IVAN MARTINS
23/09/2015 - 08h38 - Atualizado 23/09/2015 15h16
Sentimentos são duradouros, mas as relações que se criam em torno deles são breves. O namoro acaba em poucos meses e o casamento só dura alguns anos, mas a gente vive as consequências deles por muito mais tempo, como parte de um misterioso ciclo amoroso.
Primeiro, é a festa dos sentidos e das emoções. Mais tarde, a euforia e o desejo dos primeiros dias dão lugar a desencontros e brigas. Depois de algum tempo, com lágrimas ou gritos, às vezes com gelada indiferença, tudo termina. Só que não. O sentimento continua ocupando, doendo, obstruindo. Até que um dia, muito depois dos fatos consumados, ele finalmente desaparece.
Com isso tudo já estou acostumado. O descompasso entre estado civil e sentimentos não me surpreende. O que me entristece é imaginar que, embora os sentimentos possam ser perenes, as relações têmprazo de validade. Parece haver um tempo inevitável – ou a soma de algumas circunstâncias – que põe limite ao convívio voluntário e prazeroso entre as pessoas.
Talvez o prazo seja de três anos. Talvez sejam 150 transas. Podem ser dois filhos, a conclusão de um mestrado ou o pagamento da última prestação do SFH. Quem sabe é um caso extraconjugal, o aumento da circunferência na barriga ou a repetição inevitável das posições sexuais. Por que os romances acabam?
Não sei a resposta, mas sinto que, depois de algum tempo, as coisas no interior da maioria dos casais deixam de funcionar. Acontece ao mesmo tempo, em todos os territórios, como uma espécie de colapso afetivo que a maioria de nós não sabe (ou talvez não queira) evitar. Muita gente respira fundo e segue junto depois disso, mas a magia se esgotou. Restam apenas a determinação e os compromissos.
Isso não me parece razoável. Se os nossos sentimentos duram tanto – e o ciúme do ex é uma evidência de que duram, assim como a saudade e a preocupação - por que somos incapazes de fazer as relações se estenderem na mesma proporção?
O meu palpite é que nos falta alguma espécie de preparação para o convívio. Navegamos felizes sob o vento da paixão, mas, tão logo ele se dissipa, perdemos a capacidade de nos reconhecer no outro. Voltamos a ser um que tem de partilhar seu universo interno e seu mundo exterior com o outro. E nisso somos cada vez piores.
Nos tornamos independentes, autônomos, aspiramos ser autossuficientes. Queremos nos sentir livres, donos de nós mesmos, senhores e senhoras do nosso prazer e do espaço ao nosso redor. Não somos capazes de combinar a necessidade de liberdade e crescimento pessoal com a vida em comum.
A paixão impõe um limite ao nosso individualismo. Quando ela acaba, o egoísmo irrompe.
O sintoma mais comum desse estado de espírito é sentir-se aprisionado. A pessoa acha que foi roubada do seu delicioso passado e do seu futuro promissor. Só resta o presente, que a cada dia parece menos tolerável. Ela está numa armadilha com alguém que não ama, em circunstâncias que sente que não controla. Gente nessa situação sofre. É só questão de tempo antes que comece a dinamitar a relação e tente dar um fim a ela, de forma consciente ou não. O prazo de validade se esgotou.
Sei do que se trata porque já me senti assim mais de uma vez. E já estive ao lado de gente que se sentia dessa forma em relação a mim.
Não sei se existe algo que se possa fazer a respeito dessainconstância. Ela é forte em nós. Está misturada às nossas mais legítimas ambições, que se alimentam do espírito do tempo. A era das aspirações coletivas parece ter acabado. Agora tudo que resta é nos realizar plenamente como indivíduos. Abraçamos a relação com o outro desde que não fira a nossa independência. Desde que – francamente – não atrapalhe os nossos planos e não interfira com as nossas ambições. Temos direito a ser felizes e levar uma vida repleta. Nada vai interferir com a satisfação dos nossos desejos que se multiplicam.
Temos sido assim, e talvez não haja jeito. Talvez esse comportamento esteja escrito em nosso DNA e faça parte danatureza humana que finalmente veio à tona. Depois de séculos e séculos de controle, agora talvez estejamos sendo nós mesmos. Volúveis, insaciáveis, egoístas. Quem não se reconhece nessa descrição?
Existe outra possibilidade, porém.
Talvez estejamos vivendo um momento coletivo de confusão. Crianças soltas na loja de doces. Adolescentes livres na ausência dos pais. Talvez o prazo de validade não exista e sejamos parte apenas de uma grande experiência temporária. Talvez tenhamos (como sociedade e como pessoas) a necessidade de celebrar a nossa liberdade e testar os seus limites. Quem sabe lá na frente a gente encontre o equilíbrio e aprenda e viver com liberdade e generosidade.
O amor não tem de durar para sempre e a vida não tem de caber numa única relação amorosa. Evidentemente. Mas o prazer da nossa convivência não deveria estar limitado a três anos ou 150 relações sexuais. Ou a qualquer outro limite imposto pela ansiedade.
O nosso ciclo amoroso é naturalmente longo. Os nossos sentimentos vão fundo. Há muito amor em nós e ele não se esgota assim, rapidamente. Nem precisa mudar de objeto com frequência. O amor permanece. Antes de acabar, ele dura. A gente é que se perde dele. Por isso saímos por aí, tateando no escuro, buscando nosso amor perdido em novas pessoas.
PS - Ontem vi um filme magnífico que trata dessas coisas, Love. Foi ele que me inspirou a escrever sobre o prazo de validade. Mas Love é um filme muito interessante por outras razões. Por isso quero falar dele exclusivamente. Fica para depois de amanhã, sexta-feira.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/09/por-que-relacoes-acabam.html
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