IVAN MARTINS
28/01/2015 09h00 - Atualizado em 28/01/2015 10h09
Por definição, ex tem de ser uma criatura destroçada, maltrapilha, terminal. Ex que ri, que posa no Facebook, que exibe felicidade publicamente é uma aberração da natureza e dos costumes. Para cumprir seu papel constitucional, ex tem de ser uma entidade discreta, quase fantasmagórica, de quem se ouça - só de vez em quando - um gemido cheio de dor e de saudades. Por nós. Ex existe para nos fazer sentir melhor com a sua infelicidade. Nunca o contrário.
Estou brincando, claro.
Depois de várias separações, muitas sessões de psicanálise e décadas neste planeta, aprendi que nossa felicidade pode ser medida pelo sentimento em relação ao ex. Se estivermos torcendo para que ele ou ela esteja miserável, é sinal de que a nossa própria vida está um lixo. Simpatia, carinho e mesmo distanciamento benigno sugerem que estamos saudáveis. Nem é preciso desejar ardentemente que ela ou ele seja feliz. Basta não torcer pela infelicidade alheia.
Ouvi, outro dia, um trecho do programa de rádio do Flávio Gikovate em que ele falava sobre isso. Dizia que ex casais às vezes estabelecem uma relação de gangorra - se ela fica bem, eu fico mal. E vice versa. Achei a imagem eloquente e a situação horrível. Mas fui obrigado a admitir que, mais de uma vez, senti exatamente assim, torcendo para que a vida da ex andasse torta para acompanhar a minha, que virara um desastre. Posso atestar que nada de bom surgiu desse sentimento.
Hoje em dia cultivo a ideia da reciprocidade.
A reciprocidade estava lá no começo dos relacionamentos e acredito que estará no fim. Dos amores verdadeiros, aos menos. O desejo e a alegria nos ligavam no início. Agora, é a dor da separação que nos aproxima. Continuamos conectados. No manual que um dia escreverei sobre o sofrimento amoroso, estará previsto, na forma de lei incontornável, que ninguém sairá de um grande amor indiferente enquanto o ex chafurda em desespero. É uma injustiça de proporções cósmicas.
Acredito que é possível - e ainda mais, desejável - que nossas experiências amorosas sejam encerradas com gestos mútuos de carinho. Ou mesmo de amor. Em vez de trancar-se no ressentimento de quem não é mais desejado, talvez possamos abraçar e ouvir. Em vez de virar as costas a quem não nos desperta mais desejo, abraçar e falar. É o contrário de tudo o que fomos ensinados a fazer, mas talvez funcione. Deve ser possível dar ao romance que acabou uma forma que não seja apenas o vazio de quem abandona ou foi abandonado. Um grande amor não termina em ponto final. Ele se estende no tempo, dentro de nós. Guardar a aliança numa gaveta não o extingue.
O que fazer?
Não há respostas fáceis, Aquilo que nos persegue como lobo depois da separação é o vazio criado pela da ausência do outro. Há que viver no interior dessa névoa, porém. Atravessá-la com calma e resignação. Respirando, como dizem os professores de ioga. Os amigos estarão ao seu redor, a família, o trabalho. O ex amor pode atender ao telefone no meio da noite, se a tristeza for intransponível. Por que não? Se as portas estiverem abertas, os dois podem cruzar para um abraço.
Não há respostas fáceis, Aquilo que nos persegue como lobo depois da separação é o vazio criado pela da ausência do outro. Há que viver no interior dessa névoa, porém. Atravessá-la com calma e resignação. Respirando, como dizem os professores de ioga. Os amigos estarão ao seu redor, a família, o trabalho. O ex amor pode atender ao telefone no meio da noite, se a tristeza for intransponível. Por que não? Se as portas estiverem abertas, os dois podem cruzar para um abraço.
Parece utopia? Pode ser. Para alguns talvez não exista outro jeito além de trancar-se e esperar. O outro pode ser - ao menos temporariamente - o inimigo. É possível que seja necessário suportar as 24 horas de cada dia enquanto a vida se refaz, em câmera lenta. A abstinência do outro pode ser a única forma de renascer. Mas nem sempre é assim.
Numa manhã de domingo, é possível caminhar com carinho e melancolia ao lado da mulher que nos amava profundamente, e por quem ainda seríamos capazes de nos atirar na frente de uma bala. A relação como era acabou, mas algo permanece. A ligação ainda existe. Há que inventar um nome para esse momento, vivê-lo como parte da experiência amorosa. Sem raiva, sem ressentimento, sem indiferença. Sem medo, também. Aberto ao que a vida pode ensinar. O jeito antigo foi vivido e deu errado.Talvez exista um jeito novo. Ex que ri é melhor do que ex que chora - se estivermos preocupados com ela.
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