segunda-feira, 22 de agosto de 2011

E de repente o tempo passa

E vc eh obrigado a tirar suas ferias

sábado, 20 de agosto de 2011

Bons tempos de Panico na TV

Coca-Cola treina jovens e vendas sobem dois dígitos


Daniele Madureira | De São Paulo
19/08/2011

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Leonardo Rodrigues / Valor
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Claudia Lorenzo, diretora de negócios sociais da Coca-Cola: não é doação, é para vender
A jovem Tainara Maria de Jesus, de 18 anos, prestou uma consultoria ao dono do Bar Brasil. Situado no Setor Colina Azul, periferia de Aparecida de Goiânia (GO), o estabelecimento tinha pouco espaço de circulação, tomado por caixas de bebidas na entrada. Músicas sertanejas tristes não animavam os jovens a frequentar o lugar. A única atração, um espetinho de carne, era servido só às terças-feiras. Tainara e um grupo de jovens moradores do bairro apontaram as falhas, sugeriram mudanças e ainda incentivaram o dono a ter um freezer só para produtos da Coca-Cola, que estavam misturados com os rivais Big Boy e Guaraná Antártica.

Tainara e seus vizinhos são alguns dos mais de 5 mil jovens formados pelo projeto Coletivo da Coca-Cola, que tem o objetivo de unir iniciativa social com metas comerciais. Jovens de baixa renda, com idade entre 15 e 25 anos, são treinados para trabalhar no varejo ou se tornarem empreendedores. A Coca-Cola banca o programa, oferecido dentro da comunidade, e promete emprego aos melhores colocados, seja na própria empresa ou nos seus clientes varejistas. Para serem aprovados, os alunos prestam consultoria gratuita a um estabelecimento do bairro.


Criado há dois anos, o programa atendeu 70 comunidades em nove Estados. Nesses locais, a venda da multinacional americana cresceu dois dígitos, desde que o Coletivo foi implantado. A meta é chegar a 125 comunidades até o fim deste ano. Cada uma tem cerca de 200 pontos de venda.


"Como se trata de lugares de difícil acesso e, às vezes, violentos, havia muitos estabelecimentos que nós nem conhecíamos", diz Claudia Lorenzo, diretora da negócios sociais da Coca-Cola Brasil. A área de negócios sociais é inédita na Coca-Cola mundial e deve ser replicada nas filiais de outros países a partir de agora, como Argentina, Índia, Taiwan e Filipinas, que estudam a iniciativa. No Brasil, o programa é aplicado em parceria com as organizações não-governamentais CDI e Visão Mundial.


A área responde diretamente ao presidente da empresa no país e não tem relação com o Instituto Coca-Cola, este sim voltado apenas a iniciativas sociais nas áreas de educação, meio ambiente e reciclagem. Há três anos, a filial brasileira da Coca queria saber se estava explorando da melhor maneira o potencial de consumo da emergente classe C. Contratou antropólogo, colocou diretores para viver dois dias nas casas de famílias de baixa renda e reviu o portfólio. Descobriu que poderia fazer mais por moradores de favelas e bairros carentes, e faturar mais também.


"No início, quando visitei uma comunidade, me perguntaram se eu tinha vindo fazer doação. Eu respondi que não, vim vender", diz Claudia, que na manhã de ontem participou da conferência Choice, em São Paulo, voltada à discussão de negócios sociais. Trata-se de um conceito novo e muitas empresas ainda têm receio de declarar interesse comercial em projeto social.


No Brasil, a Nestlé tem iniciativa semelhante e bem sucedida. Com o programa "Nestlé Até Você", a multinacional suíça seleciona microdistribuidores e capacita revendedoras para a venda porta a porta de seus produtos. Criado em 2006, o programa soma hoje 8,2 mil revendedoras e 270 microdistribuidores em 19 Estados. O projeto faz parte da área de regionalização e base da pirâmide da Nestlé, que cresce cerca de 30% ao ano.


Uma segunda fase do programa começa agora. A Nestlé fechou um programa com o governo do Rio para capacitar moradores de comunidades pacificadas da capital fluminense em empreendedorismo. O projeto piloto será implantado no bairro Cidade de Deus, próximo à fábrica de sorvetes da Nestlé, em Jacarepaguá. Por meio dele, os moradores podem se tornar sorveteiros da marca

E de repente...

...você parece ter 19 anos de novo.


E perecbe que o tempo passa rapido demais...

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Não foi só o Bolsa Família


Ribamar Oliveira
18/08/2011

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A forte redução da pobreza no Brasil vem sendo atribuída principalmente ao programa Bolsa Família. Mas os números sobre os gastos públicos na área social mostram outra realidade. Em 2009, 23,1 milhões de brasileiros estavam acima da linha da pobreza por causa da renda obtida com os benefícios previdenciários e assistenciais (excluindo o Bolsa Família), de acordo com um recente estudo feito pela Secretaria de Políticas de Previdência Social (SPS), do Ministério da Previdência, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009, do IBGE.


Sem os benefícios previdenciários e assistenciais pagos pelo INSS, os pobres corresponderiam a 42,2% da população brasileira em 2009 e não a 29,7%. A população considerada no estudo corresponde aos habitantes de domicílios onde todos os moradores declararam a integralidade de seus rendimentos na PNAD. O nível de pobreza é dado pela renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo. Os benefícios assistenciais pagos pelo INSS são aqueles previstos na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), que socorrem os idosos e os deficientes.


Previdência teve forte impacto na redução da pobreza
O mais interessante do estudo é a constatação de que o papel dos benefícios previdenciários e assistenciais pagos pelo INSS para a redução da pobreza brasileira vem crescendo nos últimos anos. Em 2002, sem considerar as transferências previdenciárias, os pobres correspondiam a 54,4% da população. Com as transferências, os pobres caíam para 44,5% - diferença de 9,9 pontos percentuais. Em 2009, os pobres correspondiam a 41,7% sem as transferências e a 29,2% com as transferências - uma diferença de 12,5 pontos percentuais.


Esses números provavelmente refletem a considerável ampliação dos benefícios previdenciários e da Loas de 2002 a 2009. No último ano do governo Fernando Henrique, o INSS pagou 18,9 milhões de benefícios previdenciários e 2,3 milhões no âmbito da Loas. Em 2009, o número de benefícios previdenciários pagos atingiu 23,5 milhões - 24,3% de crescimento -, enquanto o número de benefícios da Loas pagos foi de 3,5 milhões - aumento de 52,2%. Em 2010, os gastos foram ainda maiores (24,4 milhões de benefícios previdenciários e 3,7 milhões de benefícios da Loas) e deverão continuar crescendo este ano.


O principal impacto dos benefícios previdenciários se dá na área rural, onde muitas vezes as únicas pessoas que possuem renda monetária são justamente os aposentados e pensionistas do INSS. É fato conhecido que em numerosos municípios brasileiros o montante dos benefícios previdenciários recebido pela população é maior do que as receitas próprias e do Fundo de Participação das respectivas prefeituras. A renda dos idosos é de fundamental importância para a economia desses municípios.


Por conta da previdência rural, ocorre no Brasil um fenômeno de transferência de renda da área urbana para o campo. Isso porque a previdência rural é altamente deficitária. Em 2010, por exemplo, as despesas com benefícios previdenciários no campo atingiram R$ 55,5 bilhões, enquanto as contribuições foram de apenas R$ 4,8 bilhões - o déficit de R$ 50,7 bilhões corresponde à transferência de renda do setor urbano para o campo.
Pode-se avaliar o peso da Previdência e da Loas também pelos valores envolvidos. Enquanto o programa Bolsa Família gastou R$ 13,5 bilhões em 2010, os benefícios previdenciários atingiram R$ 254,8 bilhões e os gastos com o Loas/RMV (renda mensal vitalícia) alcançaram R$ 22,5 bilhões.


A importância do Bolsa Família deve-se ao fato de retirar os brasileiros da extrema pobreza, como observa o secretário de Politicas de Previdência Social, Leonardo Rolim Guimarães. "O Bolsa Família evita que as pessoas passem fome", disse.


Os programas sociais no Brasil ainda precisam de ajustes consideráveis, pois a pobreza atinge atualmente mais as crianças e jovens do que os idosos, o que compromete o futuro do país. Além disso, graves distorções ainda persistem nos sistemas de aposentadorias e pensões, principalmente nos regimes próprios dos servidores públicos.
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Mesmo no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), as regras atuais para as pensões precisam ser revistas, pois inexiste carência para ter direito ao benefício e a viúva recebe o benefício por toda a vida, mesmo sendo bem jovem e tendo renda própria, o que não tem precedente em nenhuma lugar do mundo.
As pessoas também se aposentam muito cedo: os homens aos 54 anos, em média, e as mulheres aos 51,5 anos, também em média. A definição de uma idade mínima para requerer a aposentadoria é indispensável, principalmente tendo em vista o envelhecimento da população brasileira.


Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras

Marx estava certo (e errado)


Crises podem ser supervalorizadas, ainda mais numa era de noticiário histérico e ubíquo e de mercados histéricos e ubíquos.

Há em curso uma história econômica maior (e melhor) do que a implosão da bolha de consumo e bem-estar dos países ricos, que é a emancipação econômica de bilhões de cidadãos do chamado mundo emergente.

Quanto mais o segundo ato da crise econômica global se desenvolve, mais claro fica que ela é uma crise econômica do Hemisfério Norte. Os países do Sul já saíram da crise há muito tempo. O processo de inclusão socioeconômica das massas desses países se mostrou resistente ao empobrecimento dos ricos.

Nos EUA e na Europa Ocidental, o estouro da grande bolha de prosperidade (via crédito, nos EUA; via benefícios socioeconômicos, na Europa), ainda causará muita agonia. Suas empresas, instituições e cidadãos se sentem inseguros e pessimistas quanto ao futuro, o que é mortal para os negócios, mesmo que se tenha o melhor ambiente de negócios do mundo.
Nos EUA, pátria do consumo, as vendas de carros neste ano devem ser quase 30% menores do que em 2001. O mercado imobiliário do país voltou a afundar, e nunca tantos americanos dependeram da ajuda do governo para comprar alimentos.

Corta para o Brasil, que tem um ambiente de negócios muito pior que o dos EUA, mas onde a confiança é a maior da história, as vendas de carros batem recordes, o mercado imobiliário atinge picos nunca vistos e a procura por programas como o Bolsa-família cai com o aumento do emprego e da renda.
São dinâmicas completamente diferentes. De um lado, EUA, Europa e Japão atordoados pelo estouro da bolha de prosperidade. Do outro, Brasil, China, Índia, Indonésia, Turquia, Angola, Colômbia, Peru, etc., países que depois de anos de liberalização e avanços macroeconômicos vivem processos sólidos de desenvolvimento.

É um tremendo rearranjo geoeconômico que terá conseqüências geopolíticas e culturais muito maiores do que conseguimos vislumbrar hoje.

Na edição 2011 das Maiores Ideias do Ano da prestigiosa revista americana "The Atlantic", a primeira da lista é a emergência da classe média dos emergentes.

Gillian Tett, a editora do "Financial Times" que tratou do tema, escreveu esperançosa que países como Brasil, China e Índia, que antes contribuíam com "choque de oferta" na economia mundial, ao produzir produtos mais baratos, agora, com suas massas consumidoras, podem fornecer um "choque de demanda" capaz de reativar as economias do Norte.

Diz muito de nossos tempos que consumidores como o brasileiro, o indiano ou o chinês possam ser vistos como a salvação das economias de Europa e EUA.

O otimismo aqui no Sul, estampado em quase todos os rostos brasileiros, é o oposto do pessimismo do Norte, cujo porta-voz melhor talvez seja o economista Nouriel Roubini, apelidado de Mister Apocalipse e que previu com antecedência de anos o estouro da bolha de crédito imobiliário e suas consequências.
Roubini anda tão pessimista que disse ao wsj.com que Karl Marx pode ao final estar certo sobre o capitalismo. Como?

Para Roubini, o brutal processo de desalavancagem, que reduz gastos públicos e privados, cria governos zumbis, consumidores zumbis, lares zumbis. Nos últimos anos, disse ele, houve enorme redistribuição de riqueza do trabalho para o capital, dos salários para os lucros. E como as empresas gastam proporcionalmente menos do que os lares, essa concentração reduz a demanda e ameaça a economia.

"Marx estava certo. Em algum ponto, o capitalismo pode se autodestruir. Não se pode continuar transferindo renda do trabalho para o capital sem gerar excesso de capacidade e falta de demanda agregada. Foi isso o que aconteceu. Pensávamos que os mercados funcionavam bem. Eles não estão funcionando. A empresa, para sobreviver e prosperar, pode reprimir gastos trabalhistas cada vez mais, mas os gastos trabalhistas são a renda e o consumo das pessoas. Por isso é um processo autodestrutivo", explicou (provocou) o professor Roubini.
Marx pode estar certo em algumas coisas e errado em outras. Mas é preciso notar que, se é a crise do capitalismo que traz estagnação ao Hemisfério Norte, é o sucesso do capitalismo que traz prosperidade para o Sul.
Description: Sérgio Malbergier
Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro (2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha.com às quintas.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Nunca estamos onde queremos

Conto de fadas de Woody Allen discute os limites do presente
ELIANE BRUM
   Divulgação
ELIANE BRUM
Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê(Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua(Globo). 
E-mail: elianebrum@uol.com.br Twitter: @brumelianebrum
Depois de alguns minutos, o novo filme de Woody Allen – “Meia-Noite em Paris” – nos provoca um delicioso sorriso bobo, que permanece até o final. O diretor no presenteia com uma história de Cinderela para adultos. À meia-noite, o protagonista embarca em um calhambeque tinindo de novo e pronto, está onde sempre quis estar: na animada Paris dos Anos 20. Gil Pender, como boa parte de nós, acha o presente insuficiente. O passado era melhor. Não qualquer passado, mas o idealizado por ele. Como uma fada madrinha do nosso tempo, Woody Allen realiza, com essa varinha de condão que é o cinema, o desejo que é de todos. E por isso abrimos um sorriso encantado.
 
Me convenci a dar uma espiada para o lado e para trás e vi no público a mesma boca aberta de antecipação e deleite das crianças quando escutam um conto de fadas. Desde o surgimento do calhambeque, a gente já sabe o que vai acontecer. É porque queremos muito que aconteça que é tão prazeroso. Como as crianças que pedem para repetir mil vezes a mesma história, a gente tem vontade de gritar: “De novo! De novo!”.

A identificação com o protagonista é imediata. O ator Owen Wilson vive Gil Pender, mas, ao mesmo tempo, encarna Woody Allen com tanta competência, que às vezes enxergamos o próprio. No filme, ele é um roteirista de Hollywood que tenta escrever um romance enquanto visita Paris com uma noiva mimada e um casal de sogros tão digestivos quanto óleo de rícino. Os personagens são todos estereotipados como num bom conto de fadas.

A noiva é uma típica menina rica, fútil e ambiciosa, mais preocupada com a aparência da vida e dela mesma do que com a vida em si. Os sogros são americanos bem sucedidos, republicanos do Tea Party, com todos aqueles valores que conhecemos melhor ao acompanharmos a trajetória de Sarah Palin. Ao chegarem a Paris, a noiva encontra um casal de amigos. Ele, um homem pelo qual já foi apaixonada, é também um personagem comum do nosso tempo: um especialista em tudo, de vinhos a Rodin. E, desde o início do filme, o detestamos como se deve fazer com um bom vilão que não causa mais mal do que abusar da nossa paciência e da de Gil com seu pedantismo e seu conhecimento de Wikipedia, programado para impressionar um certo tipo de moça. Já Gil, nosso herói, é doce, sensível e com aquele ar meio perdido de quem quer muito ir, mas não sabe direito para onde. Também um personagem clichê da nossa época.
 
Nesta escolha dos personagens, há algo interessante que podemos pensar. Esses dois estereótipos masculinos representam em parte a confusão do que significa ser homem hoje em dia. Ambos inseguros depois do naufrágio do papel masculino definido por uma tradição que já não existe. Mas com respostas diferentes para a questão. E, como a mulher deste milênio, a noiva também oscila entre esses dois homens sem saber bem se quer aquele que sabe tudo sem saber (e que jamais saberá qualquer coisa porque não tem planos de parar de fingir) – ou deseja aquele que admite que não sabe, mas um dia talvez possa descobrir porque procura.

Esta não é a questão principal do filme, mas Woody Allen sempre foi hábil em falar da (bendita) confusão dos papéis masculinos (e femininos) de nossos dias – e seu conto de fadas não poderia ser diferente. O dilema central de nosso Cinderelo é que ele queria viver onde não vive.

Gil Pender desembarca na cidade dos seus sonhos – e Woody Allen também nos dá, desde o início, uma Paris de cartão postal, com direito a própria Carla Bruni interpretando uma guia turística. Mas Gil está acompanhado pela noiva fútil, os sogros fúteis, o casal de amigos fúteis e fazendo coisas fúteis com todos eles. Preso, portanto, a um presente que não quer, mas que não tem forças para mudar. Como acontece com boa parte de nós aqui, em nossa vida cotidiana – e também em férias idealizadas das quais voltamos com fotos em que estamos sorridentes, sobre as quais contamos maravilhas para os amigos e parentes, mas secretamente sabemos que não foram tão perfeitas assim. 


Então, à meia-noite, num determinado lugar, a carruagem passa e o carrega para a Paris que deseja. E Gil Pender encontra, entre outros personagens fascinantes que se reuniram em Paris nos Anos 20, Zelda e Scott Fitzgerald, Cole Porter, Ernest Hemingway, Pablo Picasso, Salvador Dalí, Luis Buñuel. E consegue dar seu romance para a própria Gertrude Stein avaliar. Todos esses personagens reais que fizeram a efervescência e a lenda dos (pelo menos para nós e para Gil Pender) gloriosos Anos 20 estão lá não como são – mas como nosso Cinderelo os vê. É o passado idealizado por ele – não o passado como foi para quem o viveu. Só assim, afinal, é possível ter um conto de fadas.

Posso contar tudo isso aqui porque, como nas fábulas, não importa o que acontece, importa que tenhamos certeza que acontece. Por isso as crianças querem ouvir a história tantas vezes e viver seus medos protegidas pela segurança do enredo conhecido. Depois dos primeiros 15 minutos de filme, sabemos o que Woody Allen vai nos dar. E então é só a delícia de assistir ao desenrolar dos fatos que já antecipamos.

Mas Woody Allen nos trai com uma personagem clandestina, que não faz parte do roteiro das fábulas – a mulher comum. Aquela que esteve na história, mas não foi registrada nela. Aquela que não sobreviveu à morte como memória. É a partir das inquietações dela, que em determinado momento torna-se o espelho dele, que Gil Pender tem de fazer uma opção que é a de todos nós: entre o tempo que não há e o tempo que há. Ele precisa fazê-la na prática. Nós temos de fazê-la dentro de nós, como uma escolha interna que determina todo o enredo da história que é nossa.

Gil Pender, nosso Cinderelo, coloca o impasse entre a idealização da vida e a vida como ela é com uma das sacadas geniais que fazem Woody Allen ser quem é: “Você se dá conta que esses caras vivem sem anestesia nem antibiótico?”. A frase é bem melhor do que esta, mas eu não tinha nenhum bloquinho para anotar. É quando o homem que procura encontra algo – e descobre que precisa fazer uma escolha se quiser viver onde está – não importa se na Paris dos Anos 20, na Paris da Belle Époque ou na Paris de hoje. Para quem o viveu, o passado era presente.

Assim como não há passado, só presente – não há vida idealizada, só vida. É com essa vida, no presente, que temos de fazer o melhor que pudermos, mesmo que sempre nos pareça insuficiente. Para, quando chegar ao final que sempre chega, termos a chance de concluir: “Que pena que acabou. Mas vivi, não tudo o que quis, mas o melhor que pude”. E só dá para ter certeza de que fizemos o melhor possível com nossa vida imperfeita quando temos a coragem de fazer escolhas. Que, inclusive, podem dar errado – e muitas vezes dão. Mas também podem dar certo, ou dar errado dando certo de um jeito que não sabíamos que existia.

Do contrário, vamos ficar fingindo que conhecemos o enredo, como o chato da história, e ninguém encontra nada sem se arriscar ao vazio e às perguntas difíceis, com respostas às vezes indigestas. Não há final feliz – o final é sempre a morte, como nos repetiram tantos poetas. O que temos é o presente possível para experimentar por tentativa e erro. 
As grandes questões da existência, afinal, são sempre as mesmas – e é para nos lembrar disso que servem os contos de fadas. “Meia-noite em Paris” é um dos bons. 
(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)