Desde que as mulheres descobriram o futebol, assistir aos jogos da Seleção não é mais aquilo que costumava ser. Além das discussões táticas, além do álcool e da gritaria, agora também fazem parte do espetáculo comentários como os que seguem:
- “Gente, o Fred é titular da minha Seleção”.
- “O que é essa bunda do Hulk?”
- “Como está gatinho o Neymar”.
- “O Júlio Cesar me representa”.
No domingo passado, durante o memorável jogo do Brasil contra a Espanha, eu tive o primeiro vislumbre do que serão as jornadas esportivas durante a Copa do Mundo de 2014. De um lado da sala, com a cerveja na mão e o olho na bola, um monte de homens nervosos com o rumo da partida. Do outro lado, provavelmente tomando vinho, as mulheres exercendo em voz alta o seu inesgotável senso crítico em relação à forma física (não atlética) dos nossos craques: que pernas, que barriga, que bunda...
A cena é francamente embaraçosa.
Os homens, pobres de nós, tentam lembrar às companheiras de infortúnio que anatomia masculina não é a substância do espetáculo futebolístico. Trata-se de garra, habilidade, gênio. Feios ou bonitos, altos ou baixos, somos nós contra eles, onze contra onze, a fascinante caixinha de surpresas aberta nas quatro linhas do gramado... Inútil.
Elas compreendem que é bom ver o Brasil ganhar jogando bonito e que vencer de três a atual (e temporária) campeã do mundo constitui uma proeza bíblica. Mas, lá no fundo, não compartilham nossos sentimentos épicos em relação ao assunto. Dez segundos depois de David Luiz arrancar uma bola impossível quase de dentro do gol brasileiro, num carrinho heróico que brilhará na história do esporte até o final dos tempos, uma delas vira para a outra e diz, em tom de revelação: “Você viu a seleção da Itália? Só tinha homem bonito”. Pronto, acabou a concentração.
Não pensem que a televisão está indiferente a esse novo público.
No domingo, quando o zagueiro Piqué foi expulso de campo, depois de um pontapé lesa-pátria em Neymar, a câmera voou instantaneamente para os camarotes do Maracanã, onde a namorada do espanhol, a cantora Shakira, fazia carinha de choro. As meninas curtiram a indiscrição e nós também, e uma sonora gargalhada selou o encontro de dois mundos. De um lado, o áspero universo da bola. De outro, as páginas irresistíveis das colunas de celebridades. Foi como se o Bruno Astuto e o Juca Kfouri se encontrassem na mesma página. Deu samba.
Antes que me chamem de machista ou digam que estou subestimando o senso futebolístico da mulher brasileira, um aviso – eu sei que esse comportamento das moças durante os jogos é uma forma de teatro. Elas adoram nos provocar. Devolvem, na mesma moeda, os incansáveis comentários que fazemos sobre a anatomia feminina. Na frente da televisão, na rua, na festa de casamento da sobrinha - não há lugar em que a nossa sincera admiração por um corpo bonito não possa se expressar. Sempre achamos isso perfeitamente natural. Agora, elas nos devolvem a mesma bola, com a maior elegância. É do jogo.
Acho, aliás, que esse comportamento escancara um sentimento que sempre esteve por aí. Nos anos 70, quando eu era adolescente, circulavam entre as meninas da escola cópias de uma revista feminina com fotos do goleiro do Palmeiras no chuveiro. Era o Leão, hoje técnico de futebol. Mais recentemente, o Renato Gaúcho e o Raí encarnaram o mesmo personagem - o símbolo sexual da bola - que agora parece estar sendo abraçado pelo Fred.
Imagino que isso já tenha se convertido numa parte não mencionável, mas essencial do espetáculo televisivo, assim como a beleza das garotas da seleção brasileira de vôlei. Aquelas pernas compridas e os shorts justinhos devem ter tido papel relevante na popularização desse esporte na TV e na vida brasileira, assim como os olhos e o decote da Nigella Lawson ajudam a cativar a audiência masculina para as delícias da comida inglesa. O pessoal do show business descobriu há mais de meio século que quanto menor é a roupa maior é a multidão. Agora, parece que isso vale também para uma multidão de mulheres.
Se alguém fica incomodado com a participação feminina em nosso antigo espaço VIP, sugiro que relaxe. Prefiro ter as mulheres conosco, vendo o jogo, do que reclamando a nossa presença em outro lugar, na hora sagrada do futebol. A participação delas, aliás, melhora a experiência esportiva, como melhora quase tudo na vida. Se elas têm espaço para comentar os alarmantes glúteos do Hulk, tanto melhor. Sugere que o mundo ficou mais livre e mais igual, e que nós, homens, perdemos a exclusividade sobre essa forma risonha de canalhice. É mais um anel que se vai, na boa.
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