terça-feira, 15 de novembro de 2016

Que tal revogar a República? Se mantivermos o feriado, alguém notará?

Leonardo Sakamoto

Celebramos, hoje, a República. Regime que veio, não nos enganemos, através de um golpe militar em 15 de novembro de 1889 e não através de um caminho legal. Como uma assembleia eleita para decidir sobre a forma de governo seria impensável naquele momento apesar do crescente movimento republicano, as forças econômicas e militares catalisaram o processo e defenestraram o imperador.
Isso me faz monarquista? Afe, não… Sou um republicano crítico à história de meu país e que tem aversão à forma como determinados grupos sociais ressignificam a história de acordo com seus interesses, chamando as coisas pelos nomes que elas não têm. Em tese, deveríamos aprender com o nosso passado para construir o futuro. Em tese.
Fico pensando na natureza da República brasileira e todos as suas rupturas institucionais ao longo do tempo. E pesquisando na rede, um elemento que chama atenção é a foto do ministério de Michel Temer. Ela se parece, e muito, com qualquer pintura do gabinete imperial de Pedro II, no século 19: homens (com uma exceção), brancos, mais velhos e bem de vida.
Que a História não caminha em linha reta, isso é sabido. Mas é fascinante como ela dá voltas tão longas que, às vezes, sobrepõe o passado e o presente no mesmo lugar.
Um ano antes, em 1888, a escravidão era formalmente abolida no Brasil. Porém, nunca conseguimos inserir a população libertada em plenos direitos e seus descendentes continuam a ser tratados como carne de segunda, a sofrer todo o tipo de preconceitos e a receber bem menos que os brancos pela mesma função, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho. O país mudou apenas subordinar a escravidão ao capitalismo, indo ao encontro de um pedido dos empresários (mão de obra barata) e de uma das frases de caminhoneiro que nosso presidente mais gosta: ''não fale de crise, trabalhe''.
No início da República, as mulheres conquistaram o direito ao voto. Mas seguem sendo um grupo pequeno no Congresso Nacional, nas Assembleias e Câmaras de Vereadores, sem falar de cargos executivos e no Poder Judiciário. Poucos partidos possuem políticas claras para garantir a quantidade de candidatas previsto em lei e dar a elas a mesma competitividade que a dos homens e, por isso, têm sido punidos pela Justiça Eleitoral. Isso sem contar que são mortas, espancadas e assediadas diariamente e ainda têm que ouvir de parcela da população que elas se ''vitimizam''.
A República está, hoje, em mais uma encruzilhada. Há uma desmotivação muito grande com quem é eleito para administrar a ''coisa pública''. E, nesse contexto, os eleitos (ou não) para os cargos públicos vão empurrando o Brasil ao período imperial.
No Congresso Nacional, propostas para o desmonte de mais e um século de lutas republicanas seguem à toda.
Desmonte de direitos trabalhistas (liberação da terceirização para qualquer atividade da empresa e redução da idade mínima para poder trabalhar de 14 para 10 anos), de direitos indígenas (transferência do poder de demarcação de Terras Indígenas para deputados e senadores), de direitos da infância e da adolescência (redução da maioridade penal para 16 anos), de direitos civis (proibição de adoções por casais do mesmo sexo), do direito à liberdade (alteração do conceito de trabalho escravo contemporâneo para diminuir as possibilidades de punição), de direitos reprodutivos (proibição do aborto nos casos de estupro, risco de vida para a mãe e má formação fetal), da seguridade social (imposição de idade mínima de 65 anos para aposentadoria) e da própria existência de um Estado social (imposição de tetos para o crescimento de investimentos em áreas como educação e saúde).
Quiçá, como já disse aqui, não completemos, em breve, a transição ao passado com a aprovação da pena de morte, do fim do voto feminino, da revogação da Lei Áurea e da derrubada da República? Talvez por outro golpe – afinal, gostamos tanto deles.

Creio que, desde que se mantenha o feriado, a maior parte da população nem irá se importar.

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/11/15/que-tal-revogar-a-republica-se-mantermos-o-feriado-alguem-notara/ 

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