio estado de Ohio.

Acho que você já percebeu o que aconteceu aqui. Vamos dividir a análise em duas etapas: a primeira, da história, e a segunda, do uso do storytelling.

Vamos à história: fica muito fácil entender para quem ela foi construída, certo? É a história que o público que consome esse estilo de roupa quer ouvir. Se conecta emocionalmente com eles. Não querem ter uma vida corrida em cidades grandes, são sonhadores, querem ter contato com a natureza, talvez praticar algum esporte radical (ou somente falar que praticam), não concordam com o estilo de vida dos pais, sonham em se aventurar por terras exóticas, viver um verdadeiro amor e continuar se aventurando com ele.

Clichê, clichê, clichê. Tudo isso tem, descaradamente no storytelling apresentado pela marca. Afinal, contar que ela surgiu de uma reunião de marketing onde foi levantado uma oportunidade de Mercado para a venda dessas roupas não vai cativar ninguém.

Até aqui é justo. Uma história simples, cheia de clichês de filmes da Sessão da Tarde, mas que se conectam com o público. Mas é certo inventar um storytelling que não aconteceu para vender uma marca?

A discussão é complexa e profunda. Storytelling é um conceito que “virou moda” há poucos anos, mas que é usado há muitos. Muitas campanhas de comunicação emblemáticas que conhecemos são storytelling de ficção. A Coca-Cola reinventou o Papai Noel, mostra que dentro das suas vending machines existe um mundo mágico, ao mesmo tempo que a Axe criou um mundo onde quem usa seu desodorante fica irresistível ao sexo oposto. Tudo mentira, certo? Então a primeira barreira que precisamos quebrar é a questão da verossimilhança: se a marca assume que é fantástico, o público entende que é ficção. Mas e quando a marca cria uma história verossímil, que poderia ter acontecido? Caso dos sorvetes Diletto, sucos Do Bem e mais recentemente, da Hollister? Encaramos como mentira?

O principal parâmetro que precisamos ter ao julgar um storytelling como mentiroso é se a marca engana seus consumidores na qualidade e atributos do produto que entrega. Isso sim é perigoso. Se a Volvo cria campanhas contando histórias que seus carros são mais seguros, eles têm que ser mais seguros.

A Diletto criou uma história de um avô que veio da Itália com a receita do seu sorvete especial escondida na roupa. Isso não compromete a qualidade do produto. Não engana o consumidor perante o que ele espera receber. Se eles dissessem na história que criaram um sorvete que emagrece, isso sim seria problemático.

O padrão esperado de um storytelling é ser novo, criar conexões, posicionar a marca, dar personalidade a ela. Tem que ser inovador, criativo, só não pode vender algo que ela não entrega.
Meu julgamento é que o storytelling da Hollister é justo, criou uma história que reflete o público da marca, que conversa com ele, fala a mesma língua. Isso pode ser feito em uma história ou em campanhas publicitárias, de qualquer maneira será transmitido. E enquanto estiver nesse campo, e não mentir sobre a sua qualidade ou a entrega do produto, funciona.

Para mim, a marca de corte de um storytelling é não lesar o consumidor. Podemos ser lúdicos e poéticos, mas não lesar o público que queremos nos conectar. Enquanto ele for utilizado para criar personalidade de marca, é justo. E, se for ficção, não custa nada sinalizar isso. Afinal, quando como já diria a máxima: “Se a versão é melhor que a verdade, publique-se a versão”.

http://www.monkeybusiness.com.br/blog/hollister-e-os-limites-do-storytelling/ 

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