Você tem alguém, não tem ninguém ou nem sabe?
IVAN MARTINS
24/07/2013 09h27
Uma garota que trabalha comigo diz que alianças e anéis de compromisso saíram de moda. Agora, quando querem avisar ao mundo sobre mudanças importantes na sua vida pessoal, as pessoas vão ao Facebook e fazem uma modificação de status. De “solteiro” para “num relacionamento sério”, por exemplo. Ou de “relacionamento sério” para “em um relacionamento enrolado”. O programa oferece nove possibilidades de escolha, mas, da forma como eu vejo, as mensagens são apenas três: tenho alguém, não tenho ninguém, não sei.
Das três categorias, a que mais me interessa é a terceira. Ela parece piada, mas, na verdade, é uma descrição objetiva de fatos que muitos de nós já vivemos. Há momentos em que simplesmente não sabemos qual é o nosso status amoroso. Ontem estávamos felizes, mas, depois daquele bate-boca odioso, quem sabe o que vai ser de nós? Estávamos apaixonados há dois meses, mas eu viajei de férias e, na volta, alguma coisa esfriou - ainda somos realmente namorados? Sem falar daquela garota, daquele cara, que sai cinco, seis vezes com a mesma pessoa, dorme junto, acorda feliz, mas, toda vez que alguém pergunta, esclarece: “Somos amigos”. Haja saco.
Os relacionamentos clarificam a nossa situação existencial. Como parte de um casal, temos alguém. Se acordar com febre, se receber uma promoção no trabalho, se esbarrar numa celebridade num bar do Rio de Janeiro, saberei a quem ligar. Com quem contar também. O contrário dessa clareza é o limbo sentimental. Você liga para dividir uma notícia boa e o Fulano reage com frieza educada. Você descobre que está com conjuntivite e a “namorada” pede para você ligar quando estiver melhor. O dia foi triste, você gostaria de conversar, mas percebe que a pessoa ao lado ergueu uma barreira invisível e não quer mais se envolver com os seus problemas. Estava lá, mas saiu. Você tinha, mas parece que acabou. Quem sabe?
As situações de incerteza amorosa machucam. Elas nos lançam numa vertigem de sentimentos negativos. Quem não sabe deprime, entristece, broxa. Como tomar decisões, mover-se em qualquer direção importante se você não sabe se estará sozinho ou acompanhado? É óbvio: quem não sabe onde está não pode decidir para onde ir.
Vejam bem: não acho que isso seja culpa do outro. Nem sempre somos vítima da indecisão de alguém. É comum que nós mesmos estejamos perdidos em nossos sentimentos, passageiros de um relacionamento que parece ter perdido o rumo. Essas coisas acontecem. As circunstâncias viram névoa. Presos na confusão, os outros, como nós, frequentemente não sabem o que sentem, o que querem, como fazer e o que fazer. Dúvidas são uma forma louvável de honestidade, sobretudo quando são recíprocas. Mas, se você tem tudo claro e o outro vive em permanente estado de apagão, sejamos francos, talvez você seja o problema...
Por isso tudo, eu tenho simpatia pelos status ambíguo do Facebook. Por trás do pano ralo da gracinha, “em um relacionamento enrolado” é uma confissão, um apelo, quase um pedido de socorro. Quem aciona esse botão está avisando ao mundo – e não apenas aquele malfadado ser humano em particular – que a sua vida virou um ponto de interrogação clamando para ser elucidado. Em um mundo repleto de certezas jubilosas (“noivo”, casado”, “separado”), é preciso ter coragem para admitir que você não sabe onde está. Não sabe se foi aceito. Não sabe se foi abandonado. E pior: está com medo de perguntar.
Muita gente preferiria, claro, que essas informações de natureza pessoal não fossem partilhadas na internet. Um mundo onde gente adulta não perdesse tempo discutindo com o parceiro o status de relacionamento no Facebook seria um mundo melhor. A partilha pública de sentimentos é um comportamento adolescente, movido por sentimentos adolescentes. Mas as redes sociais nos reduziram a isso, não foi? Viramos adolescentes fofoqueiros e exibidos de diferentes idades. A vida de cada um de nós tornou-se uma ópera encenada online com 24 horas de riso, fotos bem editadas, certo drama e alguma autopiedade. Além de música. Como velhos artistas obcecados por si mesmos, no futuro não nos lembraremos dos fatos, mas do registro: “Lembra da Fulana? Postei uma mensagem sensacional quando a gente acabou...”
Se a ordem é escancarar publicamente a própria vida, se essa orgia de revelações é realmente irreversível, prefiro quem faça isso com graça e autoironia. Uma mulher com uma dúvida, talvez dissesse o poeta Leminski, é muito mais interessante. Ao menos ela convida a minha simpatia. Desperta em mim o sorriso melancólico de quem conhece essas paragens. Suscita no meu coração anterior ao Facebook a sensação de que seguimos fundamentalmente perdidos e desamparados, anunciando ao outro, ao mundo, que precisamos, com todas as forças, de quem nos resgate da incerteza. Que alguém, por favor, tome vergonha e apareça.
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)
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