sexta-feira, 17 de julho de 2015

E, numa certa manhã, Dilma não parecia Dilma

Leonardo Sakamoto


O mordomo do Palácio da Alvorada, acostumado ao humor peculiar da mandatária da República, surpreendeu-se com a pessoa amável que lhe deu um bom dia radiante e um abraço apertado logo pela manhã. Dilma não parecia Dilma.
“A chefe não está bem'', pensou. A preocupação cresceu quando ela deixou de fazer a costumeira ligação do chora-ministro logo cedo – e foi às tampas quando, pessoalmente, agradeceu à cozinheira pela gemada.
Chegando ao Planalto, trancou-se em seu gabinete, solicitou “O Glorioso Retorno De Quem Nunca Esteve Aqui'', do Emicida, “Sobrevivendo no Inferno'', dos Racionais, e – é claro – o Acústico MTV, do Paulinho da Viola, exigindo não ser interrompida em hipótese alguma.
Dizem que a única pessoa que recebeu foi Francisco, que saiu de lá bem animado.
Ao final do dia, e sem explicar a ninguém, convocou uma coletiva à imprensa para apresentar o que ela chamou de seu “derradeiro PowerPoint''.
Em uma calma nunca antes vista na história deste país e sem gaguejar ou falar de cachorros, crianças e figuras ocultas, explicou que os planos haviam mudado. E que a Carta ao Povo Brasileiro, divulgada por Lula para tranquilizar o mercado nas eleições de 2002, estava, agora, na reciclagem.
Sabendo que seu mandato poderia não durar muito mais, informou que Joaquim Levy estava demitido e seria instaurada imediatamente uma auditoria da dívida pública brasileira.
Frente ao rosto incrédulo dos presentes, declarou que terras indígenas e quilombolas pendentes seriam demarcadas imediatamente, uma reforma agrária estrutural (e não o arremedo feito até aqui) seria realizada pra ontem e um decreto destinara, para a moradia popular, todos imóveis mantidos vazios nas grandes cidades pela especulação imobiliária.
Enquanto alguns ministros que assistiam a cerimônia passavam por um infarto agudo do miocárdio e outros emitiam gemidos que mostravam que estavam quase-lá, ela afirmou que já haviam sido enviadas para o Diário Oficial medidas provisórias para implementação de taxação de grandes fortunas e sobre grandes heranças e uma reforma política radical para incentivar a participação social e a democracia direta. Além do mais, havia ordenado a revisão de todos os contratos ilegais de concessão de rádios e TVs.
Por fim, distribuiu cópias de dossiês para a imprensa com provas de corrupção envolvendo os partidos da base aliada, incluindo PT e PMDB e suas lideranças, e os partidos de oposição, como o PSDB e o DEM. Não poupou nem a direção do Congresso Nacional, do Judiciário e das Forças Armadas. Arrematou tudo com uma longa lista de todos os empresários doadores de campanha que se beneficiaram indevidamente do governo federal desde a redemocratização.
Os jornalistas, catatônicos, não fizeram uma única pergunta. Os ministros apenas observavam, de longe, com cara de espanto. As autoridades convidadas desapareceram – de Brasília. A única manifestação veio de Maria, antiga copeira do Planalto. num comentário sincero que ecoou pelo salão: “Afe! Agora, danou-se tudo''.
Dilma deu tchau, pegou sua bicicleta e voltou pedalando para o Alvorada.
O mordomo, que – incrédulo – acompanhara tudo pela TV, perguntou a ela se estava tudo bem.
– Olha, Antônio, não sei, viu… Sabe aqueles dias em que você acorda e sente que é outra pessoa?
– Não sei, não, senhora.
– Deixa pra lá. Tem como fazer mais daquela gemada?

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/07/15/e-numa-certa-manha-dilma-nao-parecia-dilma/ 

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