quarta-feira, 30 de abril de 2014

Fora da Caixa

IVAN MARTINS
30/04/2014 09h24 - Atualizado em 30/04/2014 09h28

Ando sob a impressão terrível de que nossas escolhas pessoais estão sendo afetadas por algo equivalente ao padrão FIFA. Se você não acredita, olhe em volta: quem foi a última amiga que você viu ao lado de alguém interessante? Não estou falando de gente bonita ou bem sucedida. Estou pensando numa personalidade original, surpreendente, inesperada. Quando foi a última vez que você mesmo – ou você mesma – saiu com alguém levemente inquietante?

Sozinhos, no escuro do quarto, todos nos sentimos transgressores. Só deus sabe as coisas que nos passam pela cabeça. Mas, à luz do dia, diante de um mundo cada vez mais homogêneo, em que todos os gostos e valores se assemelham, fazemos o que todo mundo faz – nos aproximamos de gente que preenche o padrão comum de qualidade.

Nele não cabem esquisitos ou solitários. Nele não entram desajustados. Os neuróticos, os tristes, os libertinos estão fora. Os chatos criativos, os tímidos brilhantes, os feios apaixonantes não têm chance. Poetas exagerados e rebeldes exaltados jamais se juntarão a nós. São inconvenientes. Almas artísticas tampouco nos interessam. Gente complicada incomoda. Não queremos confusão, angústia, papo cabeça. Nossa vontade é passar a vida entre gente bonita, bacana e descomplicada.

Se você não cabe nessa descrição, parabéns.

Significa que você não vive num comercial de cerveja, namorando uma moça de comercial de absorvente e caminhando, a passos largos, para construir uma família de comercial de margarina. Significa que a sua vida ainda não é um clichê bem comportado – ou cuidadosamente descuidado – e que nela há lugar para a surpresa. Talvez a chama que faz de você um indivíduo único – e não apenas um consumidor e contribuinte – ainda esteja acesa. Pode ser que você consiga – ou tenha a sorte de – se apaixonar por alguém que não seja um clichê de 120 caracteres. Mas não é fácil.
Nós, coletivamente, perdemos o gosto pela diferença.
Gente que não cabe na caixa – gente que não se encaixa - não nos interessa. Dividimos o mundo burramente entre vencedores e perdedores, como num filme de colegiais americanos, e nos agarramos aos primeiros. Mas a perda que isso causa é enorme. Quem vive fora do bando tem muito a nos contar. A moça de olhar melancólico pode fazer música e poesia, falar outra língua, vir de um país distante. O cara solitário talvez seja um gênio da intimidade, tenha um humor corrosivo, vibre de fúria e indignação com o estado do mundo. Quem não se enquadra e nem se junta pode estar fazendo coisa mais interessante. Talvez criando um mundo novo, quem sabe inventando uma existência mais plena. Quem sabe?

No fundo, quando se trata dos nossos afetos, a pergunta essencial é sempre a mesma: você quer alguém que seja o máximo ou prefere alguém que alargue os seus horizontes deixe você feliz?

Eu prefiro a segunda alternativa. Pessoas muito populares e bem sucedidas, com todo respeito, me parecem uma espécie de lugar comum. São como um filme do qual já se viu o trailer ou um livro cuja história já foi contada. Talvez um sapato que cabe em todo mundo.

Minha limitada experiência sugere que é melhor procurar quem nos surpreenda, alguém que tenha as nossas próprias medidas existenciais. Não porque haja uma alma predestinada a nos fazer feliz ou um relacionamento fadado a resolver a nossa vida. Isso não acontece. Mas há, sim, gente capaz de criar conosco uma conexão intensa e despertar – por décadas ou semanas, não importa – o que há de melhor dentro de nós.

Como não somos assim tão simples, como nossas angústias e aspirações não cabem num comercial da Copa do Mundo, talvez devêssemos buscar essa pessoa que nos toca entre gente como nós: fora dos padrões, fora dos clichês, fora da caixa.
Ivan Martins escreve às quartas-feiras.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2014/04/fora-da-bcaixab.html 

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Futuros profissionais...

Mensagem da Aluna: profssss do ceu, esse trabalho ta dificil demais menino, nao to conseguindo pensar, ja li todas as aulas, preciso de uma luz. obrigada 

domingo, 27 de abril de 2014

Gla gla gla

Sério, só eu gosto de umas músicas assim!!!!



quinta-feira, 24 de abril de 2014

Universidade de Portugal vai utilizar o Enem em processo de seleção

Do G1, em São Paulo

A Universidade de Coimbra, em Portugal, vai aceitar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no processo de seleção para estudantes brasileiros interessados em cursar a graduação. 
Serão aceitos os exames dos anos de 2011, 2012 e 2013, e dessa forma os brasileiros estarão dispensados das provas oficiais portuguesas. As notas do Enem terão pesos diferentes para cada curso escolhido pelo candidato. 
Veja ao lado o Globo Universidade sobre a Universidade de Coimbra
A Universidade de Coimbra foi classificada pela Unesco como patrimônio mundial em 2013 e oferece qualificação em quase todas as áreas do conhecimento. Também é considerada a universidade mais antiga de língua portuguesa.
O Ministério da Educação ainda não divulgou as datas do Enem de 2014. No Brasil, muitas universidades públicas utilizam o exame como processo de seleção na substituição do vestibular.
Mais informações podem ser obtidas pelo site www.uc.pt/brasil.
http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/04/universidade-de-portugal-vai-utilizar-o-enem-em-processo-de-selecao.html

Jornal do regina

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Adeus, São Paulo

por Matheus Pichonelli — publicado 22/04/2014 13:49, última modificação 23/04/2014 09:55

Do alto, sentia a vertigem e imaginava quantos pedaços de mim se espalhariam pelo chão se a grade mambembe, espetada em uma parede com as primeiras rachaduras, se partisse naquele instante. Estávamos no 23º andar e eu, como sempre acontecia quando meus pés se afastavam do chão, imaginava com quantos calafrios eram construídos um edifício como aquele. O corretor, de cabelo espetado e brinco na orelha esquerda, falava comigo com todos os pronomes e plurais ensaiados. Educadíssimo, me chamava de senhor, embora aparentasse ser mais novo do que eu.
Antes de fechar a janela do apartamento, um cubículo de 30 metros quadrados cujo preço, em minha terra, valeria um rancho inteiro com os cavalos incluídos, observei um cão à beira da avenida principal. Andava em círculos pelo portão e recuava. De dentro, já não ouvia a conversa sobre a projeção milionária da região (segundo o corretor, aquela era a nova fronteira do mercado imobiliário paulistano).
-Daqui a dez anos você pode faturar, por baixo, por baixo, uns...
Eu via os lábios dele se mexerem, mas não ouvia voz alguma: só queria saber se quando chegasse ao térreo iria encontrar um cão salvo ou atropelado. Paramos em um dos andares para conhecer a sala de academia. Depois em outro, para conferir aliving room, bem ao lado do home office. Na orelha de um dos andares, havia uma lavanderia.
-Por dez reais, você tira uma ficha e lava tudo o que precisa sem nem sair de casa.
Sair de casa pra quê?, pensava eu. Perto dali o ponto mais charmoso da rua era um posto de gasolina de telhado arrebentado. O resto eram galpões com marcas de sangue de cordeiro na entrada. Tinham data e hora para ir ao chão. A cidade que erguia e destruía coisas belas também construía belezas funcionais onde antes reinava o abandono – as fábricas foram embora havia muitos anos, e os galpões que resistiam ao tempo não inspirariam uma única linha de Antonio Alcântara Machado, hoje um nome de rua cinzenta perto dali.
A cada andar que descia, colocava o nariz para fora da janela para espiar o cachorro. Com o vento, vinha uma frase do filósofo Claude Lévi-Strauss cantada por Caetano Veloso: “Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína”.
-E o melhor de tudo: é próximo ao metrô.
Sim, era próximo, mas para chegar até ali passaria por um viaduto granindo para a rua, um entre tantos a se emaranhar por um rastro de ódio e destruição.
-Daqui a uns anos, todo mundo vai estar morando aqui. Está caro? Está. Mas vai ficar muito mais...
Admirava a forma como o corretor descrevia ouro onde eu só via a ruína da música. E me perguntava se ele realmente acreditava no que dizia e vendia. Era um peão, como eu e, como eu, precisava vender seu peixe pra poder, como eu, chegar em casa, jogar a chave em cima da escrivaninha, tirar a camisa, lançar o tênis pela sala e ligar a tevê para, como eu, se distrair ao esquentar o jantar e dormir o quanto antes de olho no dia seguinte. Viveria também em uma caixa de sapato que dali a dez anos, quando incorporadores, padarias e supermercados se mudassem pra lá por osmose e expulsassem de vez os pequenos comerciantes dos grandes galpões, triplicaria de preço?
Nos folders e páginas na internet, a corrida imobiliária parecia resgatar a lenda da corrida americana em direção ao Oeste. “Juntos, vamos expulsar os índios e instalar as bases da única civilização possível, esta que substituiu a mesa de bar pela área gourmet”. (Um pensamento virava obsessão: será que Guimarães Rosa escreveria o Grande Sertão: Veredas na sacada de uma área gourmet?)
Dias depois, vou ao outro lado da fronteira paulistana, onde da terra brotam três torres prontas para serem habitadas. “A poucos metros da estação do metrô”, dizia a propaganda. Mas a estação do metrô não está pronta. Há anos que não está.
-Era pra estar funcionando, mas sabe como é a política, né?, disse o novo corretor, este com a voz mais calma, enquanto enxugava as lentes dos óculos.
Para chegar às torres, andamos uma ladeira de declive considerável. Eu, que só ando a pé, seria levado pela enxurrada na primeira garoa. Na torre, todos os apartamentos são iguais, mas uns são mais iguais que outros: quanto mais perto da comunidade vizinha ao empreendimento, menor o valor do metro quadrado. Meio constrangido, o corretor explicou: “De vez em quando se ouve um pancadão vindo de lá. Mas a janela é virada para o outro lado. Você não os vê, e eles não veem vocês”.
Eles: os outros. Os indesejados. Por causa deles há um muro. Há seguranças. Há um sistema de vigilância permanente para você e a sua família.
E quem precisa sair de casa e andar pelo bairro, pedir emprestada uma xícara de açúcar para o vizinho pobre quando tudo o que é necessário para a reprodução da espécie está do lado de cá do muro?
Pelo preço e localização, parecia um bom negócio. Um bom investimento, pelo menos. Na ponta do lápis, todos os números do mundo saltavam aos olhos. Chegavam a dar dor de cabeça. Era como calcular a dosimetria de uma pena: “em 30 anos, as parcelas são reduzidas e o apartamento é seu”. Primeiro, a simulação em um banco. Depois, em outro. Primeiro, com um valor de entrada. Depois, com uma prestação menos elástica. O preço da liberdade é o preço de uma projeção: “Antes o metro quadrado custava tanto. Hoje vale duas vezes tanto. Daqui a dez anos...”
Só parava de fazer contas para pensar em como seria a vida nos próximos anos até ganhar a carta de alforria. Pensava em uma música antiga do Raul Seixas (pensava em muitas músicas do Raul Seixas naqueles dias): “Tô terminando a prestação do meu buraco, meu lugar no cemitério pra não me preocupar de não mais ter onde morrer. Ainda bem que no mês que vem posso morrer, já tenho o meu tumbão. O meu tumbão”.
Naquela semana, passei os dias lançando filtros nas buscas dos sites especializados: bairro, valor mínimo e total, número de quartos. Cheguei ao ridículo de calcular em quanto tempo pagaria uma casa de vila. Imagina? Morar em uma vila em plena metrópole? Chegava ao trabalho e procurava a rua das futuras casas no Google Street View. Rodava o mouse, parava e olhava. Tentava me imaginar ali com um carrinho de criança em um sábado de sol, se em algum sábado o sol saísse. De bairro em bairro, resolvi, por curiosidade, digitar o endereço da minha primeira casa, a casa de tijolo à vista onde nasci, em Araraquara. Olhava aquela imagem e imaginava quantos pedaços de mim se espalhariam naquela parede de tijolo se caísse para dentro da tela. Era minha única distração: mal me conectava, buscava o endereço da velha casa, como quem busca um fundo de tela e um descanso para a memória. A casa era a mesma, mas estava envelhecida. Faltava alguma coisa: o pinheiro do jardim, um primeiro plano de todas as fotos desbotadas da minha infância. O que fizeram com o pinheiro? Quem tem um pinheiro hoje em dia dentro de casa?
Por que nos mudamos de lá? Não era uma casa grande. Era uma casa simples, sem piscina nem área gourmet. De vez em quando, improvisávamos uma churrasqueira de ferro ao lado da garagem e armávamos uma piscina de plástico. Todo mundo da rua aparecia. E eu sabia o nome dos meus vizinhos: pela janela, eu os olhava e eles nos olhavam sem medo.
-Preciso pensar.
-Se pensar muito vamos vender.
-Posso te dar uma resposta na semana que vem? Quero primeiro andar pelo bairro, conhecer melhor...
-Poder pode. Mas vamos vender.
Quanto mais fazia perguntas, mais o tempo passava. Quanto mais o tempo passava, mais fazia contas. Quanto mais fazia contas, mais mirava a projeção de ganhos. Quanto mais fazia projeções, mais sentia vontade de beber. Quanto mais vontade de beber, mais fome eu tinha. Quanto mais comia, mais sono eu tinha no fim da tarde. Quanto mais sono no fim da tarde, menos dormia na madrugada.
A vertigem, iniciada em uma sacada do 23º andar erguido no terreno de um antigo galpão do centro de São Paulo, só cessou quando me dei conta de que tudo o que me movia era uma única frase dos corretores: “Pensa direito. Essa região vai se valorizar...” Pensar bem significa comprar uma projeção: uma projeção de futuro. Esta projeção de futuro significa viver mal durante meses, anos, e esperar a civilização chegar com suas cifras salvadoras. É a mola propulsora de uma lógica inerente à metrópole: em nome de um bom negócio, a gente se priva de tudo durante anos, inclusive da delícia de poder largar tudo um dia – carro, trabalho, bairro e móveis – e começar tudo do zero a qualquer momento. Mas porque temos um compromisso (alguns chamam de “dívida”, outros de “honra”), a gente engole qualquer coisa, inclusive o que nos destrói. Foi quando arrisquei uma sociologia de botequim: é por causa dessa felicidade dos anúncios das incorporadoras que nos enforcamos em dívidas, e por causa das dívidas nos apegamos ao emprego e trabalhamos cada vez mais, e porque trabalhamos cada vez mais, vemos cada vez menos os amigos, e como não vemos os amigos, nos acostumamos a viver em cativeiro, e como do cativeiro vem o sustento, passamos a agir como animais para proteger o nosso emprego, nossas conquistas e nossas posições. É quando o vizinho se torna uma ameaça e o novo colega recém-contratado pela empresa, um perigo. Eis a origem do nosso carreirismo, das nossas ansiedades e das nossas síndromes do pânico. Tudo está embutido nos juros estendidos ao longo dos anos, menos os remédios. (“Não entendo os homens: perdem a saúde para economizar dinheiro quando jovens e perdem o dinheiro para recuperar a saúde quando velhos”. Onde está o Dalai Lama, ou seja lá quem disse isso, quando mais se precisa dele?)
Ao fim das contas, percebia que o ciclo do progresso tinha um custo, como todo ciclo. Mas para mim era demais.
-Pensa bem, insistia o corretor. O que você quer da sua vida?
-Oi?
-Da sua vida. O que você quer? Vai viver a vida inteira de aluguel?
-Oi?
-O que você quer da sua vida?
O que eu quero?

O que eu quero é sumir daqui.
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/adeus-sao-paulo-5138.html 

Ergonomia do cérebro, e não apenas do mobiliário, é essencial no ambiente profissional

Carolina Cotta - Estado de MinasPublicação:23/04/2014 08:41

A depressão já é a segunda maior causa de invalidez em todo o mundo, atrás apenas das dores nas costas. No Brasil, segundo dados da Previdência Social, depressão e ansiedade ocupam o terceiro posto e afastaram, em 2013, 105 mil pessoas dos postos produtivos. Essa realidade tem mudado o foco das medidas de prevenção e cuidados adotadas pelas empresas. Mais do que as condições das estações de trabalho, as atenções precisam se voltar para os aspectos mental e psicossocial que estão colaborando para o adoecimento profissional. A cabeça é a bola da vez.

Segundo o médico do trabalho Hudson de Araújo Couto, vice-presidente da Associação Mineira de Medicina do Trabalho (Amimt), mais de 80% das pessoas em sua na vida produtiva serão acometidas por dores fortes nas costas, em função das condições de trabalho inadequadas. Já os distúrbios osteomusculares, como artrites e artroses, relacionados com o trabalho correspondem a 65% das aposentadorias prematuras. Mas os afastamentos psicoemotivos, como a depressão oriunda das excessivas cargas de trabalhos, já somam 5% dos afastamentos previdenciários e estão crescendo.

Para o especialista, a ergonomia é a principal ferramenta de prevenção dos adoecimentos e acidentes de trabalho, mas é importante valorizar, além das questões físicas, a realidade de carga e saúde mental, como memória, foco, simultaneidade, vigília, fadiga e qualidade de vida no trabalho. O assunto é tema do livro Ergonomia do corpo e do cérebro no trabalho (Editora Ergo), que o professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais acaba de lançar em parceria com a Academia Mineira de Medicina (AMM) e a Associação Mineira de Medicina do Trabalho (Amimt).

Isso porque a ergonomia vai muito além da aquisição de cadeiras e móveis adequados. Trata-se de um conjunto de conceitos e tecnologias para o ajuste mútuo entre o ser humano e seu ambiente de trabalho de forma confortável, produtiva e segura; sempre procurando adaptar a atividade profissional às pessoas. Ela se volta, portanto, para o aspecto físico, mental e psicossocial, sendo esses dois últimos os que mais demandam atenção na atual realidade das organizações e relações de trabalho.

De acordo com Frederico Gasperin, médico do trabalho da Contrei – Gestão em Segurança e Saúde Ocupacional, a depressão é uma doença que requer tratamento, pois prejudica o cotidiano do paciente e interfere, ativamente, em sua vida social e profissional. “Uma pessoa depressiva tem a capacidade laboral prejudicada e a produtividade reduzida, sobrecarregando a equipe de trabalho. O trabalhador fica mais suscetível a sofrer e a causar acidentes, sendo que, em alguns casos, o problema pode ganhar dimensão de epidemia e a situação tende a piorar”, explica.

O bem-estar físico e mental tem ganhado importância nos últimos anos. Isso está intimamente relacionado à ampliação do antigo conceito de saúde: antes tratado como ausência de doença. Um novo olhar nasce exatamente no trabalho, quando o estado mental e psicológico dos profissionais passa a afetar a produtividade e a média de dias trabalhados. A depressão já é, também, a terceira maior causa de perda de dias de trabalho no Brasil. Só em 2013, os transtornos de humor afastaram 105 mil trabalhadores, 10 mil a mais que em 2012.

Um dos problemas é o preconceito. A depressão, a ansiedade e o estresse não têm uma lesão à vista, algo paupável, visível. Isso deixa não só o diagnóstico mais difícil, mas também a crença na existência do problema. “Muitas vezes, essas doenças são vistas como uma fraqueza de caráter, até uma frescura, e isso dificulta ainda mais o paciente procurar tratamento. Ele tem medo de ser rejeitado e das pessoas de seu convívio não saberem lidar com a situação”, acredita Gasperin.

Na saúde mental, até 2007 a depressão só era considerada doença ocupacional quando estava exposta a fatores químicos. Ou seja, a doença existia e estava relacionada a riscos no trabalho, mas para ser considerada uma doença ocupacional precisava estar atrelada a esses fatores. Só com a mudança dessa regra a depressão foi percebida como uma doença de alta prevalência em vários profissionais. “Hoje, a cada seis mil afastados por depressão, mais ou menos 400 têm depressão relacionada ao trabalho”, alerta.

O outro problema é a falta de investimento. Como a depressão é uma realidade mais recente nas organizações, se comparada a outras doenças do trabalho, só agora elas começam a se adaptar para diminuir sua incidência. Daí a importância da ergonomia, que prevê um ambiente saudável, com condições de higiene, controle de temperatura e ruído, além da flexibilização das relações de trabalho. O tipo de gestão e perfil da liderança têm forte relação com o problema.

 (Soraia Piva / EM / DA Press)
NELMA BORGES MACHADO, 44 ANOS, OFICIAL DE APOIO JUDICIAL

"Bloqueei, fiquei amedrontada"

Uma decisão polêmica e uma carreira transformada. Em 2004, Nelma era uma escrivã realizada com seu trabalho até que uma série de acontecimentos levaram-na a um quadro de depressão com o qual luta desde então. Na época, o juiz com quem trabalhava foi afastado e sua secretaria ficou sem movimentação, o que rendeu a Nelma um processo administrativo e muita pressão no trabalho. O novo juiz cobrava resultados no mesmo momento em que sua equipe, na época composta por 22 funcionários, foi reduzida a quatro concursados: todos eles sem experiência. O que parecia não poder piorar ficou ainda mais difícil e, em 2005, o corpo apresentou a conta. Às recentes dores de cabeça somaram-se a falta de ar e o medo de ir para o trabalho. O diagnóstico confirmou a depressão. Nelma viveu, então, seu primeiro afastamento do trabalho, e, quando conseguiu voltar, já não tinha condições de assumir o antigo cargo. “Mesmo tendo esse direito, não consigo sequer substituir um escrivão de férias. Bloqueei, fiquei amedrontada. Tenho medo até de lidar com um juiz. Sempre gostei do meu trabalho, mas hoje vou quase que empurrada. As pessoas acham que é moleza, que estou é querendo aposentar, mas não é fácil o que sinto.”

 (Soraia Piva / EM / DA Press)
Um mal de origem variada
As causas da depressão são diversas e controversas. Acredita-se que genética, alimentação, estresse, pressão no trabalho com metas quase impossíveis, problemas financeiros, estilo de vida e rejeição, entre outros problemas pessoais, estejam relacionados com o surgimento ou agravamento da depressão. O problema também é associado a um desequilíbrio de substâncias químicas do cérebro, os neurotransmissores. É no restabelecimento dos níveis normais dessas substâncias que está a ação dos principais medicamentos antidepressivos.

Estudos na área da psicopatologia do trabalho revelam que a depressão atinge todas as raças, idades e profissões, tanto profissionais que trabalham direto com o contato humano, como aqueles com atribuições rotineiras, extremamente responsáveis. A atual realidade profissional – com um ambiente corporativo mais competitivo e baseado em tecnologias que demandam ainda mais rigor dos funcionários – é uma das fontes dessa sobrecarga mental que tem aumentado os casos de depressão.

“O volume de informação com o qual precisam lidar é muito maior. Um mesmo serviço feito por 10 pessoas no passado hoje é de responsabilidade de um único profissional. A cobrança é cada vez maior e isso está incapacitando essa força produtiva”, alerta Frederico Gasperin, médico do trabalho da Contrei – Gestão em Segurança e Saúde Ocupacional, segundo o qual essa adaptação às novas tecnologias é um dos focos do problema. Com 39 anos de experiência na área e várias publicações sobre o tema, Hudson Couto também não tem dúvidas sobre como essa exigência de fazer mais coisas ao mesmo tempo estaria atrapalhando os profissionais.

De fato, há menos pessoas em trabalho pesado e repetitivo, o que diminuiu algumas doenças, caso da lesão do esforço repetivivo (LER), tão temida no passado. Por outro lado, há muitas pessoas trabalhando com tecnologias. “A tendinite do digitador é rara hoje. O problema agora é o tempo de fixação visual na tela do computador, que leva à fadiga, pesada carga mental e ao teletrabalho. Temos, hoje, o Homo conectus, o profissional conectado que é cobrado de trabalhar de onde estiver, a qualquer hora”, alerta Couto.

Daí a necessidade da garantia de boas condições e um ambiente de trabalho saudável para que as empresas evitem maiores prejuízos com afastamento por depressão. “É importante que a doença seja tratada assim que diagnosticada, extinguindo qualquer prejuízo ao profissional ou à empresa. A boa notícia é que o tratamento tem bons resultados e, atualmente, existem muitas opções de terapias eficazes, permitindo que o indivíduo se sinta melhor e volte a ter uma vida normal”, observa Gasperin.

CUIDE DE VOCÊ
Os exercícios ou cuidados para o cérebro estão relacionados, principalmente, à redução do nível excessivo de tensão e à prevenção pessoal do estresse

» Trace para sua vida uma espécie de “plano de voo” de tal forma que a relação entre exigências psíquicas e sua estrutura psicológica se mantenha equilibrada;
» Diante de situações de tensão ou de estresse, utilize o princípio do controle cognitivo: procure conhecer bem o problema para adquirir controle sobre ele, reduzindo as exigências e aumentando sua estrutura;
» Procure identificar seus “sinais vermelhos no painel”, procurando trabalhar sobre as situações causadoras de sobrecarga. Os principais sinais são dores nos músculos do pescoço e ombros, “brancos”, esquecimentos, respiração profunda e suspirosa, fadiga à tarde e perda do bom humor, nervosismo e irritabilidade;
» Na existência desses sinais, renegocie prazos, prioridades e recursos necessários para a obtenção de resultados;
» Procure conhecer e respeitar os seus limites (técnicos, físicos, psicológicos, de tempo e financeiros), evitando assumir compromissos bem acima deles – um pouco acima é fator de desenvolvimento, muito acima é causa de estresse e adoecimento;
» Controle o seu senso de ampla responsabilidade sobre tudo; deixe com as outras pessoas as responsabilidades que lhes são próprias;
» Aprenda técnicas de administração de tempo;
» Se você se identifica com o estilo de vida de estar sempre com pressa e obcecado por fazer cada vez mais em cada vez menos tempo, pare de correr contra o relógio, controle sua impetuosidade verbal, não leve tudo “a ferro e fogo” e controle a hostilidade em sua fala;
» Pratique alguma técnica para diminuir a tensão físico-mental sempre que perceber sinais de sobrecarga;
» Mantenha atividade física regular;
» Cumpra o descanso semanal e goze férias regularmente;
» Procure trabalhar sua atitude mental diante das questões da vida, especialmente, aprendendo a definir a real magnitude dos problemas.

1) É preciso entender a diferença entre contratempos, questões, problemas, problemas graves e tragédias (para muitas pessoas, simples contratempos são tratados como algo muito mais grave);
2) Aprenda a focar o problema e encarar a solução;
3) Redefina mentalmente a forma com que se encara o trabalho;
4) Tenha postura de simpatia diante de conflitos, encarando o conflito como energia de mudança;
5) Não aceite transferências de responsabilidade.

QUEM TEM A SAÚDE MENTAL AFETADA PELO TRABALHO

» PROFISSIONAIS MENOS RESISTENTES
Personalidade tensa
Insegurança
Perfil psicológico emotivo
Alto nível intelectual
Expectativa diferente entre o que podem fazer e as possibilidades oferecidas pelo trabalho
Desequilibrados financeiramente
Sem suporte social
Desajustados socialmente
Responsabilidade bem acima de seus limites
Faz uso de ansiolíticos, antidepressivos, álcool ou drogas ilícitas.

» PROFISSIONAIS MAIS RESISTENTES
Personalidade calma, seguros de si e pouco emotivos
Forte ética de trabalho
Expectativa profissional relativamente equilibrada com o que o trabalho pode
lhes oferecer
Responsabilidades dentro de seus limites
Bom equilíbrio financeiro
Praticantes de atividade física
Bom suporte social





http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2014/04/23/noticia_saudeplena,148397/ergonomia-do-cerebro-e-nao-apenas-do-mobiliario-e-essencial-no-ambiente-profissional.shtml



Conte comigo

IVAN MARTINS
23/04/2014 09h54 - Atualizado em 23/04/2014 09h56

Outro dia, em circunstâncias suaves e domésticas, lembrei de um poema do Mario Benedetti que costumava me comover até os ossos. Chama-se Hagamos un trato -Façamos um trato, em português – e fala dos sentimentos de um homem por uma militante política, que ele chama de compañera.

Em linguagem simples e direta, o poema diz, essencialmente, que ela pode contar com ele “não até dois ou até dez”, mas contar com ele, em qualquer circunstância. É um poema de amor que expressa um compromisso político. Ou talvez seja um poema épico suavizado por um toque de amor. Não sei. Vocês leiam e me digam.

Mas é evidente, para mim, que qualquer que tenham sido as intenções do Benedetti, seu poema resume uma verdade essencial: afeto é compromisso. Os problemas do outro passam a ser parte dos meus problemas, minhas dores são em alguma medida as dores dele. Eu cuido dele e ele cuida de mim. Não deixei de ser eu, ele tampouco deixou de ser ele, mas há um projeto que nos vincula e nos torna responsáveis um pelo outro. Voluntariamente. Talvez temporariamente. Mas, enquanto estivemos ligados, será assim.
Se isso parece consistir um fardo, não é. Dividir é bom. Cuidar também é bom. Andamos tão acostumados a pensar de forma egoísta que a ideia de ser responsável pelo outro nos apavora. Temos medo também de depender da atenção e dos cuidados alheios. Mas tem sido assim por alguns milênios e acho bom que continue. Somos indivíduos, inescapavelmente, mas algo em nós anseia por ligar-se e partilhar de uma forma que não seja superficial ou declaradamente provisória. Quando isso acontece, nos sentimos parte de algo maior que o mercado ou as redes sociais. E há um profundo conforto nisso.

Talvez essa seja o sentido atual do “conte comigo” de Benedetti. Ele expressa uma forma de amor que não está na moda. É algo que se manifesta não apenas como partilha de prazer e hedonismo, mas como potencial de sacrifício. O poema nos lembra que não estamos nessa apenas pelo riso e pela noite inesquecível. Às vezes será inevitável sofrer, fazer coisas chatas, deixar de lado vontades e interesses imediatos. Às vezes será necessário abrir mão. Seremos capazes? Espero que sim.

Quando li Hagamos un trato pela primeira vez, por volta de 1995, ele me pareceu uma promessa de amor em meio à guerra. Benedetti, afinal, era um homem de esquerda. Fora exilado pela ditadura militar em seu país, o Uruguai, e sempre voltara seu arsenal de palavras contra ela. Hoje, com outros olhos, o poema me sugere outros sentimentos, que vão além do contexto político.

A palavra compañera, que abre o primeiro verso, tem, para mim, um significado menos militante do que afetivo. Companheira é quem ama, quem fica, quem faz parte. Não se aplica a meteoros cintilantes.

O poema, que antes me parecia tão somente romântico, hoje me comove por sua austeridade. Evoca uma promessa de fidelidade que vai além da exclusividade sexual ou sentimental. “Conta comigo” sugere sentimentos e laços profundos, assim como pessoas capazes de sacrifícios e cuidados. Não é a leveza de sentimentos ou a combustão instantânea que estação recomenda, mas me parece aquilo que muitos querem e precisam. Senão hoje, certamente amanhã, quando seremos um pouco melhores e mais sábios.
Ivan Martins escreve às quartas-feiras.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2014/04/bconteb-comigo.html 

terça-feira, 22 de abril de 2014

Uma elite perdida

RUTH DE AQUINO
22/04/2014 07h00 - Atualizado em 22/04/2014 08h15

Como reagem os pais quando o filho adolescente conclui o ensino médio e exige uma festa de arromba que custa R$ 3.567 por cabeça? A megafesta dura sete horas, começa às 23 horas e, além de bebida alcoólica a rodo e uma UTI móvel, conta com shows que podem variar de Valesca Popozuda e Mr. Catra a outros tão edificantes quanto.
Será assim a confraternização de 246 alunos que se formarão no ensino médio do tradicional Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro. O que fazem os pais? Eles pagam e aprovam.
A elite brasileira perdeu o rumo? Serão esses pais os mesmos que se escandalizam com o Congresso, os políticos, os mensaleiros e a Petrobras? Essas “festas de gala” são promovidas pela empresa Forma Ideal Obah, que domina no Rio o mercado de formaturas do ensino médio.
Ela se gaba de “reinventar” a colação não só do Santo Inácio, mas de colégios como Santo Agostinho, São Bento, São Vicente de Paulo, Cruzeiro, Pedro II, Corcovado, Ceat, Escola Parque, Escola Naval e PH. Uma conta básica sugere que a empresa receberá dos alunos do Santo Inácio quase R$ 900 mil para organizar “a concretização de um sonho”, como dizem no site.
O contrato tem 20 páginas. Não assinar significa manter o filho à parte da Festa (com maiúscula) e de churrascos, promovidos pela Forma Ideal Obah como ensaios para a apoteose de dezembro. Os alunos ajudam a cobrir os custos, vendendo, em nome da empresa, 1.500 convites extras a R$ 300 cada. Organiza-se um mutirão para ajudar a Forma Ideal Obah a arrecadar mais R$ 450 mil. Sensacional.
Houve divergências no Santo Inácio. Uma minoria lúcida de pais foi contra a festa, por achar tudo absurdo. Mais que o preço, o formato, o objetivo. Que mensagem de desperdício a festança transmite a esses adolescentes, num Brasil em que só 54% dos jovens de 15 a 17 anos estão no ensino médio, segundo pesquisa do IBGE do ano passado? Pouco mais da metade! Mais um dado alarmante: 59% de nossos jovens entre 18 e 20 anos não tinham concluído o ensino médio em 2013, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Quem conclui o ensino médio em nosso país, portanto, já faz parte de uma elite. É sobretudo nessa fase que se formam cidadãos conscientes. Ou não. Pergunto aos pais dos alunos do Santo Inácio: o que poderia ser feito com R$ 3.567? Eles aprovam por quê? Não sabem dizer “não” ou acham lindo?
Tentei falar com a direção do colégio, não fui atendida. A assessoria de comunicação afirma que a participação dos pais na comissão de formatura foi um pedido do Colégio Santo Inácio às famílias dos formandos, devido à polêmica causada por algumas atrações dos shows de 2012, consideradas “inadequadas e irreverentes demais para adolescentes”. O Santo Inácio diz não ter vínculo nenhum com a empresa ou a festa.
Além dos funkeiros brasileiros, já vieram ao Rio para formaturas DJs como o português Pete Tha Zouk (CSI), o espanhol Sak Noel e o americano Sex Panther. Uma das maiores vantagens, dizem os adolescentes, é “bebida liberada... porque não existe formatura sem bebida”. Esse detalhe já rendeu casos de coma alcoólico, segundo relatos de pais.
Tive acesso ao contrato assinado pelos pais dos formandos do Santo Inácio, a maioria menores de idade. A festa providencia dois médicos, três enfermeiros e cinco técnicos de enfermagem, UTI móvel completa “para remoções de quadro grave” e equipe de primeiros socorros visando “a preservação da vida”.
No item “bebidas” do contrato: Open Bar, com cerveja Antarctica Original, Bud­weiser ou Heineken, Bacardi Big Apple, Tequila, Jaggermeister e Santa Dose, espumante Ponto Nero, Vodka Ciroc, drinques, caipivodcas de frutas diversas e energético Red Bull. A Forma Ideal Obah promete “reposição de todas as bebidas até o fim da festa”. O bufê café da manhã é servido a partir das 5 horas da manhã. A decoração custa R$ 150 mil. Os familiares pagam convites extras e só podem ficar nos camarotes no 2º e 3º andares.
As imagens só podem ser feitas por fotógrafos oficiais da empresa I Hate Flash. Cada foto custará R$ 22 aos formandos. Os vídeos serão editados pela After Movie. Há ainda uma área VIP, com “os seguintes itens adicionais”: Vodka Belvedere, cerveja Stella Artois, bufê japonês. Me senti bêbada só de ler o contrato até o fim.
Senhores pais – que um dia comemoraram o fim de seu ensino médio com uma cerimônia emocionante e inocente, um sundae com calda de chocolate, um beijo de parabéns de pai e mãe e talvez uma viagem para os mais abastados – , todo esse sonho vendido pela Forma Ideal Obah é uma roubada. Retrato de um país desigual, sem valores e sem educação. Delírio de uma elite perdida.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2014/04/uma-elite-bperdidab.html

Medo da urna faz Dilma governar com a barriga

Josias de Souza

Considerem-se, de saída, as seis máximas que passaram a reger a atuação de Dilma Rousseff e do seu governo:
 Só em 2015 será possível decidir se os preços represados dos combustíveis, da energia elétrica e das tarifas de ônibus subirão gradualmente ou de uma única tacada, içando a inflação de 2015 à casa dos 7%.
 Só depois das eleições vai-se poder conversar a sério sobre o esforço fiscal extraordinário que o governo terá de fazer para, em combinação com a política monetária, domar uma inflação que deve estourar o teto da meta, de 6,5%, entre julho e novembro de 2014.
 Só quando as urnas informarem o nome do próximo presidente o país poderá saber o que Brasília pretende fazer para superar o vexame de um crescimento econômico estimado para 2014 em algo entre o ridículo (1,5%) e o constrangedor (2%). Antes disso, não há clima para reconhecer que a tática escorada no consumo, por esgotada, precisa ser substituída por um modelo que combine mais investimentos com elevação dos índices de produtividade.
 Só depois de fechar as contas de 2014 será possível saber que mágicas o governo pretende encenar para evitar mudanças na Previdência e na fórmula de reajuste do salário mínimo, que expira no ano que vem. Há eloquentes indícios de que será inevitável fixar uma idade mínima para a aposentadoria, reduzir os gastos com as pensões por morte e redesenhar as regras do seguro-desemprego. Há sólidas suspeitas de que a correção do mínimo pela variação da inflação mais o PIB de dos dois anos anteriores terá de ser trocada por uma fórmula baseada no PIB per capita ou no salário médio. Mas não convém apertar o nariz do eleitor antes da hora.
 Só depois de mastigar o peru da ceia natalina e de assistir à queima de fogos do Ano Novo, o brasileiro estará preparado para receber a notícia de que foi à breca a tática de selecionar as empresas “campeãs nacionais” dignas de receber os financiamentos companheiros que levaram o BNDES a pendurar no Tesouro um espeto de R$ 400 bilhões. Até lá, convém desconversar sobre a transparência de cristal Cica que fulminou a credibilidade da escrituração das contas públicas.
 Só se o Planalto mantiver uma Esplanada amazônica de 39 ministérios e tolerar alguma incidência de gatunagem em pastas como a do Trabalho e em estatais como a Petrobras o governo conseguirá manter a estabilidade de sua base de apoio congressual, preservando a governabilidade.
As máximas esmiuçadas acima possuem dois elementos em comum. Primeiro: são tão amplamente difundidas que parecem verdadeiras. Segundo: são falsas. As seis máximas estão subordinadas a uma máxima-mãe, definidora do ponto a que o Brasil chegou neste ocaso do primeiro reinado da supergerente. Essa máxima maior, que engloba todas as outras, é a máxima do ‘deixa-como-está-para-não-estragar-a-reeleição-e-depois-a-gente-vê-como-é-que-fica”.
Dilma Rousseff talvez não tenha se dado conta. Mas sua popularidade cai na proporção direta do crescimento da percepção coletiva de que seu governo empurra para 2015 problemas que deveriam ser enfrentados imediatamente. Não é preciso ser um gênio para notar que a protelação produz anomalias como o estímulo ao consumo de energia num período de inédita escassez de água.
Qualquer dona de casa obrigada a percorrer as gôndola de supermercado ou as barraquinhas de feira percebe que a celebração mensal de taxas de inflação que teimam em permanecer nos arredores de 6% é o caminho mais longo entre o centro da meta (4,5%) e sua realização.
Uma criança de cinco anos é capaz de notar que fenômenos como a permanência do PDT num Ministério do Trabalho crivado de desvios tem a ver com o tempo de propaganda televisiva da candidata à reeleição, não com o apoio a inexistentes iniciativas do governo no Congresso.
Um bebê de colo percebe que a manutenção de apadrinhados de legendas como o PT e o PMDB na Petrobras é algo cuja subsistência se tornou absurda depois que um ex-diretor foi preso e a sede da estatal foi varejada por agentes federais munidos de mandado judicial.

Um feto consegue farejar o estelionato eleitoral que vem embutido na tática de governar com a barriga, jogando as coisas para baixo de um imenso tapete metafórico, na base do “só quando”, do “só depois”… Ou a candidata exerce na sua plenitude o que lhe resta de Presidência ou se arrisca a receber no dia da eleição a visita da autocrítica. Que lhe dirá: “Olá, minha querida gerenta. Vim apresentar você a você mesma.”
http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2014/04/20/medo-da-urna-faz-dilma-governar-com-a-barriga/

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Vale o quanto pesa?

Por Bruno Medina

Nestes dias que antecedem a Páscoa, como evitar a frustrante sensação de deparar-se com ovos de chocolate de todas as cores, sabores e tamanhos por onde quer que se vá para, no instante seguinte, constatar que o tradicional quitute, que sempre foi doce, há muito transformou-se numa iguaria de preço um tanto quanto salgado? Trocadilhos à parte, se repararmos bem, fato é que já se vão longe os anos em que era costume distribuir ovos de Páscoa entre parentes e amigos, visto que, de uns tempos para cá, comprar apenas dois ou três deles já pesam em qualquer orçamento.
Apesar de estar certo de que ninguém nunca se deu ao trabalho de mensurar isso, se a evolução no preço dos ovos fosse comparada ao de ações de uma empresa na bolsa, é bem provável que teriam ultrapassado o Google. Seguindo mesmo raciocínio, se ao invés de apostar na extração de petróleo e minério Eike Batista tivesse investido ao menos uma parte de sua fortuna em ovos de Páscoa, seguramente não estaria hoje à beira da bancarrota. Eu sei, chega a soar inocente em plena sociedade de consumo alguém vir a público questionar o sagrado princípio da oferta e da procura, afinal, quase tudo neste mundo que é escasso ou sazonal está sujeito a elevações significativas de preço, são as regras do jogo.

Me pergunto, no entanto, que argumentos seriam capazes de justificar, frente ao incauto consumidor, uma variação de cerca de 650% entre as versões barra e ovo de um mesmo chocolate, conforme evidenciado por uma campanha que no início deste mês se espalhou pelo Facebook? Em sua defesa, fabricantes alegam custos extras relacionados à contratação de mão de obra temporária, processos de embalagem manuais e necessidade de armazenamento e transporte diferenciados, mas a gente continua preferindo acreditar na perspectiva de lucros estratosféricos como razão principal que motiva a escalada indecente de valores.

Dada a impiedosa lógica capitalista, que nesta época do ano impõe seu manto negro e soberano sobre vovós afogadas em empréstimos consignados e netinhos que anseiam por chafurdar-se em montanhas de ovos de chocolate, que outra alternativa nos resta a não ser a de costume? Improvisar, meus caros, é a única saída para sobreviver à Páscoa sem perder as calças. Neste sentido, algumas dicas valiosas podem ser seguidas, a fim de evitar que, além dos ovos, o coelhinho esconda também o saldo da sua conta bancária.

A primeira delas seria recorrer aos ovos quebrados, que comumente são vendidos bem abaixo do preço original. Lembre-se de que é sempre possível alegar a freada dentro do ônibus ou o tropeço nos degraus da portaria como explicação para o estrago. Uma segunda opção, claro, seria ligar dizendo que está acorrentado ao vaso, vítima de uma dor de barriga sem precedentes (compatível com dizer que está bêbado durante o carnaval), e que só poderá entregar os ovos no final de semana seguinte, altura em que, felizmente, já poderão ser encontrados pela metade do valor. 

Há ainda uma terceira possibilidade, reservada aos mais cara de pau, que consiste em comparecer ao almoço de domingo de mãos abanando e, antes mesmo de atacar o bacalhau, puxar um discurso na linha de "não compactuo com essa prática mercantilista. Me digam, aonde foi parar o verdadeiro simbolismo da Páscoa?!", o que, aliás, não seria completamente infundado. Bom, seja qual for a estratégia adotada, como sugere o provérbio, "odeie o pecado, não o pecador", ou seja, tenha em mente que a Páscoa em si nada tem a ver com o que fizeram dela. 

Não sei se serve de consolo mas, acreditem, poderia ser bem pior: se hoje a especulação nos preços dos ovos de chocolate está na casa dos 650%, imaginem como seria se o Eike Batista estivesse envolvido nisso?
http://g1.globo.com/pop-arte/blog/instante-posterior/post/vale-o-quanto-pesa.html