quinta-feira, 30 de abril de 2015

A gente se acostuma...

Por que os amigos morrem?

RUTH MANUS
25 Março 2015 | 11:08

Pra morrer, basta estar vivo. Todos sabemos dessa incômoda verdade. É inevitável, de vez em quando, pensar sobre esse assunto cruel que torna insignificante a imensa maioria das nossas preocupações, metas e conquistas.
Pensamos na dor de perder os avós, no pavor do dia em que perderemos nossos pais (esperando que a vida seja generosa o suficiente para não morrermos antes deles), na angústia de pensarmos se morreremos antes ou depois daquele que amamos. Mas, estranhamente, quase nunca colocamos os amigos nessa roda. Parece que os enxergamos como pessoas alheias a essa estapafúrdia ideia de morte.
Até que um deles morre.
Sério: como pode?! Amigos não devem morrer! Amigos não podem morrer! Amigos não foram feitos pra morrer!
Abre-se em nós uma imensa ferida que até pode parar de doer, mas nunca sara. Barganha, revolta, transtorno. Inconformismo com o mundo. Sensação de injustiça, de desamparo, de descrença na vida. Sensação eterna de vazio.
Tem dias em que a gente simplesmente esquece que eles não estão aqui, outros em que faz questão de fingir que esqueceu. Nos imaginamos, hoje à noite, numa mesa de bar, rindo e falando mal da vida, como sempre foi. Nos imaginamos perto deles, como se nada tivesse acontecido, como uma espécie de afronta a essa piada de mau gosto do destino.
Quem permitiu que os amigos morressem e que esse buraco se instaurasse no nosso peito, para nunca mais sair?
E é tão duro ter que viver das lembranças. Ter que mendigar sonhos com eles antes de dormir. Ter que implorar por sinais nas noites de angústia em que eles indicariam o melhor caminho. É tão pouco ter que imaginar. É tão difícil fechar os olhos e buscar a presença de alguma forma. É tão, tão duro.
A saudade vai tentando massacrar a memória, o tempo vai deixando o passado meio desfocado e a gente precisa lutar para não deixar que as lembranças esmoreçam. Para não permitir que a eterna indignação da perda se torne mais relevante do que as coisas boas vividas.
Às vezes nos flagramos imaginando como eles estariam agora, se não nos tivessem sido roubados pelo tempo. Imaginamos se teriam engordado, se namorariam a mesma pessoa, se estariam felizes no emprego, se continuariam gostando daquela velha música. Imaginamos se ainda usariam aqueles sapatos e se o corte de cabelo seria o mesmo.
Mas acima de tudo: imaginamos o que eles diriam sobre essa vida que estamos levando. Se diriam que a calça que estamos vestindo é cafona, se teriam apoiado nosso pedido de demissão, se achariam que esse relacionamento em que estamos é uma fria, se diriam “vamos sair hoje, que eu quero te falar algumas coisas.”.
Mas eles não estão aqui. Não vai ter barzinho, não vai ter conselho, não vai ter crítica acompanhada de risada, não vai ter xingamento bem vindo. Não vai ter abraço no fim da noite.
Passam os meses, os anos. A gente fica aguardando o dia em que algo mude. Ou que a gente pare de questionar, ou que eles surjam de surpresa numa festa de aniversário, contando que tudo não passou de um grande engano.
A verdade é que o tempo pode até diminuir a dor, mas nunca cura essa falta. E que a gente tem que parar de sofrer, para permitir que eles voem. Mas que talvez a gente nunca se conforme. Que talvez a gente passe a vida inteira tentando entender. E não entenda.
Mas quem tem amigos sabe: amigos nunca vão embora. Nós nunca fomos embora deles, nunca os despejamos do nosso peito, nunca deixamos que eles virassem passado. Por que eles haveriam de fazer isso então? Não fariam. Eles estão por aí, em algum lugar, olhando por nós com aquele ar de reprovação, rindo do que nos fazia rir juntos, cantarolando as músicas de sempre.
Estão aqui, estão na gente, caminhando ao nosso lado, guiando nossos passos como sempre guiaram. Porque amigos não vão embora.
http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/por-que-os-amigos-morrem/ 

A triste geração que virou escrava da própria carreira

Ruth Manus
29 abril 2015 | 11:11

Era uma vez uma geração que se achava muito livre.
Tinha pena dos avós, que casaram cedo e nunca viajaram para a Europa.
Tinha pena dos pais, que tiveram que camelar em empreguinhos ingratos e suar muitas camisas para pagar o aluguel, a escola e as viagens em família para pousadas no interior.
Tinha pena de todos os que não falavam inglês fluentemente.

Era uma vez uma geração que crescia quase bilíngue. Depois vinham noções de francês, italiano, espanhol, alemão, mandarim.
Frequentou as melhores escolas.
Entrou nas melhores faculdades.
Passou no processo seletivo dos melhores estágios.
Foram efetivados. Ficaram orgulhosos, com razão.
E veio pós, especialização, mestrado, MBA. Os diplomas foram subindo pelas paredes.

Era uma vez uma geração que aos 20 ganhava o que não precisava. Aos 25 ganhava o que os pais ganharam aos 45. Aos 30 ganhava o que os pais ganharam na vida toda. Aos 35 ganhava o que os pais nunca sonharam ganhar.

Ninguém podia os deter. A experiência crescia diariamente, a carreira era meteórica, a conta bancária estava cada dia mais bonita.

O problema era que o auge estava cada vez mais longe. A meta estava cada vez mais distante. Algo como o burro que persegue a cenoura ou o cão que corre atrás do próprio rabo.
O problema era uma nebulosa na qual já não se podia distinguir o que era meta, o que era sonho, o que era gana, o que era ambição, o que era ganância, o que necessário e o que era vício.

O dinheiro que estava na conta dava para muitas viagens. Dava para visitar aquele amigo querido que estava em Barcelona. Dava para realizar o sonho de conhecer a Tailândia. Dava para voar bem alto.
Mas, sabe como é, né? Prioridades. Acabavam sempre ficando ao invés de sempre ir.
Essa geração tentava se convencer de que podia comprar saúde em caixinhas. Chegava a acreditar que uma hora de corrida podia mesmo compensar todo o dano que fazia diariamente ao próprio corpo.

Aos 20: ibuprofeno. Aos 25: omeprazol. Aos 30: rivotril. Aos 35: stent.

Uma estranha geração que tomava café para ficar acordada e comprimidos para dormir.

Oscilavam entre o sim e o não.
Você dá conta? Sim. Cumpre o prazo? Sim. Chega mais cedo? Sim. Sai mais tarde? Sim. Quer se destacar na equipe? Sim.

Mas para a vida, costumava ser não:
Aos 20 eles não conseguiram estudar para as provas da faculdade porque o estágio demandava muito.
Aos 25 eles não foram morar fora porque havia uma perspectiva muito boa de promoção na empresa.
Aos 30 eles não foram no aniversário de um velho amigo porque ficaram até as 2 da manhã no escritório.
Aos 35 eles não viram o filho andar pela primeira vez. Quando chegavam, ele já tinha dormido, quando saíam ele não tinha acordado.

Às vezes, choravam no carro e, descuidadamente começavam a se perguntar se a vida dos pais e dos avós tinha sido mesmo tão ruim como parecia.
Por um instante, chegavam a pensar que talvez uma casinha pequena, um carro popular dividido entre o casal e férias em um hotel fazenda pudessem fazer algum sentido.

Mas não dava mais tempo. Já eram escravos do câmbio automático, do vinho francês, dos resorts, das imagens, das expectativas da empresa, dos olhares curiosos dos “amigos”.
Era uma vez uma geração que se achava muito livre. Afinal tinha conhecimento, tinha poder, tinha os melhores cargos, tinha dinheiro.

Só não tinha controle do próprio tempo.
Só não via que os dias estavam passando.
Só não percebia que a juventude estava escoando entre os dedos e que os bônus do final do ano não comprariam os anos de volta. 

http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/a-triste-geracao-que-virou-escrava-da-propria-carreira-2/ 

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Ficantes

IVAN MARTINS
29/04/2015 09h18 - Atualizado em 29/04/2015 10h37

Cada tempo da vida tem sua forma de amar. Ficar, definitivamente, é uma delas. Para os momentos de dúvida, para os momentos de troca, para os momentos que se definem pela transitoriedade. Ficamos como quem vai de um canto ao outro, acompanhados. Imagine uma viagem de ônibus em direção à praia, na manhã de sábado. O ficante está ao lado, tornando as coisas melhores. A gente se despede na chegada, embora tenha sido bom. Podemos nos voltar a ver, mas não é certo. Aquele momento acabou, reticências.
Ficar é leve, necessariamente. Um ato de carinho destituído de drama. Na ausência de um futuro glorioso, ou de um passado que nos ligue e magoe, podemos ser nós mesmos, sem complicações. O compromisso é a simplicidade e o agora. O beijo sem pressa, o sexo sem lágrimas, a conversa sem recriminações. Pela manhã, alguém se levanta e sai sem fazer barulho, talvez deixando um bilhete sobre a mesa. “Foi bom”.
Com os ficantes se aprendem coisas, claro. É tudo novidade. O corpo, as palavras, os gostos. Estamos na presença de uma pessoa estranha, afinal. As poucas horas tornam-se intensas. Há códigos a serem desvendados, prazeres a serem descobertos. Isso é bom, aquilo não funciona. Diante de você há um livro inteiro, mas foi combinado, sem dizer palavra, que não se irá além da página 5, 20, 30 talvez. Operaremos no modo básico, apenas com as funções essenciais do sentimento amoroso. E seremos felizes assim, por enquanto.
 
UM AMOR DEPOIS DO OUTRO, o novo livro de Ivan Martins (Foto: Foto: Divulgação)
Destituído de ambição, o ficar produz memórias eternas. Em 10 ou 20 anos, você se lembrará de um gesto sob o chuveiro, do sol refletindo no ombro dela na praça, daquele olhar na penumbra, repleto de ternura inesperada. Esses momentos irão se costurar como retalhos secretos à sua biografia. Serão parte inalienável do que você é. Comporão, discretamente, o repertório da sua vida. Ajudarão a entender quem você é, assim como aquilo que é capaz de provocar nos outros. Ficar ensina a gostar, mas, sobretudo, ensina a ser gostado.
Haverá um dia, claro, em que ficar já não será suficiente. Você estará pronto, seu coração estará maduro, seus sentimentos renovados esperarão, ansiosos, pelo momento de se voltar para alguém. Não mais por uns dias ou por algumas horas, mas com a promessa de ser para sempre. Você desejará, então, dividir uma casa, viajar para longe, criar um cão, receber os amigos. Você almejará ter planos e uma vida em comum. Nesse momento radiante, os ficantes ficarão para trás. Não como erros ou como desvios. Certamente não como perda de tempo. Terão sido parte da jornada, etapas de um caminho, pedaços de uma obra em andamento, parte de você.

Caldense pode ser campeã gastando 215 mil mensais

andreoli

Nos dias de hoje, qualquer jogador “meia boca'' custa aos cofres dos clubes entre 50 e 100 mil reais, e acha que esse salário é uma merreca. E a Caldense, pasmem, gasta exatos 215 mil reais para manter todo o seu elenco, incluindo técnico e comissão. Isso mesmo.
Está invicta, não tomou gols e se empatar domingo diante do Atlético Mineiro, pode ganhar o Campeonato. Uma façanha para essa pequena equipe de Poços de Caldas-MG.
Por isso, vários jogadores já são pretendidos por outros times maiores. Cruzeiro, Grêmio e Atlético Paranaense estão atrás do zagueiro Paulão, do volante Yuri e do meia Nadson. Além deles, Náutico, Criciúma e Ceará estão de olho também nesses jogadores e nos atacantes Léo, Thiago Azulão e Luis Eduardo.
A verdade é que o desmanche até o final do ano é inevitável.
Pior para a Caldense, que além de ficar sem suas maiores estrelas, mesmo ganhando o título, não vai receber um tostão da Federação Mineira, que não premia o vencedor. Sobrevivem com 340 mil reais que recebem da Globo como cota da TV.
Vão participar agora da série D do Brasileirão e continuam na Copa do Brasil. Na verdade, o clube acha que só verá a cor do dinheiro na venda de algum jogador, no fim desse ano. Até lá, vão se sustentar com a grana da renda da grande final do Campeonato, do patrocínio de camisa dessa partida e ainda o que vier dos sócios torcedores.
E pensar que a grana que o Atlético Mineiro gasta em dois ou três jogadores paga a conta toda da Caldense. É demais! A diferença financeira é astronômica.

E quem ficará com o título do estadual? O primo pobre ou o primo rico dessa história, hein?
http://andreoli.blogosfera.uol.com.br/2015/04/29/caldense-pode-ser-campea-gastando-200-mil-reais-mensais/ 

terça-feira, 28 de abril de 2015

Diz que ama o país e estaciona em cima de ciclovia

Leonardo Sakamoto

Nunca consegui entender as pessoas que saem enroladas em bandeiras verde e amarelas. Amor ao país? Pode ser. Mas acho que o querer-bem a um determinado lugar se traduz através de ações individuais e coletivas para torná-lo melhor para se viver e não entulhando bandeirinhas no carro ou pendurando flâmulas na sacada da janela.
Uma coisa não exclui a outra, claro. Mas não adianta entoar mantras de amor ao país e estacionar em cima da ciclovia. Ou ser contra a distribuição de renda. Ou manter uma terra improdutiva ou um imóvel fechado por anos em nome da especulação imobiliária. Ou sonegar impostos. Ou fazer vista grossa às grandes corrupções políticas e às pequenas corrupções do dia a dia.
Amar um território inclui amar a gente que nele vive. E isso passa mais por entrega e concessão do que por reafirmação de desejos e vontades pessoais a cada momento. É pensar: será que isso que estou fazendo não vai atrapalhar a vida do coletivo?
Tenho um certo arrepio diante quando ouço alguém cantar “Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor''. Se for em propagandas de cartões de crédito, até entendo. Mas por conta própria?
Nunca entendi como algumas escolas se preocupam mais em ter alunos que saibam o hino à bandeira do que compreender Guimarães Rosa.
Quando pequeno, lembro-me de ir a apenas um desfile do Dia da Independência, na avenida Tiradentes, aqui em São Paulo. E, mesmo assim, não ter ficado o suficiente para entender o que aquele bando de gente agitando bandeirinhas estava fazendo por lá. Uma das maiores contribuições dos meus pais foi exatamente ter me poupado de toda essa papagaiada patriótica.
Sei que datas cívicas servem para compartilhar (ou enfiar goela abaixo) elementos simbólicos que, teoricamente, ajudam a forjar ou fortalecer a noção de “nação''. Mostrando que somos iguais (sic) e filhos da mesma pátria – mesmo que a maioria seja tratada como bastardos renegados.
Por isso, me pergunto se passado não poderíamos fazer uma pausa para reflexão sobre nós e como estendemos o direito à dignidade a todos que habitam este território.
Ao invés de nos enrolarmos em bandeiras e transformar automóveis em carros alegóricos, poderíamos nos juntar para discutir a razão de chamarmos indígenas de intrusos, sem-teto e sem-terra de criminosos, camponeses de entraves para o desenvolvimento e imigrantes bolivianos e haitianos de vagabundos.
Ou reivindicar que o terrorismo de Estado praticado na periferia das grandes cidades, em um genocídio lento dos jovens negros em nome de uma (irreal) segurança dos mais abastados pare.
O melhor de tudo é que, todas as vezes que alguém levanta indagações sobre quem somos e a quem servimos ou conclama ao espírito crítico sobre o país, essa pessoa é acusada de não amar o país, no melhor estilo “Brasil: ame-o ou deixe-o'' dos tempos da Gloriosa.
Um leitor me disse dia desses que minha bandeira é vermelha e a dele é verde-amarela. Não, meu amigo, a minha é alviverde e levará o Campeonato Paulista deste ano.
Não amo meu país incondicionalmente.
Mas gosto dele o suficiente para me dedicar a entendê-lo e ajudar a torná-lo um local minimante habitável para a grande maioria da população.
Gente deixada de fora das grandes festas, entregues ao pão e circo de desfiles com tanques velhos e motos de guerra remendadas em datas festivas.
Mas que, quando voltam para casa, encaram a realidade da falta, da ausência, da dificuldade e da fome.
Qual a melhor demonstração de amor por um país? Vestir-se de verde e amarelo e sair gritando Brasil na rua?
Ama a si mesmo os que se escondem do debate, usando como argumento um suposto “interesse nacional'' – que, na verdade, trata-se de “interesse pessoal'' (aliás, somos craques em criar discursos que justificam a transformação de interesses de um pequeno grupo em questão de interesse público).
Se questionados, correm para trás da trincheira fácil do patriotismo.

Que, afinal de contas, como disse uma vez o escritor inglês Samuel Johnson, “é o último refúgio de um canalha''.
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/04/20/diz-que-ama-o-pais-e-estaciona-em-cima-de-ciclovia/ 

segunda-feira, 27 de abril de 2015

O pai de cada filho

ISABEL CLEMENTE
26/04/2015 10h03

"Então eu fiz com ele exatamente como ele fazia comigo. Disse assim: pai, imagina uma nuvem azul e respira fundo..."

"Ele fazia isso com você!?"

"Para eu relaxar...sim."

"De noite, na hora de dormir? Ele te botava para dormir!?"

"Sim, botava sim..."

"Sempre?"

"Ih, fez muito!"

"Sério, mesmo, papai te botava para dormir e te ajudava a relaxar!? Eu não sabia disso..."
"Principalmente quando eu estava com bronquite, aí ele dizia que a nuvem azul percorria todo o meu corpo até entrar pelo nariz e deixar meu pulmão todo azul."

"Que bonitinho..."

"É, era bonitinho sim."

O espanto era meu em conversa recente com minha irmã mais velha, a Sílvia, que tinha 14 anos quando eu nasci (ela vai me matar por ter contado isso). Entre nós duas, ainda vieram mais dois filhos. Sou portanto a quarta, a caçula ou a "raspa do tacho", expressão que só fui entender na íntegra aos dez anos quando cheguei na roça e vi o doce de leite sendo feito num tacho de barro.

Saber que papai a fazia dormir me deixou surpresa, nem com raiva nem com ciúme. Apenas surpresa porque eu não sabia que ele tinha tempo para isso. Incorporei esse dado novo ao perfil dele na minha cabeça e tratei de passar uma informação que ela também não tinha.

"Bem, o meu pai trazia um copão de água gelada na cama quando eu tinha sede", disse, como quem conta uma grande novidade.

"Copão?"

"Sim, de requeijão, todo suado por fora de tão gelada que a água estava. E eu tinha sede toda noite."

"Não sabia disso não."

Ele fez isso, durante muito tempo, inclusive um tempo quando ela já não estava mais com a gente por ter casado e saído de casa, e eu ainda era suficientemente criança para pedir muitos copos d´água à noite. A mamãe, em compensação, me botava para dormir, contava histórias e parava sempre quando a Chapeuzinho ia pela estrada afora..."

"Dormia?"

"Dormia. Quando acordava para contar o lobo mau já estava com a vovó na barriga ou era o caçador já resolvendo o problema..."

O pai da minha irmã tinha 25 anos quando ela nasceu. Morava de aluguel. Foi estudar Economia. Ela era filha única.

O meu pai era funcionário da Petrobras, com casa própria e duas linhas de telefone. Eu era a caçula de quatro.

O pai do meu irmão não deu bronca nele quando veio a primeira nota zero, mas chamou-o para refazer todo o exercício e mostrar que ele sabia.

O pai da minha outra irmã também a botava para dormir. Como terceira na linha filial, no entanto, ela acha que ele já não tinha tanta paciência com os pesadelos.

O pai do meu irmão botava a camisa dele suada para secar na frente do ar condicionado enquanto ele relaxava do futebol. Esse pai parece com o meu. Os dois têm mania de gelado. Até hoje.

O pai da minha irmã mais velha deu patins para ela e a estimulava a subir no trepa-trepa.

O meu pai andava de bicicleta comigo aos domingos e, coincidentemente, também queria que eu enfrentasse meus medos, os de fora em forma de manifestações da natureza (cavalos, cachorros, ondas) e os de dentro. "Você pode, Bebel". E eu ia lá e fazia, cheia de medo.

"Ele sempre pensava em algo que fosse ter algum retorno de aprendizado quando a gente era pequeno", me diz a irmã mais velha.

Toda vez que meus irmãos dizem "a gente" eles se referem a eles mesmos porque quando nasci eles acham que não eram mais tão pequenos assim.

O meu pai adorava arrumar o sótão, e aquele lugar da casa era tão inacessível que hoje eu sei o quanto de aprendizado também cabia naquela concessão que ele fazia ao me convidar para subir a escada rumo ao telhado. Ainda mais quando meus irmãos não estavam nem um pouco interessados naquilo. Eu era filha única da aventura no sótão.

As pessoas são assim, diferentes ao longo da vida. Não se pode esperar que um indivíduo seja o mesmo o tempo todo. O rigor típico da educação do primeiro filho cede espaço para algum relaxamento, ou preguiça, ou uma nova compreensão da vida depois. Vai saber. Irmãos lidam com os mesmos pais em versões alteradas pela química do tempo.

Como primeiros ou últimos da fila, teremos vantagens e desvantagens por ser quem somos. E, de qualquer forma, ainda que numa hipótese absurda, os pais fossem as mesmíssimas pessoas ao longo de toda uma vida, um filho não é igual ao outro e, tal qual elementos de tabela periódica, produzem efeitos inesperados a depender da combinação.

Nós seis - pai, mãe e quatro filhos - juntos éramos muito diferentes de apenas três no final, quando eu sobrei na casa dos pais. Cada vez que um daqueles elementos saiu para inaugurar um outro núcleo familiar com sua química irreproduzível, a minha química também foi sendo modificada por aquela ausência de disputas por lugares no sofá, pelo canal da televisão, pelo direito de falar no telefone por muito tempo, pelo silêncio maior.

O pai da nuvem azul e o pai do copo gelado são versões diferentes de um indivíduo, um pai forjado por amor, intempéries, decisões e combinações tão variadas que só poderia ser uma pessoa única para cada um de seus filhos.

A colunista estará de férias e só voltará a publicar neste espaço no dia 23 de maio.
Isabel Clemente escreve aos domingos
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/isabel-clemente/noticia/2015/04/o-pai-de-cada-filho.html

Novo país europeu, Liberland possui impostos facultativos e só aceita cidadãos que respeitem a liberdade do próximo

Coxinha ou empadinha? Neste caso não altera de que lado esteja, pois ambos não teriam chances de se tornarem habitantes do mais novo país do mundo, o Liberland. Como o próprio nome sugere a micronação criada no último dia 13 de abril não aceitará extremistas entre seus novos cidadãos, nem da direita, nem da esquerda. Criado inicialmente como uma brincadeira pelo tcheco Vit Jedlicka, o país que está localizado numa ilhota de 7 km² entre a Croácia e a Sérvia, se transformou numa nação 'real' e já possui mais de 232 mil pedidos de cidadania. O território ocupado é uma região que não é disputada por nenhuma nação.
Com conceitos modernos de legislação e impostos facultativos, Liberland promete revolucionar a política mundial. Afirmando "direito a propriedade privada", além de "respeito à pluralidade das opiniões e religiões", Vit Jedlicka se autoproclamou Primeiro-Ministro do novo país europeu. A Constituição que já foi elaborada é revolucionária e limita o poder dos políticos locais para que não intervenham nas liberdades da nação e da população.
Afinal, Liberland existe? Os governos croata e sérvio não levaram muito a sério a história, mas ambos não fizeram declarações oficiais. De fato, o território existe e a bandeira amarela com uma faixa preta está hasteada no local desde o dia da fundação do país (ela chegou a ser retirada, mas voltou a tremular dias depois no mesmo ponto). Atualmente, o novo governo procura diplomatas com larga experiência internacional para que possa iniciar negociações com os países vizinhos, além de outras nações da região.
Se interessou em solicitar um pedido de cidadania? O caminho não é difícil, mas muitos brasileiros não poderão participar desta seleção, ainda mais após a recente onda de polarização política no país. O governo da Terra da Liberdade não aceita pedidos de pessoas que possuam entre suas características posições extremas em relação a política e religião. Defensores de ditaduras comunistas, nazistas ou militares estão excluídos da disputada listagem. Outra exigência é não possuir nenhum antecedente criminal.
O país está localizado numa ilhota de 7 km² entre a Croácia e a Sérvia, na Europa
O país está localizado numa ilhota de 7 km² entre a Croácia e a Sérvia, na Europa - Foto: Divulgação/Liberland
Sucesso nas Redes Sociais
Novidades sempre viraram sucesso na internet e as redes sociais levaram isso a outro patamar. A página do país no Facebook já possui mais de 125,5 mil curtidas e conta com diversos comentários de usuários que se oferecem para ocuparem o cargo de diplomata.
Outros exemplos
Liberland não é a primeira nova nação a surgir no mapa nos últimos tempos. Localizados nos quatro cantos do mundo, estes países foram fundados por 'loucos' ou simplesmente pessoas que usaram a seu benefício a legislação mundial. Confira uma lista com quatro nações que não constam no mapa mundi, mas existem na cabeça de algumas pessoas e na internet!

http://ecoviagem.uol.com.br/noticias/curiosidades/novidades/novo-pais-europeu-liberland-so-aceita-cidadaos-que-respeitem-a-liberdade-do-proximo-18386.asp

sábado, 25 de abril de 2015

Mandaram bem!

Eeee, Leiden

Que agora vendo as fotos da saudades tbm hehhe

E olha que nem era pra eu voltar #IhhhTaNaNaaa




quinta-feira, 23 de abril de 2015

30 dias

IVAN MARTINS
22/04/2015 09h07 - Atualizado em 22/04/2015 22h05

Manter laços com alguém que deixou de nos amar é como estar preso pela manga do casaco à porta de um carro. Se o carro se mover - em qualquer direção, em qualquer velocidade -  quem está preso a ele se machuca. Feio. A única coisa a fazer, rapidamente, é se desvencilhar antes que o carro avance.
Talvez você nunca tenha estado preso a um carro em movimento, mas certamente já se sentiu ligado a alguém que estava de saída ou tinha arrancado e partido. Há coisas em comum entre as duas situações.
Assim como os carros que aceleram, as pessoas que se afastam tornam-se perigosas para quem está preso a elas. Deixam de ser o que eram e viram gente estranha rapidamente. A pessoa que você amava está lá, mas surgem pequenas alterações de personalidade e comportamento que machucam quem está perto para presenciá-las.
Não há maldade nisso, vejam bem.
A pessoa que saiu voltou a ser o que era, sem as mudanças que amar causava nela. Sem as inibições que a sua presença impunha. Ela está livre para ser alguém que não tem a sua influência. Livre para ser ela mesma, talvez. Por isso também você não a reconhece. Não faltam apenas o olhar cúmplice, a mão que buscava a sua, o carinho no falar. Essencialmente, falta você nela.

Quem você amava agia de uma certa forma e não de outras por que estava apaixonado por você. Preocupava-se com a sua opinião e os seus sentimentos. Agora, se move com relativa ou total indiferença, e isso a torna outra pessoa, inteiramente. Parece a anterior, mas só por fora. Por dentro, vai se tornando irreconhecível. Cada gesto, palavra e ação reafirma a diferença e amplia a distância entre vocês.
Evitar que isso aconteça é impossível, mas talvez existam formas de encurtar a miséria que a situação provoca. Um afastamento de 30 dias, por exemplo. Cortar o contato radicalmente, proteger-se e esperar que sentimentos de parte a parte se asssentem. Uma dieta radical de 30 dias sem visitas, telefonemas, mensagens ou mimimi no WhatsApp. 
Não é um período tão longo que dê medo. Nem é um tempo tão curto que não mude nada. Ao final dele, se tudo der certo, a vida terá se tornado mais leve, a ansiedade terá se reduzido e a presença dele ou dela dentro de você será menor. Talvez seja possível dormir em paz. Se tudo der errado, você estará de volta ao ponto em que está agora.
Nesse mês de abstinência, por longo e penoso que venha a ser, quem sofre será poupado de ver, ouvir ou saber coisas que tornariam sua vida um inferno. Evitará ser humilhado ou agredido por circunstâncias que poderiam facilmente ter sido evitadas. Bastaria não estar lá. Bastaria não ter visto. Bastaria não saber.
Quando você não tem mais influência sobre os sentimentos e as decisões do outro, mas continua emocionalmente ligado a ele ou ela, é melhor se afastar e procurar abrigo. Ficar traz o risco de ser emocionalmente demolido.
Sair, do contrário, tem vantagens. Uma delas, imensa, é permitir que gente nova se aproxime. Depois de 30 dias de distância do seu ex, você já pode olhar para outras pessoas com alguma esperança. Não está em surto, não está em pânico e não está desesperadamente tentando se enganar. Tampouco está escondendo a sua angústia por trás de uma fachada risonha de sedução. Voltou a ser humano, não um homem-bomba emocional. Ainda está frágil e seus sentimentos precisam ser tratados com cuidado, mas é possível recomeçar, devagarinho. 
Sei que para muitos - sobretudo as mulheres - esse período de 30 dias parecerá ridiculamente curto. Outro dia, numa festa, presenciei uma conversa em que duas moças falavam de três anos como o tempo necessário para se recuperar de um casamento naufragado. Quase tive um enfarto: como assim, três anos? A vida é curta, não há tanto tempo a perder.
Estou de brincadeira, claro. Já passei três anos perdido. Em alguns casos, talvez seja inevitável que o luto dure tanto ou mais do que a alegria. Talvez seja uma forma cósmica de justiça. Sei lá.
 
UM AMOR DEPOIS DO OUTRO, o novo livro de Ivan Martins (Foto: Foto: Divulgação)
Mas, ao falar com os meus botões, eles me dizem que vale a pena tentar encurtar esse trajeto doloroso. Eles acreditam que homens e mulheres podem tomar o controle de suas vidas, agir de forma racional, afastar-se conscientemente de relações destituídas de esperança. Meus botões sugerem que as pessoas tentem ao menos se afastar por 30 dias. Depois por mais 30, se for o caso. Até que deixe de ser importante. Até que o outro pare de doer dentro de nós. Ou, posto de um jeito mais triste, até que a gente se acostume a ficar longe, com dor e tudo. Isso cedo ou tarde acontece, vocês sabem. Melhor então que seja logo.
Se a primeira quarentena não der certo, é possível tentar de novo, mais tarde. Eu mesmo parei de fumar muitas vezes até largar de vez. Os amores malogrados parecem ter algo dos vícios. Podem ser vivenciados por um tempo, mas uma hora terão de ser combatidos. É uma questão de sobrevivência.
O essencial, eu acho, é perceber o que nos faz bem e separar daquilo que nos faz mal - como cigarros, carros em movimento e gente que deixou de nos amar.

Funknejo, popnejo e arrochanejo: artistas comentam a nova música sertaneja

Felipe Branco Cruz e Felipe Abílio
Do UOL, em São Paulo

Já faz algum tempo que o sertanejo deixou de ser um estilo regional para se tornar uma grande mistura que une vários ritmos, como o funk, o arrocha, o pop e o rock, entre outros. Podemos, inclusive, dizer que parte de todo o sucesso que o sertanejo tem hoje no Brasil se deve à sua versatilidade. Com suas sanfonas e violas, o gênero musical sofreu uma espécie de "mutação" ao se unir  com os outros estilos, a ponto de confundirmos todo hit tocado hoje em rádios e sites com música sertaneja. 
Divulgação
A cantora Erikka Rodrigues na gravação do clipe "Cara de Rica"
O exemplo mais recente dessa moda (que não é de viola) é a duplaHenrique & Diego, que gravou com o rapper MC Guimê a música "Suíte 14". O resultado foi chamado de "funknejo" e, no último mês, não saiu do Top 10 da Rádio UOL, entrou para o ranking de 20 faixas mais acessadas na iTunes Store e seu vídeo (assista aqui) já foi visto quase 30 milhões de vezes na plataforma Vevo. "Acho que todos os estilos combinam com todos", disse MC Guimê ao UOL. "A música está se unindo para ganhar mais força", completou o funkeiro, que também já gravou com Zezé Di Camargo & Luciano a música "Flores em Vida"
 
Mas existem outros exemplos. Um deles é a cantora Erikka Rodrigues, que lançou recentemente o "popnejo" "Cara de Rica", cujo vídeo já teve quase 7 milhões de visualizações no Vevo. Há ainda as dupla Lu & Robertinho, que fez "mashups" do sertanejo com músicas pop internacionais como as da cantora Lorde, e Bruninho & Davi, que mistura o ritmo com música eletrônica. Já Cristiano Araújo juntou o arrocha com o sertanejo, criando o "arrochanejo".
 
Opinião dos sertanejos
A reportagem do UOL foi atrás de outras duplas sertanejas para ouvir o que elas acham dessas misturas. Rodolfo, da dupla Maria Cecília & Rodolfo, por exemplo, não acha que isso faça o sertanejo perder a sua identidade. "Mas o sertanejo mudou. Assim como o rock e o samba. Temos que entender que o ritmo é o que essa galera canta hoje", disse. Já para Maria Cecília, o sertanejo é um ritmo popular. "Antigamente era mais de raiz. Mas mudou. Agora dá para misturar com axé e funk. Temos que parar de rotular as coisas. Temos que criar a 'música popular brasileira'."
 
Lucas Lucco, por sua vez, acha que o estilo se renovou: "É uma característica do sertanejo poder encaixar diferentes estilos. O que é diferente chama a atenção e, se for bom, o pessoal vai ouvir mesmo". Já a cantora Thaeme não acha que o sertanejo perdeu a identidade e, sim, ampliou o seu alcance. "Quem ganha é o público", acredita. Por outro lado, o sertanejo Giovani disse que vê o sertanejo atual como uma oportunidade para os músicos que querem ingressar no mercado, independente do gênero musical. "É uma oportunidade de eles se destacarem."
 
http://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2015/04/23/cantores-sertanejos-comentam-a-mistura-do-ritmo-com-funk-pop-rock-e-funk.htm

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Barolo

Definitivamente, umas das melhores coisas ao vir a UDI


quarta-feira, 15 de abril de 2015

O grande sertão da misoginia

IVAN MARTINS
15/04/2015 09h06 - Atualizado em 15/04/2015 09h56
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Até ontem, eu não sabia da existência da dupla sertaneja Max e Mariano. Ninguém sabia, na verdade. Os dois saltaram de Goiás para a infâmia nacional na semana passada, com o clipe de uma música chamada “Eu vou jogar na internet”. A letra da música explica a confusão em que se meteram:
Semana passada mesmo a gente ficou. E, sem que você percebesse, eu gravei de nós dois um vídeo de amor. Eu vou jogar na internet, nem que você me processe. Eu quero ver a sua cara quando alguém te mostrar, quero ver você dizer que não me conhece”.
A tempestade que caiu sobre a cabeça enchapelada dos apologistas do crime nos dá alguma esperança no Brasil, mas é pequena. Embora eles tenham sido massacrados nas redes sociais e lembrados até no Congresso – onde o senador Romário defende a criação de uma lei específica contra a exposição da intimidade alheia na internet – eu não tenho dúvida que no grande sertão da misoginia onde esses caras brotaram há muito mais gente que pensa como eles, homens e mulheres capazes de cometer de alma leve o crime que eles celebram e incentivam com a sua música ruim.
Quando se trata de respeito e consideração pelas mulheres, o Brasil é uma catedral do atraso. Algumas leis são bacanas, mas os costumes são medonhos.
Outro dia, uma moça que eu conheço quase foi agredida numa balada por se recusar a conversar com um sujeito que achara ela bonita. O cara a agarrou pelo braço e teve de ser afastado por outros homens, depois de enfrentar as amigas dela que tentavam expulsá-lo. Isso é um exemplo de conduta criminosa tristemente comum.
UM AMOR DEPOIS DO OUTRO, novo livro de Ivan Martins (Foto: Foto: Divulgação)

Depois de duas latas de cerveja, jovens da melhor classe média brasileira sentem que podem se impor fisicamente às mulheres que desejam. Passam a mão, puxam o cabelo, agarram. Alguns insultam e dão porrada quando recusados. Como esse tipo de comportamento não brota do nada, deve haver gente ao redor deles dando exemplo - ou sendo leniente com seus meninos.
Por isso eu acho a cultura brasileira misógina: o comportamento escroto em relação às mulheres é socialmente tolerado em todas as classes sociais e geografias, embora em toda parte seja coisa de minoria.
No caso da moça que eu conheço, havia por perto homens dispostos a correr o risco de enfrentar o marginal e defendê-la. Nem sempre esse tipo de cavalheirismo e de coragem estão disponíveis. Os canalhas frequentemente saem impunes de agressões públicas contra as mulheres, quando deveriam ser retirados sob escolta do local, levados à delegacia e indiciados como agressores sexuais.
Agarrar uma mulher estranha pelo braço e tentar forçá-la ao que quer que seja  - “Me dá um beijo, senão eu não te largo!” - é uma forma de agressão sexual. Comprovada na justiça, ela deveria ficar na ficha policial do jovem musculoso para que seus futuros empregadores saibam como ele pode ser obstinado.

Mas eu me distanciei do caso dos sertanejos misóginos.
Ele me faz lembrar outra história macabra que ouvi outro dia: uma estudante paulistana vem sendo assediada há meses na internet, sem que a polícia ou a justiça, informadas, se movam para defendê-la. Alguém roubou fotos dela no Facebook, misturou com filmes pornôs variados de moças que vagamente se parecem com ela, e, com esse material apócrifo, criou um site – cujo link passou a distribuir entre os amigos dela no Facebook, acompanhado de comentários picantes.
Ao dar queixa na delegacia do bairro, a estudante foi tratada com curiosidade divertida e libidinosa por um bando de policiais – “Mas você se deixou filmar nua, não foi?”. Ela tampouco conseguiu ajuda da Delegacia da Mulher, que não cuida desse tipo de crime, segundo lhe disseram. Na delegacia de crimes digitais, soube que só atendem fraudes financeiras. Foi acolhida no Ministério Público, mas ainda assim a ação não anda. Sem autorização de um juiz, não se inicia a investigação oficial que obrigaria o Facebook a identificar o computador de onde partem as agressões. Um advogado poderia apressar o caso, mas custaria sete mil reais, que ela não tem. Enquanto isso, o criminoso ou criminosa manda mensagens periódicas se gabando de tê-la nas mãos, à mercê dos seus impulsos patológicos.
Que tipo de sociedade produz esse tipo de gente? Que tipo de instituições permitem que continuem agindo impunemente por tanto tempo?
A resposta é simples: a mesma sociedade em que uma dupla sertaneja grava uma música incentivando o pornô de vingança. A mesma em que moleques mimados agridem as garotas impunemente. A mesma em que o machismo prolifera, insidioso, na forma de um profundo e ostensivo desrespeito pelos direitos mais elementares das mulheres: andar na rua sem ser incomodada, estar sozinha em público sem ser abordada, dançar com as amigas sem ser agarrada, dizer não sem ser agredida ou morta. Falamos do Brasil, naturalmente.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/04/o-grande-sertao-da-misoginia.html