quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O silêncio que nos devora

IVAN MARTINS
20/07/2016 - 08h55 - Atualizado 20/07/2016 14h21

Em tempos de amor nas redes sociais, o silêncio nos devora. A gente manda uma mensagem, a resposta não vem, entramos em colapso. Se, na tela do aplicativo, surgem dois sinais azuis – indicando que a mensagem foi lida – e não retorna uma palavra de carinho, enlouquecemos. Por quê?
Acho que somos mentalmente frágeis, e as redes sociais não estão ajudando. Nosso tempo interior foi acelerado pelas mensagens digitais. Viramos reféns da instantaneidade. Se a resposta pode vir imediatamente, ela tem de vir. Senão o outro não nos ama. Senão fizemos algo errado. Senão a nossa estabilidade já era.
Outro dia, mandei uma mensagem a uma amiga por celular, contando algo que lhe dizia respeito. Ela respondeu com uma brincadeira, eu levei a sério, ela saiu do ar. Durante sua ausência, pirei. Achei que tinha feito algo errado. Ensaiei explicações. Me preparei para uma briga. Escrevi que o silêncio dela – sempre o silêncio – era intolerável. Depois de uma hora, ao sair do médico e ler minhas mensagens, a amiga ligou, perguntando se eu estava louco. Estava, né?  Profunda e temporariamente maluco. Não há outra explicação.
Ontem, enquanto preparava este texto, fiquei orgulhoso por esperar 24 horas antes de cobrar a resposta a um e-mail. Isso mesmo. Só depois de 24 horas fritando no óleo do silêncio eu peguei o celular e mandei uma mensagem, perguntando se a pessoa havia visto meu e-mail. A resposta veio segundos depois: “Não vi, desculpe, não abri o e-mail, estou fora do escritório desde ontem. O que aconteceu?”. Seguiu-se uma onda de alívio tão intensa que eu parecia mergulhado num tanque de endorfina. Me senti como uma criança chorando no ombro da mãe. Ridículo, patético, novo normal.
É claro que a amiga não é qualquer amiga e que a pessoa que não leu o e-mail não era qualquer pessoa. Nos dois casos havia expectativas emocionais. As duas esperas tinham carga afetiva elevada. Aí reside o problema: nossos sentimentos, naturalmente voláteis, trafegam agora numa rodovia de oito pistas sem limite de velocidade. As redes sociais. Os acidentes vão se suceder de forma espetacular. Avançamos a 200 quilômetros de ansiedade por hora e a natureza – a nossa natureza – não tem freios.
Recomendo que todos leiam o texto do comediante americano Aziz Ansari publicado no Brasil pela revista Piauí. Ele vai fundo na ansiedade introduzida nas conversas românticas pelas redes sociais. A essência do problema é o tempo. Há estudos mostrando que a avaliação que fazemos de outra pessoa depende do tempo que ela demora a nos responder. Somos alvos fáceis de manipulação. E podemos aprender a manipular. Talvez devêssemos. Leiam e tirem suas próprias conclusões.
Da minha parte, acho que precisamos reaprender o silêncio. As pessoas não nos devem respostas imediatas. Elas respondem quando quiserem, se quiserem, e a gente que pare com aflição e o mi-mi-mi. Quem mandou a mensagem e pôs seu desejo na reta que aguente as consequências. As chances de frustração são tão elevadas como as de sucesso.
Esse sofrimento digital coletivo me parece mais um exemplo da dificuldade moderna em estar consigo mesmo. Nossos pais e avós passavam muito tempo sozinhos na cabeça deles. Viam TV, ouviam rádio e conversavam. Liam, claro. Mas havia silêncio. Ao caminhar na rua, ao esperar o ônibus, guiando o carro, sentados na sala depois de jantar, na hora de acordar e de dormir, eles pensavam, em silêncio. Nós não.
Estamos o tempo todo falando, digitando. Mandando ou recebendo mensagens. Esperando. Mal suportando o silêncio dos intervalos. Roendo as unhas enquanto a resposta não vem, enquanto a aceitação do outro não chega. Ao chegar, ela nos enche de alegria por dois minutos, contados no cronômetro. Depois, recomeçamos a enviar e a esperar. Um inferno.
O amor, que nunca foi fácil, agora convive com esse vício afetivo e neurológico. Se não bastassem os problemas criados por 50 mil anos de cultura humana – ciúme, medo, culpa, violência –, agora temos de lidar com a ansiedade turbinada das redes. Viramos todos adolescentes temperamentais e inseguros. Fazemos exigências, damos chilique, temos pressa. Os nossos sentimentos à flor da pele se espalharam pela superfície do planeta. É hora de recolhê-los, talvez. Entendê-los e, de alguma forma, controlá-los. É hora de reaprender a ficar em silêncio.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2016/07/o-silencio-que-nos-devora.html 

Nenhum comentário:

Postar um comentário