IVAN MARTINS
10/07/2013 09h06 - Atualizado em 10/07/2013 09h06
Recebi ontem o email de uma amiga que começou namorar nas manifestações de São Paulo. Ela, branquinha e agitada. Ele, negro e sereno. Os dois não se conheciam até se cruzarem na porta do Teatro Municipal, como parte da mesma turma ampliada de amigos. Marcharam juntos, correram da polícia e acabaram na sala de um conhecido comum, celebrando com vinho a própria coragem. “Aí ele veio com tudo, e eu adorei”, ela escreveu.
Em oposição a essa história feliz, li, na Folha de São Paulo, uma reportagem meio triste sobre mulheres paulistanas que não acham homens para relacionamentos sérios. Elas caem na balada, vão aos bares, frequentam a Vila Madalena, mas não encontram quem queira algum tipo de compromisso. Dizem que na noite só há playboys babacas ou caras interessados em fazer uma farrinha. Namorados em potencial, não tem.
A diferença entre a história da minha amiga e a das moças que se queixam na Folha me parece estar na palavra “afinidade”.
Minha amiga saiu com um grupo de amigos e foi a uma manifestação que tinha por objetivo protestar contra a violência policial. A chance estatística de esbarrar numa alma gêmea nessa circunstância é maior que numa pista de dança no Itaim. Na manifestação, as pessoas compartilham valores e estão ligadas, ao menos momentaneamente, por sentimentos comuns. Na balada o lance é outro: depois de beber e dançar, a maior parte dos seres humanos está biologicamente inclinada a fazer sexo, não a procurar um grande amor.
Podemos dizer que na passeata, entre amigos, a seleção é feita por atração e afinidades, enquanto na noite, depois de três cervejas, os critérios são atração e disponibilidade. Afinidades têm o potencial de ligar as pessoas de maneira duradoura, enquanto a disponibilidade ajuda a fazer ligações diretas. Não há nada de errado – ou intrinsecamente certo – em nenhuma das duas, mas elas raramente conduzem ao mesmo tipo de resultado.
Podemos dizer que na passeata, entre amigos, a seleção é feita por atração e afinidades, enquanto na noite, depois de três cervejas, os critérios são atração e disponibilidade. Afinidades têm o potencial de ligar as pessoas de maneira duradoura, enquanto a disponibilidade ajuda a fazer ligações diretas. Não há nada de errado – ou intrinsecamente certo – em nenhuma das duas, mas elas raramente conduzem ao mesmo tipo de resultado.
Outra coisa a se levar em conta é que estamos vivendo no Brasil aquilo que eu chamaria de um período especial. Os ânimos estão exaltados e as opiniões radicalizadas. Nessa atmosfera, o que as pessoas pensam pesa ainda mais. Afinidade torna-se essencial. Você e eu somos capazes de tolerar gente com opiniões radicalmente diferentes das nossas, desde que elas mantenham alguma distância física. Mas, na nossa sala, na nossa cozinha, na nossa cama, não dá. De quem beija a nossa boca tendemos a exigir um grau elevado de cumplicidade.
Se, depois de meia hora dançando, o bonitão da Vila Olímpia defender a repressão policial contra manifestantes ou a necessidade de bater em homens gays, você tem o direito constitucional de sair correndo e pedir um táxi.
Se, depois de meia hora dançando, o bonitão da Vila Olímpia defender a repressão policial contra manifestantes ou a necessidade de bater em homens gays, você tem o direito constitucional de sair correndo e pedir um táxi.
Por isso, eu acho feliz a forma como a minha amiga encontrou seu namorado. Num mundo cercado de incertezas, não há filtro melhor do que os amigos dos amigos. Redes humanas garantem procedência, produzem informação qualificada e funcionam como selo de qualidade. Evitam que a gente se envolva com entidades desconhecidas ou totalmente dissonantes. Uma simples olhada nos amigos conta uma enormidade sobre quem a pessoa é, o que ela faz e o que pensa. Isso não garante o futuro, mas oferece a chance de um bom começo.
Culturas tradicionais como a indiana tentam organizar os encontros amorosos. Elas acreditam que as relações duradouras são importantes demais para serem deixadas ao acaso. Assim, as redes familiares participam ativamente nos arranjos de casamento, tentando garantir a compatibilidade de interesses e personalidade. Além de renda, claro.
Nós não sabemos e não queremos mais fazer as coisas assim. Nosso anseio por autonomia tornou impossível delegar a qualquer grupo ou instituição a responsabilidade por nossa vida sentimental. Somos românticos, somos responsáveis por nós mesmos. Não há volta quanto a isso, e nem deveria. Mas talvez pudéssemos rever nossos critérios de busca. Se você não encontra um cara ou uma mulher legal na balada, tente um lugar onde possa fazer novos amigos. Você pode não achar o seu grande amor entre eles, mas é provável que evite outra roubada.
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)
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