ROMA - Os sinais de novidade já estavam visíveis durante a campanha eleitoral para o referendo que decretou - na segunda-feira passada - uma nova derrota do governo Berlusconi. Foi uma campanha sem comícios nem cartazes. A própria TV - que na Itália sempre teve papel central em todas as eleições - ignorou o referendo. Também porque Silvio Berlusconi, chefe do governo e todo-poderoso dono da principal rede de TV comercial do país, declarara que era melhor nem ir votar. De nada adiantou.
Isso porque a internet, em compensação, falou - e muito. Sites como Facebook, Twitter e YouTube foram os grandes protagonistas de uma campanha eleitoral que pela primeira vez na Itália foi feita sem a presença antiga e tradicional dos partidos políticos. E que, ainda assim, teve um comparecimento às urnas de 58% do eleitorado, garantindo a aprovação com a superação do limite mínimo de 50%. Desde 1995, nenhuma consulta do gênero conseguiu atrair tanta gente às urnas.
Os italianos decretaram com seu voto que não aprovam os planos para a construção de usinas nucleares no país, que não aceitam a privatização da rede hídrica, e revogaram a lei que permite a ministros - e principalmente ao primeiro-ministro - não comparecer às audiências de processos em que são réus, alegando o chamado "legítimo impedimento", ou seja a impossibilidade de ir à corte por compromissos de governo.
A TV ficou quase calada para não incomodar o chefe. Mas os internautas discutiram tudo sem limites e sem censura. E festejaram a grande vitória popular, decretada por esmagadores 96% dos votos contra o governo. E tudo isso com outra grande novidade na política italiana, que sempre se levou muito a sério: o uso maciço do bom humor e da irreverência no território livre da internet.
Uma profusão de vídeos se encarregou de desmantelar a imagem de Berlusconi. A pegadinha mais divertida e clicada na web foi a paródia do filme "Apertem os cintos, o piloto sumiu!": num avião todo decorado com os símbolos do PDL (o partido berlusconiano), uma aeromoça comunica aos passageiros que voltam de um fim de semana na mansão de Berlusconi em Antigua que, apesar das tentativas de boicote ao voto, os italianos foram às urnas em massa. Pior ainda: além da privatização da água e das usinas nucleares, revogaram também a imunidade judiciária do "capo". Pânico entre os passageiros. O autor do vídeo é Mauro Casciari, famoso no YouTube com o seu canal La Voce del Padrone, especializado em humor político, com muitas outras pegadinhas, como a de Berlusconi que interrompe a oração do Angelus do Papa com um telefonema indignado.
Num momento de grande confusão política, em que o governo sofreu a segunda derrota em 15 dias - a primeira foi nas eleições locais, em que Berlusconi perdeu Milão e Nápoles - ficou evidente que a direita italiana não tem a menor consciência do poder da internet. E que o seu líder carismático desconhece as novas tecnologias. Em seus discursos, Berlusconi continua falando de "cassetes", ignorando até mesmo a existência dos DVDs. Aos 74 anos, ele continua agarrado ao único meio de comunicação que conhece, domina e possui: a TV, a outra grande derrotada do referendo.
Enquanto isso, as redes sociais se preparam para uma nova batalha, desta vez para revogar a lei eleitoral italiana, que não deixa os eleitores votarem em candidatos, mas só em partidos e coalizões. Nada de comícios e passeatas. O debate ferve no Twitter e no Facebook, onde há quase 20 milhões de usuários italianos, numa população de 60 milhões. Mais cedo ou mais tarde, alguém vai avisar Berlusconi que os videocassetes já eram.
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