quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Em que momento nós deixamos de gostar do que é simples?

Ruth Manus
22 Janeiro 2017 | 02h00

Há algumas semanas, tirei uma tarde de quinta-feira para passear com a minha enteada, que estava em férias. Cheguei em casa e perguntei o que ela queria fazer. Imaginei alguns pedidos: cinema, zoológico, algum parque de diversões. E ela disse: podemos andar de ônibus? Eu disse que sim e perguntei para onde. Ela não entendeu a pergunta, uma vez que para ela o programa divertido era andar de ônibus, simplesmente. Foi o que fizemos.
Isso me lembrou um sábado há quase dez anos, no qual levei minha sobrinha mais velha a uma sorveteria lindíssima, que tinha sido aberta no bairro. Havia uma linda varanda, mesas coloridas, trocentos sabores para escolher. Entrei na fila, fiquei um pouco horrorizada com os preços, mas perguntei a ela o que iria querer. Ela respondeu sem pestanejar “picolé de uva”. Eu expliquei que ali não havia picolé de uva, mas, sim, outras coisas bem mais gostosas. O ar de decepção dela fez com que eu não pensasse duas vezes para atravessar a rua a caminho da padaria, terminado nossa tarde tomando sorvete de palito.
Na mesma linha, veio a minha sobrinha caçula de um ano e meio que, em meio a seus tantos brinquedos coloridos e sonoros - que estão muito longe de custar pouco -, elegeu como seu favorito um frasco de plástico vagabundo dentro do qual há alguns grãos de feijão. Na concepção dela, nada pode ser mais interessante do que aquilo, nem Fisher-Price, nem Chicco, nem nada.
Depois foi o meu afilhado de 8 anos, que disse que ainda não sabe se, quando crescer, vai ser “aquelas pessoas que cuidam de tartarugas marinhas antes de elas voltarem pro mar” ou lixeiro, para poder andar pendurado no caminhão à noite. O que eu deveria dizer para ele? Que ser advogado como eu seria bem mais divertido?
Comecei a me perguntar em que momento da vida nós deixamos de ter tanto apreço pela simplicidade. Não me parece que tenha somente a ver com a necessidade de ganhar dinheiro, com as novas experiências ou com o paladar apurado. Parece-me que tem muito mais a ver com a preocupação que passamos a ter com os olhares alheios e com os hábitos que nos são “impostos” por aqueles com quem convivemos.
O carro, o restaurante, o vinho, a bolsa. Quanto disso nós escolhemos genuinamente, por puro e simples gosto ou prazer? Não sei, sinceramente. Será que o que nos incentiva (ou nos amarra, ou nos obriga) não é a importância que passamos a dar para a opinião daqueles que nos cercam? O famoso “mas o que vão pensar de mim?”, que nós temos de forma tão intensa e as crianças simplesmente não têm.
Num dado momento, já não sabemos, dentre as coisas que temos e a rotina que vivemos, o que está ali porque nos agrada e o que está ali porque, supostamente, faz bem para a nossa imagem. Outro dia, alguém me disse “você ainda vai aprender a gostar de ostras”. Eu não quero aprender a gostar de ostras. Por que eu deveria aprender a gostar de ostras? Minha cota não pode ser em cachorro quente? Ou em coxa de frango? Será que não pega bem?
Talvez, nós possamos investir num exercício diário de resgate da simplicidade. Isso é muito útil para a vida - sobretudo em cenário de crise. Redescobrir nossos prazeres sem custo, exercitar nossa capacidade de não ligar para o que os outros pensam, bem como de não julgar as decisões da vida alheia.
Sair a pé, deixar o carro na garagem - ou até se desfazer dele -, tomar cerveja no balcão da padaria, encontrar um amigo sem precisar de um belo jantar à frente de ambos, comprar roupa sem marca, sentar na grama, comer milho na espiga. A vida deveria ser mais simples do que é. Há quem consiga concretizar esta proeza. E nós, adultos, estamos sempre a tentar mostrar-lhes o que há de bom no mundo. Mas são esses pequenos que sabem viver muito melhor do que nós. Só nós que não percebemos.

http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,em-que-momento-nos-deixamos-de-gostar-do-que-e-simples,70001636285?success=true 

Na pista

IVAN MARTINS
25/01/2017 - 08h34 - Atualizado 25/01/2017 13h10

A melhor maneira de ficar sozinho é ficar em casa. No aconchego do lar tem sofá, internet, Netflix, livros, ventilador e geladeira. No meu caso, ainda tem as gatas, que se acomodam ronronando nas minhas pernas. Mas, apesar desses confortos, quem está em casa ainda está sozinho – e vai continuar assim, indefinidamente, se não vestir uma roupinha e colocar os pés na rua.
Não acho – veja bem – que as pessoas têm obrigação de cair na balada. Cada um conhece o seu momento e o seu temperamento. Há horas em que tudo de que a gente precisa é silêncio e isolamento. Mas eu sei, por experiência própria, e por observar os outros à minha volta, que, em outras horas, convívio e companhia são essenciais.
Quando a gente sente que a solidão está nos sufocando, é hora de sair das redes sociais, desligar os aplicativos de relacionamento e experimentar, diretamente, aquilo que faz das grandes cidades o melhor lugar do mundo para viver: a possibilidade de encontros inesperados.
Se a gente entra na pista, em sentido literal ou figurado, tudo pode acontecer.
A densidade humana é tão grande, e a diversidade tão imensa, que é fácil esbarrar numa alma alegre ou rabugenta que combine com a nossa. O que acontecerá a partir disso ninguém sabe. Mas, se você não sair andando pela cidade, e não entrar no restaurante atrás da música – como faz Mia, em La La Land –, pode nunca achar o cara da sua vida.
Tudo bem, acho que exagerei no romantismo.
O sujeito que mudará sua vida não deve aparecer numa roda de samba, enquanto você gira e canta de olhos fechados, embalada pela música. Nem é provável que ele surja mais tarde, quando você, horas depois, ainda estiver pulando feliz diante do DJ, na balada que avança pela madrugada. A chance de encontrar um grande amor em qualquer um desses lugares é remota. Mas, por ínfima que seja, é maior, muito maior, do que no sofá de casa, atualizando o Facebook a cada cinco minutos.
Em casa, a gente sabe com certeza que não vai acontecer nada.
Mesmo que você ache ridícula a ideia de encontrar uma alma gêmea na festa do Santo Forte – ou no aniversário das psicólogas capricornianas de 1990 –, não deveria descartar a possibilidade de um esbarrão erótico. Sabe aquela coisa de olhar, dançar, dar uns beijos e voltar para casa sozinha, sorrindo? Isso acontece na festa, no samba e na balada, assim como nos blocos de Carnaval. Adolescentes acham o máximo. Adultos em geral preferem chegar à Fase 2. Mas, se ela nunca vier, está tudo bem: beijos na boca são gostosos e, definitivamente, nos animam. Enchem de ternura e eletricidade uma noite de chuva.
Sei que, para alguns, esta conversa de sair e dar uns beijos reforça uma ideia frívola sobre relacionamentos humanos. Ela parece reduzir a afetividade a uma troca anônima e banal de fluidos. Mas eu juro que não é isso. O que estou dizendo é que ajustar expectativas pode ajudar a ser feliz.
Sair de casa, ir a uma festa e ver caras novas talvez seja melhor do que ficar em casa pela enésima noite seguida. Dançar até se acabar e dar uns beijos talvez seja mais gostoso do que ficar sozinha. O príncipe encantado não vai passar pela porta da balada com uma lata de energético na mão e um coque samurai no topo da cabeça. Mas o cara de sorriso bonito, aquele olhando para você com ar inseguro, pode ser tudo de que você precisa agora, não para o resto da vida.
Como eu disse, é só um ajuste de expectativa, não uma renúncia às grandes ambições emocionais.
Como eu sou incurável romântico, gosto de pensar que dos encontros casuais também pode sair algo que não seja efêmero. Namoros já começaram com gente se beijando loucamente, perguntando o nome só na hora de ir embora, para trocar telefones. Casamentos podem ser rastreados ao momento em que uma garota foi dançar grudada ao cara que ela achou bonito, aproveitando o rolo compressor da multidão.
Essas coisas não acontecem toda hora, mas, de vez em quando, acontecem. Acredite. Você beija num dia, conversa sem parar no outro e, depois de uma semana, ou de um mês, está perdidamente apaixonada. Quem diz que não é possível? Eu digo que é – e tudo começa com decisão de botar uma roupinha bonita, abrir um sorriso e sair de casa, hoje.

http://epoca.globo.com/sociedade/ivan-martins/noticia/2017/01/na-pista.html 

"Semana que vem"

IVAN MARTINS
08/02/2017 - 09h08 - Atualizado 08/02/2017 09h08

Em São Paulo, a expressão “semana que vem” virou o novo jeito de dizer “uma hora dessas”. Na forma de resposta a um convite, as duas significam a mesma coisa: “nunca”.
Funciona assim: você convida a pessoa para fazer algo em sua companhia e ela responde, na maior simpatia, “Vamos na semana que vem. Nesta não dá”. Se você, ingenuamente, voltar a procurá-la na semana seguinte, vai deparar com outra sequência de dias ocupados, e com a proposta, claro, de que o chope, o almoço, o café ou o cinema fique para a ... “semana que vem”.
Mesmo o mais tonto dos homens – ou a mais distraída das mulheres – percebe o que a expressão significa na terceira vez em que ela aparece: aquele ser humano não está interessado em sair com você. Adiar o encontro ao infinito é uma forma educada de sinalizar que ele não vai acontecer.
Eu descobri o significado oculto de “semana que vem” por meio de um amigo. Foi ele quem me alertou para o novo padrão. A expressão apareceu uma vez na vida dele. Depois outra. Quando leu pela terceira vez as mesmas palavras no What’s Up, teve uma súbita compreensão, e, com ela, uma onda de vergonha retroativa: as mulheres estavam dizendo “não” há muito tempo, mas ele não tinha notado.
Toda rejeição nos faz sentir patéticos. Dá um desconforto profundo, que mistura vergonha pela situação e raiva de si mesmo. “Quem mandou eu me expor desse jeito”? Mas, quando a gente demora a perceber, é ainda pior. Além de patéticos, nos sentimos burros – e expostos ao ridículo.
Como só percebi o que “semana que vem” significa com ajuda do amigo, depois de ter ouvido as mesmas palavras umas 20 vezes, imaginem como eu estou me sentindo. Se alguém me disser “semana que vem” nos próximos dias, choro.
Mas, atenção: imprevistos também acontecem. Ontem, terça-feira, eu iria almoçar com um amigo e jantar com outra. O amigo cancelou 24 horas antes, por uma demanda inesperada no trabalho. Tentaremos “esta semana”. O pai da amiga rompeu os ligamentos e seria operado hoje. Noite no hospital para ela e jantar adiado para mim. Jantaremos, espero, na “semana que vem”.
Quero dizer, com isso, que compromissos também são cancelados contra a vontade das pessoas. Nem todo adiamento é sinal de desinteresse. Deve existir uma semana tão cheia de trabalho que torne impossível jantar, almoçar, tomar café, sentar no sofá, falar por Skype ou trocar um telefone reconfortante com alguém que você goste.
OK, pensando bem, não existe uma semana assim tão ocupada, mas vocês entenderam o espírito da coisa: fique ligado para não fazer papel de chato, mas não se deixe cair na paranoia.
Para nós, homens, é mais fácil. Temos experiência nesse tipo de coisa. A gente escuta evasivas desde os tempos bíblicos. Basta ingressar na adolescência para descobrir as centenas de formas que um “não” pode tomar na boca, no rosto e na linguagem corporal de uma mulher. A mais traumática, para mim, é também a mais banal.
- “Vamos dançar”?
- “Não”.
Que vergonha, na frente de todo mundo!
Agora, com a mudança dos costumes, também as mulheres estão experimentando a mesma sensação. Elas tomam a iniciativa no contado com os homens e levam de volta uma esnobada. Na balada, na escola, no trabalho, no Happn. Os bonitões, claramente, não estão aceitando qualquer convite: “Vamos marcar semana que vem”.
Não tenho juízo de valor a fazer sobre isso. É um fato da vida. As pessoas manifestam seu desejo e se confrontam com o desejo do outro. É importante que haja liberdade para as duas atitudes. Eu não gostaria de viver numa cidade onde não pudesse me aproximar (sem grosserias) das pessoas que me atraem. E ninguém gostaria de viver num lugar onde não fosse possível dizer não. É importante abraçar essa dimensão da nossa liberdade. Ela é essencial ao projeto.
Também gosto de pensar que existe ganho existencial no confronto com a realidade. Disse isso ao amigo chateado com as rejeições. Imagine se nos trancarmos em casa, se nunca nos expusermos, se tivermos medo de nos oferecer aos outros – o que será da nossa vida erótica ou sentimental?
É saudável o exercício de se abrir e tentar. O risco de lançar a ponte na direção do outro e ver o que acontece me emociona. Surpresas agradáveis nos esperam, assim como decepções. Uma e outra nos mostram que estamos vivos.
Há, claro, temporadas inteiras em que estamos tão frágeis que é melhor não nos expor ao julgamento alheio. Essas são as horas de recolhimento. Nesses momentos, amigos são a melhor companhia. Amantes que nos recebem sem conflitos também. Ambos nos protegem de uma forma que o jogo de sedução não permite. Seduzir implica em dar a gente estranha uma chance de nos ferir. Há dias em que não estamos para isso.
Ontem, o amigo que me alertou para a “semana que vem” veio com uma novidade. Conheceu uma garota interessante no Happn, depois de receber um “charme” dela. Vocês sabem como isso funciona? Se você marcou alguém e não deu match, existe a chance de apelar - mandar um charme, convidando a pessoa a olhar o seu perfil. Ela mandou, ele olhou, gostou, estão falando e combinando sair esta semana. Ou na outra. A vida dele, assim como a dela, continua na semana que vem. Não é uma tremenda boa notícia?

http://epoca.globo.com/sociedade/ivan-martins/noticia/2017/02/semana-que-vem.html