Afeto e desejo são sentimentos gêmeos. Em alguns momentos da existência eles se ignoram, em outros parecem inseparáveis. Na vida dos homens, mais do que das mulheres, eles são como rios paralelos que às vezes se esbarram, mas raramente se encontram. Por isso é tão mais difícil para os homens encontrar prazer e sentimentos duradouros. Por isso não conseguem estar inteiros nas relações – porque vivem divididos por dentro.
Acho que essa dificuldade explica parte das contradições que os homens exibem o tempo inteiro. “Ele disse que estava apaixonado, mas logo depois mostrou que não estava”: era o desejo falando, sem o amparo duradouro do sentimento. “Ele foi embora, mas voltou logo depois, dizendo que me amava”: o corpo da outra precisou estar ausente para o sujeito perceber os próprios sentimentos. “Ele parecia tão interessado quando eu não queria, depois que eu me apaixonei ele sumiu”: o desejo enlouquece com o que ainda não tem, e pode se cansar rapidamente depois de saciado. Afetos são mais constantes e duradouros.
Nenhum desses comportamentos é exclusivamente masculino, mas eles são mais visíveis nos homens – embora a gente escute reclamações, cada vez mais frequentes, de que as mulheres estão agindo de forma igualmente egoísta e superficial. Num mundo ordenado cada vez mais profundamente pela lógica da posse e do consumo, ninguém está imune a se portar como colecionador serial de corpos e pessoas descartáveis. Pode ser, mas o convívio sugere que mulheres ainda são mais atentas aos próprios sentimentos, e que eles falam mais de perto com as sensações delas de prazer.
Dou um exemplo: mesmo homens maduros podem se descobrir à beira de um colapso nervoso ou de uma depressão enquanto se relacionam, simultaneamente, com um bando de mulheres. O sujeito está péssimo, mas continua ali, tentando resolver sua angústia num mar de... mulheres. É mais difícil achar uma mulher numa situação dessas. Mesmo aquelas que poderiam abusar do corpo ou do carisma agem de outra forma. Uma rápida peneira afetiva faz com que o bando de candidatos ou fiquetes seja reduzido a um (ou dois) que tenham significado emocional. O resto dança. As mulheres são menos propensas a se perder num mar de corpos. Os homens, para o bem e para o mal, parecem às vezes ter nascido para isso - ainda que os corpos sejam somente imaginários.
Outro dia, uma aluna de jornalismo que está fazendo um trabalho de conclusão de curso me fez a pergunta de um milhão de reais: o que é o amor para você? Na hora, claro, eu respondi bobagens prolixas. Horas depois me ocorreu uma resposta mais simples, que tem a ver com o assunto do qual estamos tratando. Amor é foco. Amar é sentir que a vida se condensa em torno de um sentimento e de uma pessoa, e por isso se torna deliciosamente simples, tanto quanto intensa. As dúvidas e os problemas recuam para o segundo plano. O tédio, o medo, a confusão se dissolvem num grande sentimento claro e límpido. Ele é como o facho de luz que atravessa uma lente e se transforma, do outro lado, num único ponto rutilante.
Essa definição de amor significa o contrário da multidão de corpos. Ela é sinônimo de escolha e singularização. Talvez por isso seja difícil de atingir, e ainda mais difícil de manter. O desejo que se desloca de um corpo para outro, sem passar pelo filtro rigoroso e constante do afeto, é o contrário da seleção. Ele não implica em renúncia nenhuma, e talvez não leve a lugar algum.
Não sei se o desejo inquieto dos homens algum dia será coletivamente diferente, mas, pessoalmente, individualmente, ele muda. Com o passar do tempo, cresce de maneira imperceptível a vinculação entre sentimento e desejo na vida dos homens. O sujeito não se torna necessariamente mais constante, mas o desejo dele começa a ser subordinado a critérios que as mulheres talvez reconheçam, por serem afetivos – ele deseja quem conhece melhor, deseja mulheres de quem gosta. Aquela dona escultural de quem ele nem sabe o nome é uma delícia, mas não é com ela que ele sonha embaixo do chuveiro. O desejo profundo passa a incluir formas de intimidade e acolhimento. Continua volátil, ainda insiste em ser voraz, mas cada vez está mais vinculado aos afetos. Os rios do amor e do desejo cuidadosamente se aproximam. Talvez uma vida não seja suficiente para que se juntem, mas quem realmente sabe?
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)
http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/ivan-martins/noticia/2012/10/os-rios-dentro-de-nos.html
Economista que não economiza em palavras... Porque mesmo sem motivo eu gosto de falar.
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
domingo, 28 de outubro de 2012
Tão típico
Sair de Beaga com aquele calor insuportável e chegr em SP com chuva, vento e frio.
Detalhe: aeroporto fechado por mais de uma hora, espera de 40min sobrevoando Campinas.
:/
Detalhe: aeroporto fechado por mais de uma hora, espera de 40min sobrevoando Campinas.
:/
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Meta outstanding
Mais um livro pra meta! A menina que brincava com fogo, da coleção millenium. Agora só falta o terceiro!
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Nicole e os sodomitas
É duro dizer não aos fetiches masculinos
IVAN MARTINS
A gente nunca sabe se as declarações das celebridades são sinceras ou se têm apenas o objetivo de atrair atenção e causar reboliço na imprensa. Feita essa ressalva gigante, fiquei impressionado ao ler na internet a entrevista da modelo Nicole Bahls, na semana passada. Com franqueza incomum, ela explicou a um repórter que seus namorados a trocam por outras mulheres porque – em suas próprias palavras - ela não gosta de “dar o bumbum”. “Tem um monte de mulher por aí fazendo isso”, ela disse. “Como eu não gosto de dor, perco o namorado.”
Bonita e famosa como é, suspeito que Nicole não tenha dificuldade em substituir os malvados sodomitas que de maneira tão insensível a deixam na fila. Acho, também, que embora seja inevitável rir desse de assunto, ele é sério. Constitui um problema de relacionamento que incomoda milhões de mulheres brasileiras. Nunca vi uma estatística, mas pressinto que boa parte das amantes, namoradas e esposas deste país precisam driblar, diariamente, a mesmíssima insistência vivenciada por Nicole: homens lascivos querendo fazer sexo anal. Nelas. Diante da pressão, as moças recusam ou ganham tempo. De vez em quando, um fetichista impaciente vai embora. Acho que essa forma de pecado dolorosa deve ser a segunda principal questão na vida dos nossos casais. A primeira, claro, é quem lava a droga da louça.
No passado, mulheres como Nicole poderiam proteger seu patrimônio invocando a lei. Por inspiração do império britânico, onde reinava a chatíssima rainha Vitória, a sodomia foi proibida em quase toda parte no século XIX, junto com outras formas de perversão como bestialismo e... o sexo oral. Conhecidas como Leis da Sodomia, essas proibições tinham a intenção principal de impedir homens gays de fazerem sexo entre si, mas se aplicavam também a casais heterossexuais. No mundo anglo-saxão, que influenciava o comportamento oficial da elite no resto do planeta (sempre houve o comportamento paralelo), qualquer forma de sexo que não fosse reprodutivo era considerada antinatural. Os últimos 15 estados americanos a abolir as Leis da Sodomia o fizeram em 2003. Isso é ontem em termos de história.
As primeiras sensações Sentimentos demais Pornografia de verdadeOrgasmão e orgasminhoA moda dos bichosOs homens que odeiam as feministas O escândalo das vaginasCom a ajuda dos amigosO conforto do outroAmores clandestinosGarota Sputnik Noites de invernoSincericídioComo dizer adeus Afinidades essenciaisDormir de conchinhaQuem é o pai? Alma de cornoOs traficantes do amorSurra de cama Casos inacabadosComo agora não existem mais proibições legais, tudo o que acontece no mundo do sexo pode ser livremente negociado no interior dos casais. E aí é que a coisa aperta. A cultura masculina brasileira é profundamente fetichista. Não basta olhar a bunda da mulher, é preciso tomar posse dela. Quanto mais linda a paisagem, maior a exigência de corrompê-la. Essa lógica de posseiro é tão centrada no desejo masculino que ignora a anatomia e a cabeça das mulheres. Algumas simplesmente não têm condição física de acomodar o prazer masculino. O esfíncter não é igual em todas elas, assim como os homens brasileiros, beneficiados pela miscigenação, são enormemente desiguais entre si. Tamanhos, neste caso, são os documentos essenciais da negociação.
Há também a questão psicológica. Muitas mulheres não sentem prazer anal. Outras não suportam nem a ideia de sexo nesse compartimento. Têm nojo, repulsa, sei lá. Sendo homens, tendo a resistência que temos a ser tocados no local em que a mamãe passou talquinho, não deveríamos estranhar essa objeção. Mas estranhamos. Crescemos ouvindo na sala de casa, daquele tio simpático e depravado, que não há nada mais gostoso que submeter uma mulher à retidão da nossa fantasia – e que ela, embora chore como se estivesse sendo machucada, adora. Movidos pela nossa luxúria, nos recusamos a acreditar que as mulheres realmente não gostam ou não querem “dar o bumbum”. Tendemos a achar, lá no fundo, que a resistência delas é uma espécie de trava emocional, uma neurose, um defeito de software que um dia, com muita persistência, será consertado na conversa. Ou na marra.
É preciso admitir que a fabulosa lenda do sexo anal tem dois pés na realidade. Um são as mulheres que realmente gostam dessa modalidade de prazer. Elas existem e nem são tão poucas. Movem-se com discrição entre os homens e entre as próprias mulheres porque a nossa moral sexual condena tudo aquilo que secretamente exalta. As moças sodomitas têm vergonha e sabem que podem ser discriminadas por moralistas e por feministas. Quando um homem esbarra numa delas, às vezes de forma totalmente inesperada, descobre logo de cara que aquele tio pervertido era um idiota – quando elas gostam, a dor não é parte importante do processo. O prazer se faz com jeito e delicadeza masculinas.
O outro pé da lenda é dado pelas mulheres que cedem, embora não gostem. Elas também são muitas. O marido insiste há tanto tempo, a relação anda meio morna, então vai lá – qualquer coisa para ver os olhos do sujeito brilhando de novo. Com o tempo elas se acostumam. Ou então há o medo de perder, medo de que o cara – como diz Nicole Bahls – vá buscar por aí o que não tem em casa. Neste caso, elas tomam um pilequinho, ou acendem um cigarrinho, e meio anestesiadas torcem para que o sujeito termine logo.
As feministas dirão que isso é um horror, mas a verdade é que as pessoas fazem muita coisa desprazerosa pelo outro. Elas suportam nove meses de gravidez, por exemplo. Ou cozinham e fazem faxina quando gostariam de se atirar no sofá. Os homens trabalham em empregos horrendos por anos a fio, 10, 12, 13 horas por dia, para manter a casa e a família. Quando alguém cai doente, o outro cuida, embora seja chato. Todas essas coisas são feitas, ao menos em parte, por amor. Muito na nossa vida envolve sacrifício. Eu não quero sugerir com isso que as mulheres tenham de ceder ao desejo dos seus homens e virar de costas apenas porque gostam dele. Mas acredito que se elas decidirem fazer isso terão suas razões. Assim como estarão inteiramente corretas se disserem não. É o corpo delas. É o bumbum delas. Talvez não exista nada mais íntimo e pessoal.
IVAN MARTINS
A gente nunca sabe se as declarações das celebridades são sinceras ou se têm apenas o objetivo de atrair atenção e causar reboliço na imprensa. Feita essa ressalva gigante, fiquei impressionado ao ler na internet a entrevista da modelo Nicole Bahls, na semana passada. Com franqueza incomum, ela explicou a um repórter que seus namorados a trocam por outras mulheres porque – em suas próprias palavras - ela não gosta de “dar o bumbum”. “Tem um monte de mulher por aí fazendo isso”, ela disse. “Como eu não gosto de dor, perco o namorado.”
Bonita e famosa como é, suspeito que Nicole não tenha dificuldade em substituir os malvados sodomitas que de maneira tão insensível a deixam na fila. Acho, também, que embora seja inevitável rir desse de assunto, ele é sério. Constitui um problema de relacionamento que incomoda milhões de mulheres brasileiras. Nunca vi uma estatística, mas pressinto que boa parte das amantes, namoradas e esposas deste país precisam driblar, diariamente, a mesmíssima insistência vivenciada por Nicole: homens lascivos querendo fazer sexo anal. Nelas. Diante da pressão, as moças recusam ou ganham tempo. De vez em quando, um fetichista impaciente vai embora. Acho que essa forma de pecado dolorosa deve ser a segunda principal questão na vida dos nossos casais. A primeira, claro, é quem lava a droga da louça.
No passado, mulheres como Nicole poderiam proteger seu patrimônio invocando a lei. Por inspiração do império britânico, onde reinava a chatíssima rainha Vitória, a sodomia foi proibida em quase toda parte no século XIX, junto com outras formas de perversão como bestialismo e... o sexo oral. Conhecidas como Leis da Sodomia, essas proibições tinham a intenção principal de impedir homens gays de fazerem sexo entre si, mas se aplicavam também a casais heterossexuais. No mundo anglo-saxão, que influenciava o comportamento oficial da elite no resto do planeta (sempre houve o comportamento paralelo), qualquer forma de sexo que não fosse reprodutivo era considerada antinatural. Os últimos 15 estados americanos a abolir as Leis da Sodomia o fizeram em 2003. Isso é ontem em termos de história.
As primeiras sensações Sentimentos demais Pornografia de verdadeOrgasmão e orgasminhoA moda dos bichosOs homens que odeiam as feministas O escândalo das vaginasCom a ajuda dos amigosO conforto do outroAmores clandestinosGarota Sputnik Noites de invernoSincericídioComo dizer adeus Afinidades essenciaisDormir de conchinhaQuem é o pai? Alma de cornoOs traficantes do amorSurra de cama Casos inacabadosComo agora não existem mais proibições legais, tudo o que acontece no mundo do sexo pode ser livremente negociado no interior dos casais. E aí é que a coisa aperta. A cultura masculina brasileira é profundamente fetichista. Não basta olhar a bunda da mulher, é preciso tomar posse dela. Quanto mais linda a paisagem, maior a exigência de corrompê-la. Essa lógica de posseiro é tão centrada no desejo masculino que ignora a anatomia e a cabeça das mulheres. Algumas simplesmente não têm condição física de acomodar o prazer masculino. O esfíncter não é igual em todas elas, assim como os homens brasileiros, beneficiados pela miscigenação, são enormemente desiguais entre si. Tamanhos, neste caso, são os documentos essenciais da negociação.
Há também a questão psicológica. Muitas mulheres não sentem prazer anal. Outras não suportam nem a ideia de sexo nesse compartimento. Têm nojo, repulsa, sei lá. Sendo homens, tendo a resistência que temos a ser tocados no local em que a mamãe passou talquinho, não deveríamos estranhar essa objeção. Mas estranhamos. Crescemos ouvindo na sala de casa, daquele tio simpático e depravado, que não há nada mais gostoso que submeter uma mulher à retidão da nossa fantasia – e que ela, embora chore como se estivesse sendo machucada, adora. Movidos pela nossa luxúria, nos recusamos a acreditar que as mulheres realmente não gostam ou não querem “dar o bumbum”. Tendemos a achar, lá no fundo, que a resistência delas é uma espécie de trava emocional, uma neurose, um defeito de software que um dia, com muita persistência, será consertado na conversa. Ou na marra.
É preciso admitir que a fabulosa lenda do sexo anal tem dois pés na realidade. Um são as mulheres que realmente gostam dessa modalidade de prazer. Elas existem e nem são tão poucas. Movem-se com discrição entre os homens e entre as próprias mulheres porque a nossa moral sexual condena tudo aquilo que secretamente exalta. As moças sodomitas têm vergonha e sabem que podem ser discriminadas por moralistas e por feministas. Quando um homem esbarra numa delas, às vezes de forma totalmente inesperada, descobre logo de cara que aquele tio pervertido era um idiota – quando elas gostam, a dor não é parte importante do processo. O prazer se faz com jeito e delicadeza masculinas.
O outro pé da lenda é dado pelas mulheres que cedem, embora não gostem. Elas também são muitas. O marido insiste há tanto tempo, a relação anda meio morna, então vai lá – qualquer coisa para ver os olhos do sujeito brilhando de novo. Com o tempo elas se acostumam. Ou então há o medo de perder, medo de que o cara – como diz Nicole Bahls – vá buscar por aí o que não tem em casa. Neste caso, elas tomam um pilequinho, ou acendem um cigarrinho, e meio anestesiadas torcem para que o sujeito termine logo.
As feministas dirão que isso é um horror, mas a verdade é que as pessoas fazem muita coisa desprazerosa pelo outro. Elas suportam nove meses de gravidez, por exemplo. Ou cozinham e fazem faxina quando gostariam de se atirar no sofá. Os homens trabalham em empregos horrendos por anos a fio, 10, 12, 13 horas por dia, para manter a casa e a família. Quando alguém cai doente, o outro cuida, embora seja chato. Todas essas coisas são feitas, ao menos em parte, por amor. Muito na nossa vida envolve sacrifício. Eu não quero sugerir com isso que as mulheres tenham de ceder ao desejo dos seus homens e virar de costas apenas porque gostam dele. Mas acredito que se elas decidirem fazer isso terão suas razões. Assim como estarão inteiramente corretas se disserem não. É o corpo delas. É o bumbum delas. Talvez não exista nada mais íntimo e pessoal.
As três fatias do bolo eleitoral, por Elio Gaspari
Elio Gaspari, O Globo
Faltam poucos dias para o desfecho da eleição municipal e são fortes os sinais de que o PT terá o que comemorar. Qual a explicação para o desempenho dos companheiros se a economia vai devagar, quase parando, e a cúpula do partido de 2005 está a caminho do cárcere?
Aqui vai uma tentativa: desde 2002, quando Lula assinou a Carta aos Brasileiros e venceu a eleição incorporando pilares da política econômica de Fernando Henrique Cardoso, o PT move-se livremente sobre o campo adversário (quem quiser, pode dizer que ele vai à direita, mas essa imagem é insuficiente).
Já a oposição, petrificada, não consegue sair do lugar. Em alguns momentos, radicaliza-se, incorporando clarinadas do conservadorismo europeu e americano. O tema do aborto, do kit-gay e a mobilização do cardeal de São Paulo ao estilo da Liga Eleitoral Católica dos anos 30 exemplificam essa tendência (registre-se aqui a falta que faz Ruth Cardoso. Com ela, não haveria hipótese de isso acontecer.)
Admita-se que o eleitorado divide-se em três fatias. Uma detesta o PT e tem horror a Lula. Outra, no meio, pode ir para qualquer lado. O terceiro bloco gosta de Nosso Guia e não se incomoda quando ele pede que vote em seus postes.
Se um bloco se move e o outro fica parado, sempre que houver eleição, o PT prevalecerá.
Some-se à paralisia da oposição uma ilusão retórica. Desde 2010 suas campanhas eleitorais estruturam-se como pregações aos convertidos. O sujeito tem horror a Lula, ouve os candidatos que o combatem e fica duas vezes com mais raiva. Tudo bem, mas continua tendo apenas um voto.
Já o PT segue uma estratégia oposta. Sabe que os votos de esquerda vêm por gravidade e vai buscar apoios alhures.
A crença de que o julgamento do mensalão seria uma bala de prata para a oposição revelou-se falsa. Já as crendices petistas segundo as quais o Supremo tornou-se um tribunal de exceção ou que o impacto de suas sentenças seria irrelevante são um sonho maligno.
As condenações podem ter sido eleitoralmente insuficientes para derrotar os companheiros, mas não foram irrelevantes. O PT deve prestar atenção à voz do Supremo, pois a Corte não é uma mesa-redonda de comentaristas esportivos. Ela é o cume de um poder da República.
Eleição não absolve réu, assim como o Supremo não elege prefeito. Se Lula e o PT acreditarem que o eleitorado respondeu ao Supremo, estarão repetindo o erro dos generais que viam nos resultados dos pleitos da década de 70 uma legitimação indireta do que se fazia, com seu pleno conhecimento, nos DOI-Codi.
O comissariado deveria ter a honestidade de admitir que acreditou na impunidade dos mensaleiros. Resta-lhe agora o vexame de reformar o estatuto do partido, que determina a expulsão dos companheiros condenados em última instância.
A oposição tem dois anos para articular uma agenda que lhe permita avançar sobre a plataforma petista. Ela não precisa se preocupar com a turma que detesta Lula, essa virá por gravidade, assim como os adoradores de Nosso Guia continuarão seguindo-o.
Fazendo cara feia para os programas sociais do governo, para as políticas de ação afirmativa nas universidades e para a expansão do crédito popular, ela organizará magníficos seminários. Eleição? É coisa de pobre.
Faltam poucos dias para o desfecho da eleição municipal e são fortes os sinais de que o PT terá o que comemorar. Qual a explicação para o desempenho dos companheiros se a economia vai devagar, quase parando, e a cúpula do partido de 2005 está a caminho do cárcere?
Aqui vai uma tentativa: desde 2002, quando Lula assinou a Carta aos Brasileiros e venceu a eleição incorporando pilares da política econômica de Fernando Henrique Cardoso, o PT move-se livremente sobre o campo adversário (quem quiser, pode dizer que ele vai à direita, mas essa imagem é insuficiente).
Já a oposição, petrificada, não consegue sair do lugar. Em alguns momentos, radicaliza-se, incorporando clarinadas do conservadorismo europeu e americano. O tema do aborto, do kit-gay e a mobilização do cardeal de São Paulo ao estilo da Liga Eleitoral Católica dos anos 30 exemplificam essa tendência (registre-se aqui a falta que faz Ruth Cardoso. Com ela, não haveria hipótese de isso acontecer.)
Admita-se que o eleitorado divide-se em três fatias. Uma detesta o PT e tem horror a Lula. Outra, no meio, pode ir para qualquer lado. O terceiro bloco gosta de Nosso Guia e não se incomoda quando ele pede que vote em seus postes.
Se um bloco se move e o outro fica parado, sempre que houver eleição, o PT prevalecerá.
Some-se à paralisia da oposição uma ilusão retórica. Desde 2010 suas campanhas eleitorais estruturam-se como pregações aos convertidos. O sujeito tem horror a Lula, ouve os candidatos que o combatem e fica duas vezes com mais raiva. Tudo bem, mas continua tendo apenas um voto.
Já o PT segue uma estratégia oposta. Sabe que os votos de esquerda vêm por gravidade e vai buscar apoios alhures.
A crença de que o julgamento do mensalão seria uma bala de prata para a oposição revelou-se falsa. Já as crendices petistas segundo as quais o Supremo tornou-se um tribunal de exceção ou que o impacto de suas sentenças seria irrelevante são um sonho maligno.
As condenações podem ter sido eleitoralmente insuficientes para derrotar os companheiros, mas não foram irrelevantes. O PT deve prestar atenção à voz do Supremo, pois a Corte não é uma mesa-redonda de comentaristas esportivos. Ela é o cume de um poder da República.
Eleição não absolve réu, assim como o Supremo não elege prefeito. Se Lula e o PT acreditarem que o eleitorado respondeu ao Supremo, estarão repetindo o erro dos generais que viam nos resultados dos pleitos da década de 70 uma legitimação indireta do que se fazia, com seu pleno conhecimento, nos DOI-Codi.
O comissariado deveria ter a honestidade de admitir que acreditou na impunidade dos mensaleiros. Resta-lhe agora o vexame de reformar o estatuto do partido, que determina a expulsão dos companheiros condenados em última instância.
A oposição tem dois anos para articular uma agenda que lhe permita avançar sobre a plataforma petista. Ela não precisa se preocupar com a turma que detesta Lula, essa virá por gravidade, assim como os adoradores de Nosso Guia continuarão seguindo-o.
Fazendo cara feia para os programas sociais do governo, para as políticas de ação afirmativa nas universidades e para a expansão do crédito popular, ela organizará magníficos seminários. Eleição? É coisa de pobre.
terça-feira, 23 de outubro de 2012
Pavor aristocrático na reta final
Por Paulo Moreira Leite - Época
A iminência de uma derrota histórica na cidade que consideravam sua reserva de mercado têm levado alguns observadores a fazer um trabalho vergonhoso em defesa da candidatura de José Serra à prefeitura de São Paulo.
Em vez de defender José Serra, o que seria natural na reta final da eleição, eles procuram levantar o fantasma da ameaça de um avanço da hegemonia do PT no país inteiro. Enquanto acreditavam que seu candidato era favorito, diziam que a polarização política era ótima, que o conflito ideológico ajudava a formar a consciência do eleitor. Mas agora, diante de pesquisas eleitorais constrangedoras, querem mudar o jogo de qualquer maneira.
É um comportamento arriscado e pode ser contraproducente.
Do ponto de vista democrático, o PT só chegou ao poder de Estado, em qualquer instância, pelo voto direto. Bem ou mal, é o único dos grandes partidos brasileiros – já existentes na época — que pode exibir essa condição.
Claro que você pode discutir a recusa em votar em Tancredo Neves, em 1984. Pode dizer que foi radicalismo, esquerdismo, sei lá. Mas é possível reconhecer que naquele momento da transição os petistas defenderam um princípio de respeito a vontade popular que vários adversários – por uma esperteza que em vários casos pouco tinha a ver com patriotismo desinteressado – logo iriam trocar por um cargo no ministério.
Essa postura conservadora contra Haddad retoma os velhos fantasmas do perigo vermelho, tão primitivos como tantas mitologias de quem saiu colonizado pelos anos de Guerra Fria. Reflete um medo aristocrático de quem imaginava que tinha transformado São Paulo em seu quintal eleitoral e agora se vê sem respostas para as grandes parcelas da população.
Depois de criticar o PT pelos Céus de Marta Suplicy, a campanha tucana fala em Céus do Serra. Depois de criticar o bilhete único, o PSDB aderiu a ele. Criticou Haddad pelo bilhete único mensal, mas agora lançou sua própria versão do mesmo bilhete. Depois de passar a campanha pedindo que a população tivesse pena de Gilberto Kassab, nossos analistas descobrem que o continuismo não está com nada e, para não perder embalo, dizem que é uma tendência para 2014 e já ameaçam Dilma. Pelo amor de Deus: aqui a pouco, vai-se brigar pelos direitos autorais do Bolsa Família, não é mesmo?
Levantar o fantasma de um perigo difuso e ameaçador é um dos mais conhecidos truques da comunicação moderna. Revela desprezo pelo conhecimento e pela inteligência do eleitor, procurando convencer a população com argumentos inconscientes, de natureza emocional.
A postura pode ser resumida assim: quando não dá mais para falar em bolo nem em brioches, como fez Maria Antonieta diante da plebe rude, vamos para lágrimas e o sentimentalismo.
O pensamento aristocrático e conservador do século XIX, quando a aristocracia descobriu que o voto popular poderia produzir resultados desagradáveis e inesperados, foi construído assim. Pensadores como Gustave Le Bon afirmavam, literalmente, que a multidão “ou não conseguia raciocinar, ou só conseguia racionar de forma errada.”
O truque principal, nesse comportamento, era evitar referências claras e diretas. Por motivos fáceis de explicar, nunca se diz: perigo de que? Por que?
Grita-se: “eu tenho medo,” como fez Regina Duarte, em 2002. Mas pelo menos ela tinha sido a namoradinha do Brasil…
Como bem lembrou Fernando Rodrigues, a partir de 1994 o PSDB tornou-se um partido rico e poderoso.
Deixou essa condição, pela vontade livre e direta do eleitorado. Em nenhum momento o PSDB deixou de ter colunistas e articulistas de pena amiga para descrever suas virtudes perante a população, com uma generosidade jamais exibida em relação a nenhum outro adversário.
A dificuldade é que, em sua passagem pelo poder federal os tucanos não deixaram nenhuma recordação duradoura na defesa dos mais pobres e dos assalariados em geral. Foi por isso que perderam três eleições consecutivas, sem jamais exibir concorrentes competitivos.
Em 2002, quando o governo de FHC chegou ao fim, sua popularidade era negativa. A inflação passara dos dois dígitos, o desemprego havia disparado, a economia estava num abismo financeiro e é claro que, já então, culpava-se o perigo vermelho por isso.
Quanto aos métodos de governo, não sejamos ingênuos nem desmemoriados. Se você não quer usar a palavra aparelhamento, poderia falar, então, em engaiolamento tucano.
É um sistema realmente eficiente, já que, em quatro anos, promoveu:
a) mudanças nas regras eleitorais estabelecidas pela Constituição;
b) um esquema conhecido como mensalão, matriz dos demais;
c) um procurador geral da República dos tempos de FHC era conhecido como “engavetador”geral da República;
Embora goste de lembrar que o PT votou contra o Plano Real assinado por Itamar Franco, o PSDB prefere esquecer que, ao retornar ao governo de Minas Gerais, o ex-presidente rompeu com FHC e chegou a mobilizar a PM para impedir que Brasília privatizasse a usina de Furnas.
Foi para tentar derrotar Itamar, político muito popular no Estado, que o PSDB inventou o mensalão de Marcos Valério, colocando de pé um esquema que arrecadou mais de R$ 200 milhões para as agências ligadas ao esquema. Nem assim o esquema funcionou e, como acontece nas democracias, venceu o candidato que era melhor de voto.
Mesmo derrotado – a democracia tem disso, né, gente? – o PSDB empurrou a dívida do esquema com a barriga, com ajuda de verbas liberadas – olha a coincidência ! – pelo mesmo cofre do Visanet. Quando Aécio recuperou o governo de Minas, Valério voltou a ser premiado com novos recursos, informa Lucas Figueiredo, no livro O Operador. Conforme demonstrou a CPI dos Correios, dirigida por aliados do PSDB, havia farta distribuição de recursos públicos na campanha tucana.
Num lance de peculiar ousadia, foram retirados R$ 27 milhões da própria Secretaria da Fazenda do Estado.
A verdade é que o mensalão mineiro foi feito com tanta competência – ou seria melhor empregar o termo periculosidade? – que jamais foi descoberto. Até surgiram denúncias, mas eles nunca foram investigados.
Chegou-se ao mensalão mineiro por causa do braço petista de Marcos Valério. Se não fosse por ele, nem saberíamos que teria existido.
Isso é que engaiolamento, vamos concordar. Funciona mesmo depois que o PSDB deixou o poder. Enquanto o Supremo condena o mensalão petista com argumentos deduzidos e não demonstrados, os tucanos seguem no pão de queijo. Ninguém sabe, sequer, quantos serão julgados. Nem quando.
Agora vamos reconhecer: Fernando Haddad assumiu a liderança folgada nas pesquisas como um bom candidato deve fazer. Veio do zero, literalmente, e ganhou eleitores na medida em que tornou-se conhecido.
O apoio de Lula não é importante, apenas, porque lhe garante um bom patamar de votos. Essa é uma visão eleitoreira da política. Esse apoio mostra que é um candidato com origem e história e isso é importante. Dá uma referência ao eleitor.
Num país onde os sábios da década passada adoravam resmungar com frases feitas sobre a falta de partidos “legítimos”, com “história”, com “programa,”etc, é difícil negar que o PT fez sua parte. Você pode até achar uma coisa detestável. Pode dizer que o PT é um partido anacrônico, que “traiu o discurso ético” e só faz mal ao país. Mas tem de admitir que não é Haddad, como Dilma já mostrou em 2010, quem tem problemas com a própria história.
E isso, na construção de uma democracia, é um bom começo. Falta, agora, a outra parte. Caso as urnas confirmem o que dizem as pesquisas de intenção de voto, a vitória de Haddad só irá demonstrar a dificuldade da oposição em mostrar que poderia fazer um governo melhor.
O debate político é este. O resto é propaganda.
http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/2012/10/23/pavor-aristocratico-na-reta-final/
A iminência de uma derrota histórica na cidade que consideravam sua reserva de mercado têm levado alguns observadores a fazer um trabalho vergonhoso em defesa da candidatura de José Serra à prefeitura de São Paulo.
Em vez de defender José Serra, o que seria natural na reta final da eleição, eles procuram levantar o fantasma da ameaça de um avanço da hegemonia do PT no país inteiro. Enquanto acreditavam que seu candidato era favorito, diziam que a polarização política era ótima, que o conflito ideológico ajudava a formar a consciência do eleitor. Mas agora, diante de pesquisas eleitorais constrangedoras, querem mudar o jogo de qualquer maneira.
É um comportamento arriscado e pode ser contraproducente.
Do ponto de vista democrático, o PT só chegou ao poder de Estado, em qualquer instância, pelo voto direto. Bem ou mal, é o único dos grandes partidos brasileiros – já existentes na época — que pode exibir essa condição.
Claro que você pode discutir a recusa em votar em Tancredo Neves, em 1984. Pode dizer que foi radicalismo, esquerdismo, sei lá. Mas é possível reconhecer que naquele momento da transição os petistas defenderam um princípio de respeito a vontade popular que vários adversários – por uma esperteza que em vários casos pouco tinha a ver com patriotismo desinteressado – logo iriam trocar por um cargo no ministério.
Essa postura conservadora contra Haddad retoma os velhos fantasmas do perigo vermelho, tão primitivos como tantas mitologias de quem saiu colonizado pelos anos de Guerra Fria. Reflete um medo aristocrático de quem imaginava que tinha transformado São Paulo em seu quintal eleitoral e agora se vê sem respostas para as grandes parcelas da população.
Depois de criticar o PT pelos Céus de Marta Suplicy, a campanha tucana fala em Céus do Serra. Depois de criticar o bilhete único, o PSDB aderiu a ele. Criticou Haddad pelo bilhete único mensal, mas agora lançou sua própria versão do mesmo bilhete. Depois de passar a campanha pedindo que a população tivesse pena de Gilberto Kassab, nossos analistas descobrem que o continuismo não está com nada e, para não perder embalo, dizem que é uma tendência para 2014 e já ameaçam Dilma. Pelo amor de Deus: aqui a pouco, vai-se brigar pelos direitos autorais do Bolsa Família, não é mesmo?
Levantar o fantasma de um perigo difuso e ameaçador é um dos mais conhecidos truques da comunicação moderna. Revela desprezo pelo conhecimento e pela inteligência do eleitor, procurando convencer a população com argumentos inconscientes, de natureza emocional.
A postura pode ser resumida assim: quando não dá mais para falar em bolo nem em brioches, como fez Maria Antonieta diante da plebe rude, vamos para lágrimas e o sentimentalismo.
O pensamento aristocrático e conservador do século XIX, quando a aristocracia descobriu que o voto popular poderia produzir resultados desagradáveis e inesperados, foi construído assim. Pensadores como Gustave Le Bon afirmavam, literalmente, que a multidão “ou não conseguia raciocinar, ou só conseguia racionar de forma errada.”
O truque principal, nesse comportamento, era evitar referências claras e diretas. Por motivos fáceis de explicar, nunca se diz: perigo de que? Por que?
Grita-se: “eu tenho medo,” como fez Regina Duarte, em 2002. Mas pelo menos ela tinha sido a namoradinha do Brasil…
Como bem lembrou Fernando Rodrigues, a partir de 1994 o PSDB tornou-se um partido rico e poderoso.
Deixou essa condição, pela vontade livre e direta do eleitorado. Em nenhum momento o PSDB deixou de ter colunistas e articulistas de pena amiga para descrever suas virtudes perante a população, com uma generosidade jamais exibida em relação a nenhum outro adversário.
A dificuldade é que, em sua passagem pelo poder federal os tucanos não deixaram nenhuma recordação duradoura na defesa dos mais pobres e dos assalariados em geral. Foi por isso que perderam três eleições consecutivas, sem jamais exibir concorrentes competitivos.
Em 2002, quando o governo de FHC chegou ao fim, sua popularidade era negativa. A inflação passara dos dois dígitos, o desemprego havia disparado, a economia estava num abismo financeiro e é claro que, já então, culpava-se o perigo vermelho por isso.
Quanto aos métodos de governo, não sejamos ingênuos nem desmemoriados. Se você não quer usar a palavra aparelhamento, poderia falar, então, em engaiolamento tucano.
É um sistema realmente eficiente, já que, em quatro anos, promoveu:
a) mudanças nas regras eleitorais estabelecidas pela Constituição;
b) um esquema conhecido como mensalão, matriz dos demais;
c) um procurador geral da República dos tempos de FHC era conhecido como “engavetador”geral da República;
Embora goste de lembrar que o PT votou contra o Plano Real assinado por Itamar Franco, o PSDB prefere esquecer que, ao retornar ao governo de Minas Gerais, o ex-presidente rompeu com FHC e chegou a mobilizar a PM para impedir que Brasília privatizasse a usina de Furnas.
Foi para tentar derrotar Itamar, político muito popular no Estado, que o PSDB inventou o mensalão de Marcos Valério, colocando de pé um esquema que arrecadou mais de R$ 200 milhões para as agências ligadas ao esquema. Nem assim o esquema funcionou e, como acontece nas democracias, venceu o candidato que era melhor de voto.
Mesmo derrotado – a democracia tem disso, né, gente? – o PSDB empurrou a dívida do esquema com a barriga, com ajuda de verbas liberadas – olha a coincidência ! – pelo mesmo cofre do Visanet. Quando Aécio recuperou o governo de Minas, Valério voltou a ser premiado com novos recursos, informa Lucas Figueiredo, no livro O Operador. Conforme demonstrou a CPI dos Correios, dirigida por aliados do PSDB, havia farta distribuição de recursos públicos na campanha tucana.
Num lance de peculiar ousadia, foram retirados R$ 27 milhões da própria Secretaria da Fazenda do Estado.
A verdade é que o mensalão mineiro foi feito com tanta competência – ou seria melhor empregar o termo periculosidade? – que jamais foi descoberto. Até surgiram denúncias, mas eles nunca foram investigados.
Chegou-se ao mensalão mineiro por causa do braço petista de Marcos Valério. Se não fosse por ele, nem saberíamos que teria existido.
Isso é que engaiolamento, vamos concordar. Funciona mesmo depois que o PSDB deixou o poder. Enquanto o Supremo condena o mensalão petista com argumentos deduzidos e não demonstrados, os tucanos seguem no pão de queijo. Ninguém sabe, sequer, quantos serão julgados. Nem quando.
Agora vamos reconhecer: Fernando Haddad assumiu a liderança folgada nas pesquisas como um bom candidato deve fazer. Veio do zero, literalmente, e ganhou eleitores na medida em que tornou-se conhecido.
O apoio de Lula não é importante, apenas, porque lhe garante um bom patamar de votos. Essa é uma visão eleitoreira da política. Esse apoio mostra que é um candidato com origem e história e isso é importante. Dá uma referência ao eleitor.
Num país onde os sábios da década passada adoravam resmungar com frases feitas sobre a falta de partidos “legítimos”, com “história”, com “programa,”etc, é difícil negar que o PT fez sua parte. Você pode até achar uma coisa detestável. Pode dizer que o PT é um partido anacrônico, que “traiu o discurso ético” e só faz mal ao país. Mas tem de admitir que não é Haddad, como Dilma já mostrou em 2010, quem tem problemas com a própria história.
E isso, na construção de uma democracia, é um bom começo. Falta, agora, a outra parte. Caso as urnas confirmem o que dizem as pesquisas de intenção de voto, a vitória de Haddad só irá demonstrar a dificuldade da oposição em mostrar que poderia fazer um governo melhor.
O debate político é este. O resto é propaganda.
http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/2012/10/23/pavor-aristocratico-na-reta-final/
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
As primeiras sensações
Lembra do que você sentia quando tudo começou?
IVAN MARTINS
Faça o teste: as coisas que você se lembra de uma paixão antiga são aquelas que aconteceram no começo. Primeiras conversas, primeiro sexo, primeira viagem, primeira vez na casa da família. Se você for mulher, talvez se lembre de sensações, mais que de eventos: a expectativa, as surpresas, o prazer de conquistar e ser conquistada. Por alguma razão, esses momentos inaugurais ficam gravados na memória como uma espécie de trauma feliz. Eles se tornam a nossa referência, uma régua existencial contra a qual comparamos o que vem depois: maior, igual, melhor, diferente, pelo-amor-de-Deus!
Para o nosso azar, a régua continua medindo depois que nos metemos numa relação estável. Acasalados, nós temos amor, cumplicidade, transamos de forma intensa e regular. Nada, rigorosamente, nos faz falta. Mas a memória, como um farol oceânico quebrado, segue mandando flashes periódicos sobre os velhos tempos – e nós, miseravelmente, somos obrigados a admitir que aquela intensidade nos faz falta.
Gostaríamos, se isso fosse possível, de estar lá e cá ao mesmo tempo. Ter a paz profunda e protetora de agora, com as emoções aceleradas de então. Ter o gozo profundo e a segurança da intimidade conquistada, mantendo a surpresa e o arrebatamento do sexo inicial. No mundo ideal, a mulher amada e familiar, cuja presença faz nosso coração bater tranquilo, nos chamaria, no meio da noite, com uma voz estranha – e se abriria, magicamente, a possibilidade de transar com uma desconhecida.
Como o mundo ideal e a magia não existem, somos forçados a lidar com a realidade. Nela, temos de escolher, todos os dias, entre aquelas emoções iniciais e as outras, muito mais serenas, que nem sequer parecem emoções. Pense nisso: a gente se acostuma de tal forma ao conforto de uma relação estável que ela parece despida de sentimentos. O carinho e o afeto de tão presentes na rotina se tornam invisíveis. A gente só enxerga brigas, frustrações, irritações comezinhas. Qual o valor daquele abraço no meio da noite, que parece reparar alguma coisa que estivera quebrada ao longo do dia? Qual a importância daquele olhar de despedida matinal, que parece conter, simultaneamente, tantas mensagens de reafirmação? Quando a gente perde essas coisas, quando briga e fica sozinho, a importância da rede invisível se revela de forma instantânea. A alma nos cai aos pés, como dizem os espanhóis. Daí a dor inexplicável de quem achava que nada tinha a perder...
Não é bom subestimar o poder de sedução das primeiras emoções. Para muitos, - sobretudo aqueles com grande capacidade de seduzir -, as sensações iniciais são uma espécie de vício. Como uma droga, mesmo. A pessoa precisa da trepidação para sentir-se viva. Tem necessidade do estado de exaltação amoroso para estar bem. O resto, o que vem depois, o momento em que o rio se espraia, manso, depois da corredeira – isso não tem graça. Então é preciso estar sempre correndo atrás da novidade, da primeira vez, da empolgação e da descoberta. É um jeito de viver – acreditando que a próxima relação, essa sim, trará a paz que se andou buscando a vida inteira.
No livro Como pensar mais sobre sexo, que eu li outro dia e adorei, o filósofo Alain de Botton diz que a gente rotineiramente deseja coisas demais, contraditórias entre si. Depois de tentar sem muito sucesso sugerir fórmulas para superar a fadiga emocional dos namoros e casamentos prolongados, ele acaba concluindo que, no fundo, todos nós temos de fazer escolhas difíceis. Ou bem se vive como um adolescente cheio de tesão enquanto der, ou bem se abre mão de um punhado de coisas e tenta se construir relações duradouras e família, enquanto der. Sim, porque a vida e a biologia não vão parar, esperando que a gente se decida. O tempo avança e atropela as nossas hesitações.
Da minha parte, eu tento fazer força para não tomar como um fato da vida aquilo que eu tenho todos os dias. Tento lembrar que aquela criatura ali ao lado poderia estar em outro lugar, com outra pessoa, em vez de estar aqui, me mimando com o seu carinho e a sua zelosa atenção. Pensar essas coisas dá alguma insegurança, mas ela é boa. Ela ajuda a lembrar da importância do que a gente tem. Obriga a agir com mais atenção, com mais paciência, com mais delicadeza até no trato com a parceira. Com sorte, esse estado de alerta ajuda a fazer coisas que surpreendam e encantem. Propicia gestos que alimentem a paixão. Não como no começo, não exatamente como no tempo em que o amor era novo, mas o suficiente para lembrar que ele existe. Aqui e agora, não apenas no passado.
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
Mineiros são campeões em migração no Brasil
Os mineiros podem ser considerados o povo recordista em migração no País. De acordo com o estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Censo Demográfico 2010- Nupcialidade, Fecundidade e Migração, divulgado nesta quarta-feira (17), os nascidos em Minas Gerais figuram no topo da lista de nômades, com 3,6 milhões das pessoas morando em outros Estados, número que representa aproximadamente 13% de sua população total. Os baianos aparecem em segundo lugar quando o assunto é deixar a terra natal, seguidos pelos paulistas e paranaenses. São Paulo se destaca como um dos destinos mais escolhidos pelos mineiros: a cidade já abriga 1,6 milhão deles.
Acostumado às idas e vindas dos últimos 15 anos, o administrador de obras Mauro Serpa guarda na bagagem a experiência de quem já viveu em quatro Estados: Amazonas, Rondônia, Espírito Santo e Maranhão. A profissão fez com que ele passasse pelos quatro cantos do País: Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco e Bahia são só alguns exemplos. Há quatro meses, ele retornou a Minas Gerais, para trabalhar em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. No entanto, já pensa em colocar o pé na estrada novamente. Ele reclama que os empresários da terra natal "só visam o lucro" e que falta valorização profissional.
— Minas Gerais precisa se modernizar e dar mais qualidade de vida aos trabalhadores, valorizar os empregados. O salário que eu ganho fora daqui é quase o triplo do que estou recebendo atualmente. Está muito abaixo do resto do Brasil.
A falta de oportunidade para a carreira também levou a publicitária Anna Flávia Horta a trocar Juiz de Fora, na Zona da Mata, há cerca de dois anos, pela capital paulista. Anna afirma que "não via possibilidade de começar" na cidade natal. Recém-formada, ela deixou tudo pra trás quando conseguiu um emprego na cidade do namorado.
— Sempre falei que sairia de lá, mas nunca considerei que fosse acontecer porque não via como. Depois que comecei a namorar e vi que teria um suporte, consegui levar adiante. Não penso em voltar para Minas, a não ser que tivesse a oportunidade da minha vida. Outro ponto que me motiva a ficar em São Paulo é que a cidade é culturalmente muito rica.
O engenheiro biomédico André Dias, nascido em Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas, reforça o argumento de que faltam avanços no mercado de trabalho do Estado. Há sete anos, ele deixou a cidade para fazer faculdade, e, desde então, não voltou mais. Ele afirma que "não há espaço" na área em que atua e, por isso, já passou por São Paulo e agora vive em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
-—Embora seja horrível ficar longe de casa, não tem nada na minha área no Estado. Sinto falta da família, dos amigos, da comida, mas para a minha carreira, não tinha jeito.
http://noticias.r7.com/minas-gerais/noticias/mineiros-sao-campeoes-em-migracao-no-brasil-20121017.html
Acostumado às idas e vindas dos últimos 15 anos, o administrador de obras Mauro Serpa guarda na bagagem a experiência de quem já viveu em quatro Estados: Amazonas, Rondônia, Espírito Santo e Maranhão. A profissão fez com que ele passasse pelos quatro cantos do País: Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco e Bahia são só alguns exemplos. Há quatro meses, ele retornou a Minas Gerais, para trabalhar em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. No entanto, já pensa em colocar o pé na estrada novamente. Ele reclama que os empresários da terra natal "só visam o lucro" e que falta valorização profissional.
— Minas Gerais precisa se modernizar e dar mais qualidade de vida aos trabalhadores, valorizar os empregados. O salário que eu ganho fora daqui é quase o triplo do que estou recebendo atualmente. Está muito abaixo do resto do Brasil.
A falta de oportunidade para a carreira também levou a publicitária Anna Flávia Horta a trocar Juiz de Fora, na Zona da Mata, há cerca de dois anos, pela capital paulista. Anna afirma que "não via possibilidade de começar" na cidade natal. Recém-formada, ela deixou tudo pra trás quando conseguiu um emprego na cidade do namorado.
— Sempre falei que sairia de lá, mas nunca considerei que fosse acontecer porque não via como. Depois que comecei a namorar e vi que teria um suporte, consegui levar adiante. Não penso em voltar para Minas, a não ser que tivesse a oportunidade da minha vida. Outro ponto que me motiva a ficar em São Paulo é que a cidade é culturalmente muito rica.
O engenheiro biomédico André Dias, nascido em Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas, reforça o argumento de que faltam avanços no mercado de trabalho do Estado. Há sete anos, ele deixou a cidade para fazer faculdade, e, desde então, não voltou mais. Ele afirma que "não há espaço" na área em que atua e, por isso, já passou por São Paulo e agora vive em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
-—Embora seja horrível ficar longe de casa, não tem nada na minha área no Estado. Sinto falta da família, dos amigos, da comida, mas para a minha carreira, não tinha jeito.
http://noticias.r7.com/minas-gerais/noticias/mineiros-sao-campeoes-em-migracao-no-brasil-20121017.html
terça-feira, 16 de outubro de 2012
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
Pique-nique na serra
Até que acordar cedo no domingo valeu a pena! Pique-nique na serra, conversas jogadas fora, Caca aprontando todas e "pescaria de girinos"
domingo, 14 de outubro de 2012
A criança que você era teria orgulho do que você é?
11/10/2012 | 11:31 | MARTHA MENDONÇA | FAMÍLIA |
Acordei ontem e, como é de costume, dei uma olhada no Twitter, que, como dizem por aí, é minha fonte primária de informação. Entre notícias internacionais e ecos dos tuiteiros da madrugada, uma pergunta retuitada por um amigo me chamou a atenção:
A criança que você era teria orgulho do que você é hoje?
Não sei se foi o sono extremo – acordo antes das seis -, os balanços que tenho feito ultimamente ou simplesmente a força da pergunta, mas me peguei o dia todo pensando nisso.
A gente vai vivendo, vivendo, boa parte da vida numa correria danada, que mal dá tempo pra pensar na nossa linha do tempo. Essas conexões entre passado e presente ficam meio sem liga, soltas no ar. Parece que fomos vários. Mas a verdade é que fomos – somos – um só.
O fato é que não consigo lembrar bem o que a criança que eu fui pensava que seria no futuro. Acho que normalmente as pessoas almejam o básico: um lindo amor, uma casa bacana, uma profissão que nos faça feliz, amigos em volta. Se era isso que eu pensava, acho a criança que eu fui se orgulharia de mim hoje.
Saindo do básico, porém, será que a criança que eu fui talvez não pensasse em algo mais? Um incrível feito, um ato heroico, uma atitude que mudasse o mundo? Crianças são assim. Eu fui assim: na minha mente moravam muitos personagens, gente que dialogava comigo dia e noite, com quem eu compartilhava acontecimentos mágicos ou simplesmente corriqueiros. Tenho a impressão de que aquela menina jamais se imaginaria, no futuro, numa existência banal, por melhor que fosse.
Então era isso que eu pensava, o dia todo, enquanto procurava, na minha história, aquilo de que a menina se orgulhasse. Confesso que eu estava quase desistindo. Ter mergulhado com tubarões no Taiti ou voado de ultraleve sobre as dunas de Natal não se pareciam nada com o que eu creio que ela, a criança, tivesse em mente.
Mas, de repente, uma luz se acendeu. E eu descobri aquilo que faz a menina que eu fui se orgulhar de quem eu sou.
Lá no fundo (e muitas vezes nem tanto), eu nunca deixei de ser criança.
Não sei se foi o sono extremo – acordo antes das seis -, os balanços que tenho feito ultimamente ou simplesmente a força da pergunta, mas me peguei o dia todo pensando nisso.
A gente vai vivendo, vivendo, boa parte da vida numa correria danada, que mal dá tempo pra pensar na nossa linha do tempo. Essas conexões entre passado e presente ficam meio sem liga, soltas no ar. Parece que fomos vários. Mas a verdade é que fomos – somos – um só.
O fato é que não consigo lembrar bem o que a criança que eu fui pensava que seria no futuro. Acho que normalmente as pessoas almejam o básico: um lindo amor, uma casa bacana, uma profissão que nos faça feliz, amigos em volta. Se era isso que eu pensava, acho a criança que eu fui se orgulharia de mim hoje.
Saindo do básico, porém, será que a criança que eu fui talvez não pensasse em algo mais? Um incrível feito, um ato heroico, uma atitude que mudasse o mundo? Crianças são assim. Eu fui assim: na minha mente moravam muitos personagens, gente que dialogava comigo dia e noite, com quem eu compartilhava acontecimentos mágicos ou simplesmente corriqueiros. Tenho a impressão de que aquela menina jamais se imaginaria, no futuro, numa existência banal, por melhor que fosse.
Então era isso que eu pensava, o dia todo, enquanto procurava, na minha história, aquilo de que a menina se orgulhasse. Confesso que eu estava quase desistindo. Ter mergulhado com tubarões no Taiti ou voado de ultraleve sobre as dunas de Natal não se pareciam nada com o que eu creio que ela, a criança, tivesse em mente.
Mas, de repente, uma luz se acendeu. E eu descobri aquilo que faz a menina que eu fui se orgulhar de quem eu sou.
Lá no fundo (e muitas vezes nem tanto), eu nunca deixei de ser criança.
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
A vida com juros baixos
É hora de sair da poupança? De pegar dinheiro emprestado? De comprar aquele apartamento? Ou de torrar as economias? Um guia para se dar bem no novo país do juro baixo
JOSÉ FUCS, DANIELLA CORNACHIONE E NATHALIA PRATES
Até pouco tempo atrás, se alguém falasse que o Brasil estava prestes a se tornar um país com juros civilizados, seria motivo de chacota. Dezoito anos após a implantação do Plano Real, que trouxe a estabilidade econômica, o Brasil parecia destinado a ser o eterno campeão mundial dos juros altos, um título jamais ameaçado por nenhum país nas últimas décadas – exceto, talvez, o Zimbábue, cuja inflação chegou a 231.000.000% em 2008. Mesmo com a inflação atual na faixa de 5,2% ao ano, o Brasil tem de conviver com taxas que passam de 400% em alguns cartões de crédito.
Agora, surgem sinais de que os juros também podem alcançar um patamar de Primeiro Mundo – ou, ao menos, semelhante ao de outros grandes países emergentes, como China, Índia e Rússia. Isso deverá trazer uma transformação profunda na vida dos indivíduos e das empresas. “É um ponto de inflexão na história brasileira”, diz o consultor e palestrante Stephen Kanitz. “Vai provocar uma tremenda mudança cultural no país.”
saiba mais
A queda dos juros é fruto de uma conjunção de fatores. O maior deles é a própria estabilidade. Sem ela, ainda estaríamos correndo para o supermercado no dia do pagamento do salário para comprar antes da remarcação dos preços. A atual crise global também deu sua contribuição para a virada. Com a desaceleração econômica, o Banco Central pôde promover seguidos cortes na taxa básica de juros, a Selic, usada como referência pelos bancos, sem risco de incentivar um aumento no consumo e alimentar reajustes de preços com impacto na inflação.
Hoje, a taxa básica está em 9% ao ano e, de acordo com a expectativa dos analistas, deverá baixar a 8,5% no final de maio, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o menor nível da história. Descontada a inflação, isso representará uma taxa real de 3,1% ao ano.
Se o corte alcançar 0,75 ponto, como apostam alguns, a taxa real cairia para 2,9% ao ano. E, considerando uma taxa Selic de 8% ao ano para 2012, como aponta o mercado futuro, e uma inflação projetada de 5,6% para os próximos 12 meses, como preveem os analistas, a taxa real cairia para 2,3% ao ano – muito perto dos 2% prometidos pela presidente Dilma Rousseff na campanha eleitoral de 2010. Há quem veja uma taxa básica na faixa de 6% ao ano no horizonte, como o banqueiro Luiz Cesar Fernandes, fundador do banco Pactual (hoje BTG Pactual) e presidente da Laep, a holding que controla a Parmalat e a Daslu.
Dilma iniciou uma controversa cruzada contra os juros altos cobrados pelos bancos e determinou ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal que reduzissem o custo do crédito. A iniciativa gerou um mal-estar com a Febraban, entidade que reúne os banqueiros do país, contornado com diplomacia depois de muito bate-boca pelos jornais. É certo que não se derrubam os juros no grito. É preciso mais que isso para chegar lá, como diminuir a tributação das instituições financeiras e os depósitos compulsórios recolhidos ao Banco Central sem nenhuma remuneração. Os resultados, porém, começaram a aparecer.
O último golpe foi mexer no rendimento da poupança. Pelas regras anteriores, seu rendimento espelhava a variação da Taxa Referencial (TR) mais 0,5% ao mês. Isso funcionava como um freio para uma queda maior da taxa de juro. Agora, os novos depósitos da poupança deixarão de ter ganho fixo sempre que a taxa for igual ou inferior a 8,5%. Nesse caso, eles serão corrigidos em 70% da variação da Selic no período de aplicação. Isso pode acontecer ainda neste mês, se as previsões se confirmarem.
As taxas do cheque especial, dos cartões de crédito e dos empréstimos já sofreram uma boa queda em quase todo o sistema financeiro. Ainda há espaço para novas reduções. Vários bancos privados não mexeram nos juros do crédito e talvez ainda levem algum tempo para fazê-lo. Mas ninguém duvida de que o Brasil está deixando para trás os tempos dos juros nas alturas.
A queda nas taxas está provocando mudanças em todos os investimentos. Aplicações que garantiam ganhos de 10% ou 12% ao ano recentemente sem correr praticamente nenhum risco agora estão perdendo fôlego. Quem quiser ganhar um pouco mais terá de se arriscar na Bolsa ou mesmo no mundo dos negócios.
Assustados com o novo cenário e a perspectiva de novos cortes, muitos investidores estão promovendo ajustes em seus portfólios de forma intempestiva, sem se dar conta das consequências de seus movimentos. “As pessoas terão de se aperfeiçoar em termos de educação financeira”, diz Osvaldo do Nascimento, diretor executivo de investimentos e de previdência do Itaú Unibanco. Mas não há razão para atropelos. “A adaptação tem de ser gradual, para que as pessoas não cometam equívocos.”
Com uma boa orientação, é possível tirar o melhor dessa nova era. “A queda dos juros deve abrir inúmeras possibilidades para a economia e para cada brasileiro”, afirma Joaquim Levy, presidente da Bram, empresa de gestão de recursos do Bradesco, e ex-secretário do Tesouro Nacional. Para ajudar a administrar seu patrimônio, ÉPOCA preparou um guia com tudo o que você precisa saber, das melhores opções de investimento à renegociação de dívidas.
Banco Central reduz a taxa básica de juros para 7,25%
A Selic sofreu novo corte nesta quarta-feira e chegou ao menor patamar da história
REDAÇÃO ÉPOCA COM AGÊNCIA BRASIL
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) surpreendeu o mercado financeiro e diminuiu mais uma vez a taxa básica de juros (Selic) em 0,25 ponto percentual, chegando a 7,25%. Foi a décima reunião consecutiva em que o colegiado de diretores do BC optou pelo afrouxamento da política monetária, de modo a incentivar o crescimento da atividade econômica.
De agosto do ano passado, quando a taxa estava em 12,5% ao ano, a Selic perdeu 5,25 pontos percentuais até chegar aos atuais 7,25% - uma queda equivalente a 42% – e renovou pela, terceira vez, o patamar de juro básico mais baixo da história do Copom, criado em junho de 1996. A taxa entra em vigor nesta quinta-feira (11), com validade até a próxima reunião do Copom, em 28 de novembro.
Estímulo ao crescimento industrial
A notícia foi recebida com otimismo por representantes da indústria brasileira. Em comunicado, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) diz que a retomada da atividade industrial de forma sustentada depende de uma política firme de elevação da competitividade das empresas, na qual a redução na taxa de juros é um fator fundamental. Segundo a entidade, cortes na Selic são decisivos não só para o resultado do PIB em 2012, mas também para garantir o retorno do investimento privado no país.
O presidente da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp e Ciesp), Paulo Skaf, afirmou que o Banco Central acerta ao manter o processo de redução da Selic, em um cenário de economia mundial fraca, com baixo crescimento e incertezas. “Não é hora de mudar os sinais da política econômica, sob pena de abortar o processo de retomada e, em 2013, o país crescer menos que o mundo e que a América Latina, como ocorreu em 2011 e ocorre novamente em 2012”, disse em nota.
terça-feira, 9 de outubro de 2012
Will Brazil remain the country of the future?
THE question of whether the Mexican economy might one day regain the top spot in the Latin American league tables has once again become an interesting one. In 2010, many thought it had been settled. The Brazilian economy, more than double the size of Mexico’s, grew at a 7.5% annual rate while Mexico puttered forward at close to 2%. What a difference two years makes. While the Brazilian economy is shambling along at an annualised rate of 1.9% so far in 2012, the Mexican economy is set to grow at 3.9%. If this trend continues, some reckon the Mexican economy will overtake Brazil’s as soon as 2022.
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
As 10 cervejas mais populares do mundo
A revista britânica, Drinks Business fez um levantamento das marcas de ceverjas mais consumidas no mundo. A chinesa Snowencabeça a lista com 50,8 milhões de barris (cerca de 8,3 bilhões de litros) vendidos em 2011. Confira as dez mais populares do mundo:
- Snow: 50,8 milhões de barris
- Bud Light: 45,4 milhões
- Budweiser: 38,7 milhões
- Corona Extra: 30,4 milhões
- Skol: 29,5 milhões
- Heineken: 26 milhões
- Coors Light: 18,2 milhões
- Miller Light: 18 milhões
- Brahma: 17,4 milhões
- Asahi Super Dry: 12,3 milhões
Um embrulho de papel brilhante
Breve itinerário amoroso de uma filha que não sabe como cuidar dos pais
ELIANE BRUM
A espio chegando, com seus pés tortos por um milhão de problemas, uma bolsa pesada na mão e uma mala de rodinhas. É minha mãe e acabou de descer do ônibus com meu pai. Vejo que ela me procura com olhos ansiosos na rodoviária de Porto Alegre, já pronta pra reclamar que estou atrasada. Eu poderia me apressar. Em vez disso, estaciono minhas botas atrás de uma das colunas. Tento fixar esse momento. Naquele instante eu sei que aquela cena é irrepetível, e de súbito essa revelação me engolfa. Faz alguns anos, já, que a percepção da passagem do tempo se faz nítida em mim. Sinto-me como se estivesse no fundo de uma piscina, ouvindo à distância o burburinho surdo dos outros. Respiro e estou de novo na superfície. Guardo a cena inteira numa dobra do meu corpo, desprego-me da coluna e surjo sorridente diante deles.
Estamos todos ali, na cidade em que já não vivo há muito, para uma consulta com o médico da capital. Naquele dia, eu apalpo essa nova geografia na qual ainda preciso descobrir se sou montanha, rio, um lago. Talvez apenas uma árvore não muito grande, não muito forte. Quando a hora de cuidar dos pais nos alcança, os filhos que se importam encontram-se não apenas em território desconhecido, mas acabam por encontrar um território desconhecido dentro de si.
Quero protegê-los, mas não sei como. Devo chamar um táxi ou esperar pelo meu pai, como sempre foi? Devo tomar a iniciativa e fazer eu as perguntas para o médico ou devo permanecer como coadjuvante? Devo andar no lado externo da calçada ou devo respeitar o lugar do meu pai, que como todo homem de sua geração sempre se manteve como um escudo entre a rua e as mulheres, na intrincada arte do footing? Ele esclarece: “Vá para o meio, para conversar com a tua mãe”. Não vá para o meio porque sou eu que protejo vocês. Eu compreendo a enormidade dessa cena banal. Mas nada digo. Apenas deslizo para dentro.
Mais tarde, depois da consulta, levo-os para jantar num shopping em frente ao centro médico. Vou de balcão em balcão da praça de alimentação em busca de algo que meu pai possa comer. Ele agora tem muitas alergias. “Você não pode só fazer um pão com queijo mozzarella?”, eu pergunto. Logo, estarei quase implorando. Mas parece que ninguém pode fazer pão com queijo. As franquias são todas formatadas, as atendentes me olham como se eu estivesse pedindo olhos de macaco com pão de urtiga australiana. Será que eu não compreendo que não é possível sair do padrão? Comer no shopping ganha contornos de um sonho persecutório. Sinto-me incapaz de levar comida para o meu pai.
Naquele momento, não apenas confronto a fragilidade recém-descoberta deles, mas também a minha. Ao despedir-me de meus pais, temo que algo possa acontecer porque não estarei ali para protegê-los, mas internamente duvido que possa de fato protegê-los. Imagino catástrofes, há um torniquete ao redor do meu coração quando pego o avião de volta. Sei bem agora que posso no máximo cuidar deles, como eles cuidaram de mim – e, de um modo muito particular, ainda cuidam. Ninguém pode proteger ninguém, essa é só mais uma ilusão. E, mesmo quando acreditamos compreender a vida, somos empurrados para um novo vazio e restamos às tontas.
Antes de eu pegar o avião, eles o ônibus, minha mãe me empurra um pacotinho em papel de presente brilhante. Eu sei o que é. Minha mãe sempre me dá um pijama. Não só para mim, para todos. É um carinho e um desejo, o de nos ver na cama, aquecidos, a salvo, como num tempo em que, todos sabemos, nunca existiu. O pijama já vem lavado, devidamente desinfetado de todos os germes da loja e das mãos que o cobiçaram antes dela. O pijama vem lavado dos males do mundo, minha mãe confiante no poder redentor dos produtos modernos de limpeza. Não posso nem quero imaginar uma vida sem pacotes de papel brilhante com um pijama cheirando a amaciante dentro.
Na semana seguinte voltamos a nos encontrar, agora para a cirurgia do meu pai. Minha mãe de novo está com sua bolsa pesada, uma mala de rodinhas e seus pés claudicantes. É um mistério como ela consegue andar tão rápido e ir a todos os lugares com aqueles pés. Mas ela sempre está uma curva adiante de nós, em vários sentidos. Qualquer um levaria o básico ao preparar a mala para uma viagem de saúde. Pijama, roupas de baixo, talvez um roupão, escova de dentes, essas coisas. Minha mãe, eu tinha certeza, carregava também uma caixa de docinhos. Docinhos mesmo, estes de aniversário de criança. Glaceados, caramelizados, trufados, bombas de glicose concentrada.
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Minha mãe jamais viaja sem uma caixa de docinhos. Já carregou caixas de docinhos no colo por mais de mil quilômetros. Se há alguma criança nos arredores, os docinhos surgem no formato de bichos, carros, gurias de tranças. Por quê?, pergunto com a boca cheia de leite condensado. “Os doces de Ijuí são diferentes”, ela diz, com o tom das verdades absolutas. Minha mãe sempre demonstrou afeto com comida. Desisti de levar o feijão dela congelado, de Ijuí para São Paulo, quando o líquido viscoso, impregnado de linguiça caseira, escorreu pelo compartimento das bagagens de mão do avião e pingou a milímetros da cabeça do passageiro ao meu lado. Foi uma decisão difícil de comunicar a ela.
A caixa de docinhos era ali uma garantia de que algo permanecia imutável numa vida cujo controle nos escapava. Algo doce. Era a segunda vez que nos preparávamos para a cirurgia. Na primeira, o plano de saúde avisara que não cobriria o “procedimento” na hora da internação, com o respeito habitual. Desta vez, a pressão de meu pai subia porque o esqueceram na emergência do hospital. De novo eu tentava protegê-lo. E de novo fracassava.
No dia seguinte, minha mãe me sussurraria na sala de espera. Meu pai estava desacordado em algum lugar do bloco cirúrgico. E eu tentava não imaginar o corpo aberto do meu pai. Ela sussurra, então: “Nós nos despedimos, sabe. Ele disse que a vida comigo foi muito mais do que ele sonhou e que ele foi muito feliz”. Eu queria dizer que ainda seriam felizes, mas não encontrei voz. Eu sabia que eles temiam essa cirurgia com um medo novo. E que mesmo depois dela o medo talvez não fosse embora. Quase 60 anos de casamento, e o amor dos meus pais é escandalosamente vivo. Vivo a ponto de sobreviver a despedidas desse tipo.
Algumas horas mais tarde, quando tudo já havia acabado, estremecemos ao ouvir o celular: “Ele está pedindo os óculos na UTI. Diz que precisa enxergar”. Minha mãe guardava naquela bolsa pesada dela os olhos e os dentes do meu pai. Será que é por isso que está tão pesada?, pensei. À noite, eu teria pesadelos com os dentes do meu pai na bolsa da minha mãe. Meu pai sempre pareceu usar os dentes com parcimônia, mas era apenas aparência. É verdade que ele mastiga cada bocado de comida quase tantas vezes e com tanta paciência quanto um macrobiótico, mas a vida, não. Na vida ele finca os dentes. E, desconfio eu, também em algumas partes da minha mãe, mas isso eu prefiro não investigar.
Minha mãe devolveu primeiro os olhos do meu pai, depois os dentes. No dia seguinte ele reclamaria que ela levou tempo demais para devolver os dentes dele. E ainda depois descobriríamos que a chave do cadeado da mala dele havia se perdido, junto com todas as chaves que abrem portas na vida deles. “Eu não sei quem perdeu as chaves, se fui eu ou ele”, balbuciou minha mãe, subitamente sem saber para onde levar seus pés. “Era um molho enorme de chaves.” Eu sabia que eram muitas e sabia que seriam encontradas. Em algum momento, nós sempre precisamos voltar a encontrar as chaves.
Minha mãe devolveu primeiro os olhos do meu pai, depois os dentes. No dia seguinte ele reclamaria que ela levou tempo demais para devolver os dentes dele. E ainda depois descobriríamos que a chave do cadeado da mala dele havia se perdido, junto com todas as chaves que abrem portas na vida deles. “Eu não sei quem perdeu as chaves, se fui eu ou ele”, balbuciou minha mãe, subitamente sem saber para onde levar seus pés. “Era um molho enorme de chaves.” Eu sabia que eram muitas e sabia que seriam encontradas. Em algum momento, nós sempre precisamos voltar a encontrar as chaves.
Dias mais tarde, meus pais estão deitados na cama do hotel. Devagar, meu pai começa a se recuperar. Ele está lendo uma biografia de Getúlio Vargas. Minha mãe lê 50 tons de cinza. Ela reclama que é tão mal escrito quanto uma daquelas novelas românticas de banca de revista, mas não cogita abandonar a leitura. Quando ela se distrai por um instante, meu pai rouba o livro dela para dar uma assuntada. Não sei se encontra o que procura, porque logo depois volta para Vargas. Eu sinto que poderia passar a vida lendo os dois.
Sei que empreendi um caminho de volta para casa, mas essa viagem é apenas interna. Quando um filho parte, nunca há volta. Não deve mesmo haver volta. Há apenas esse tempo roubado, no qual eu posso abraçá-los e fingir que ainda sei o meu lugar. Ou que algum dia soube.
Antes da despedida, minha mãe se aproxima com seus pés impossíveis. Me alcança um pacote embrulhado em papel brilhante. Eu sei o que é. Sei também que, por enquanto, estamos todos bem.
Eliane Brum escreve às segundas-feiras.
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